A Bia é bilingue. Recebe o
português do pai e o coreano da mãe. Acrescido a isto, ouve o inglês entre pai
e mãe. Isto faz dela trilingue aos 2 anos, pelo menos na forma oral.
Quando viemos para a Boa Vista,
Cabo Verde, andamos à procura de infantário para a Bia. Estávamos à procura,
tal como em Maputo, dum infantário onde se falasse português. Nenhum dos locais
nos satisfez e foi quando em conversa percebemos que havia uma escola da qual
davam boas referências: escola francesa. Visitamos e gostamos. A nossa única
preocupação foi a língua! Tínhamos receio de que na cabeça da Bia houvesse
demasiadas línguas. Das preocupações de pais de primeira viagem está o receio
que com tanta língua ela baralhe tudo, demore a falar e quando o fizer poderá
resultar num retalho onde precisaremos de dicionário familiar. O director da
escola garantiu-nos que na idade da Bia as professoras não falam francês. Só o
fazem a partir dos 3 anos. Decidimos ficar.
Não demorou muito tempo para
perceber que as professoras falavam com ela em crioulo! As professoras, em bom
português garantiram-me que a Bia já entendia crioulo. As nossas preocupações
voltaram: não estaremos a abusar com tanta língua?
Um belo dia, quando a apanho na
escola, ela senta-se no carro, agarra a mochila dela e diz: “é di mim”. Na
dúvida, porque por estas alturas ela já vai dizendo umas palavras de português
e coreano, perguntei-lhe: “é o quê?”. Ela olhou para mim, ainda agarrada à mochila,
com ar de espanto de quem analisa