22 de outubro de 2011

Contágio musical

Apesar do burburinho em redor, o som começa a fazer-se sentir, contornando as orelhas e invadindo os tímpanos sem cerimónia. O corpo fica leve, com alguma dormência e não fico indiferente. O meu tronco assemelha-se ao de uma árvore jovem, baloiçando ao vento, mas sem deixar de ter a raiz fixa. Os ombros começam a fazer uma espécie de exercícios de aquecimento, rodando, lentos e alternados. O pezinho, esse famoso batuque, pauta já o ritmo e as mãos parecem querer tocar um instrumento que não sei tocar nem está presente. Reparo que, por instinto, as sobrancelhas parecem um equalizador, nervosamente sensíveis ao que ouço.

Endireito-me na cadeira, descolando as costas do encosto e lavo o assento com o rabo, esfregando-o com ritmo. Agora confio na resistência da cadeira para que aguente a agitação com que a sobrecarrego. O espaço de dança já começou a ter pessoas e sinto vontade de me juntar. As pernas saltitam como se o chão estivesse em brasa. Os pés já não pousam mais. Os lábios abrem e fecham numa linguagem inaudível, a linguagem dos maestros que assistem ao resultado da sua batuta, trauteando os ritmos em silêncio.

Salto da cadeira, não sei se empurrado pela coragem ou à procura dela, com os braços flectidos e agitados em jeito de corrida. Olhos fechados. Começo um jogo de ancas numa finta eterna das pernas, sem bola nem adversário. Nem a corrida me tira dali, nem a finta me dá algum golo. Semicerro os olhos com timidez, levantando, pelo mínimo, as pálpebras. Vejo em meu redor, mas através da cortina das pestanas. Os ombros agitam-se ao estilo de pugilista antes da competição, mas os braços desmancham qualquer agressividade, não saindo da zona da cintura. Às tantas são as ancas que me puxam para o lado esquerdo, desenhando um arco com o corpo. Os pés dão pequenos saltos para o mesmo lado, numa divertida fuga à presa invisível. O exercício repete-se para a direita, e para a esquerda... Solto um sorriso aberto, cheio de energia. Não estou ligado à corrente eléctrica. Melhor que isso, tenho baterias próprias todas bem carregadas. Murmuro o refrão dando força à dança. Não que pense em parar antes do fim da música, mas injecta-me nova energia para variar a coreografia, num bailado que já pouco tem de geométrico e se deixa ir...

Estarei a exagerar? Ora experimentem esta pomada...das velhinhas, mas das boas!

Esta é uma das componentes da famosa magia de África, que muitos falam mas que poucos a sabem explicar completamente. Esta magia tem pregos que nos picotam o cu e nos atiraram para uma pista de dança, improvisada como não...



16 de outubro de 2011

BRAVO, Gonçalo!



Com uma força mental inabalável percorreu um sonho com a sua Miss. Umas vezes à boleia dela, outras vezes com ela às costas. Andou por sítios que chamou de estradas, onde muitos não conseguiriam sequer ver caminhos. Uma experiência para a vida. Para esta e para a próxima! Embora eu acho que o bichinho ficou e outra viagem virá!

Passou em Pemba (Moçambique) em Novembro de 2010 e chegou ontem a Portugal...

Rendo-me e confesso: nestas situações não sei conjugar as palavras de forma suficiente para prestar a devida homenagem!


Ficam os números:

- Mais de um ano a viajar em África;

- 50 mil quilómetros a bordo da Miss;

- Dezenas de fronteiras africanas.


Ficam algumas fotos (tiradas do blog dele):





Fica o link para o blog que foi alimentando com as peripécias e fotos soberbas.



PARABÉNS!!


13 de outubro de 2011

4 de outubro de 2011

Postais de Nairobi



Tenho que começar por dizer que Nairobi, cidade a uma altitude de 1700 metros, com cerca de 3 milhões de habitantes tem uma política pública contra o tabaco. Eu reforço a ideia: é proibido acender um cigarro nas ruas! “E esta, hein!?”, diria o saudoso Fernando Pessa. Não conheço nem tenho conhecimento de uma cidade com tal medida, por isso ali estava eu, numa agitada cidade africana, espantado com tal facto.
Mas desiludam-se os anti tabagistas, pensando que se vive um ambiente cristalino nesta cidade. O estado envelhecido dos transportes públicos, com uma mecânica movida a improviso, provocam uma poluição preocupante.

Nairobi, que podia ser uma cidade verde, pela frequência de parques, é muitas vezes um cenário cinzento acastanhado.

É um daqueles lugares que luta constantemente com o repentino crescimento, e consequente volume de trânsito. O matatu (um dos tipos transporte público) é um dos provocadores desta poluição, mas ao mesmo tempo apresenta-se como uma excelente alternativa de locomoção.

O matatu (candongueiro em Angola, chapa em Moçambique) não é mais do que uma Toyota Hiace, originalmente de nove lugares, mas modificada para levar um pouco mais. Fiquei no entanto agradavelmente espantado quando percebi que a lotação era limitada a apenas 16 pessoas. Quando enche, fecham a porta (que até lá vai sempre aberta com o cobrador empoleirado a tentar angariar clientes) e seguem caminho até haver nova vaga deixada por alguém que sai.

Serpenteiam o trânsito pondo em prática aqueles desejos mais extravagantes que todos temos quando estamos bloqueados no tráfego:

“e se eu fosse pelo passeio?”

“se eu fizesse apenas meio quilómetro em contramão chegava num instante!”

“era só passar os vermelhos todos e estava resolvido…”

Pois eles fazem-no…só não voam!

A influência cultural em Nairobi sente-se bem e é bem-vinda! Gente de todas as cores e feitios concentram-se naquela cidade. E isso, digam o que disserem, é bom!

Podem-se experimentar vários sabores, de vários cantos do mundo. Realço dois:

Carnivore: é uma viagem ao mundo da carne, como diz o próprio nome!

À entrada temos uma fornalha, que faz lembrar as descrições do inferno, onde jazem diversos tipos de carne. O pecado, diriam os vegetarianos, uma delícia, digo eu, omnívoro.

O menu tem uma percentagem reduzida dedicada aos que não comem carne, no meio de outras tantas opções excêntricas em redor dos animais. Não me parece que a ala vegetariana frequente muito este local…

A carne vem para a mesa em modo contínuo e só quando dizemos basta é que eles param. Até aqui nada de diferente de um qualquer rodízio de carne, espalhado pelo mundo. A marca deste restaurante faz-se sentir quando começa a vir carne de camelo, crocodilo ou avestruz.

Restaurante polémico que esgrima com a lei a oportunidade de servir carne de caça. Contraditório, podem-me acusar depois de ter mostrado fotografias de Masai Mara, mas se as coisas forem feitas com conta peso e medida, todos estes cenários antípodas podem conviver na mesma mente.

Coreano: com a companhia certa, uma guia por excelência a estas incursões do paladar, deixei dar-me a conhecer aos sabores do longínquo Este asiático.

Nem toquei no menu! De repente tudo se desenrola à nossa frente: um empregado sorridente trazendo soju, avivando a brasa e trazendo vários pequenos pratos com coisas de várias cores. Para quem nunca experimentou, aqui fica o meu aviso: comida picante!

O mais interessante deste picante (sim, porque o picante não é todo igual e tem coisas interessantes) é que a pessoa não se apercebe de onde vem. Qual o pratinho que tem picante? Resposta: quase todos.

Mas a reacção ao picante vem uns minutos depois, quando já estamos concentrados noutro pratinho e, quando começamos a sentir o calor já comemos de 3 ou 4 pratinhos e já não sabemos qual o responsável. Verdade é que é tudo saudável e delicioso e como não se consegue parar, aceleramos a respiração, suamos e bebemos mais soju

O artesanato é vasto, bonito e poderá ficar barato, se soubermos escolher o sítio e regatear. O mercado da cidade é para esquecer: preços começam no quadruplo do que deviam e a descida de preços é a conta gotas. Mas há vários mercados pela cidade onde vale a pena pousar os olhos…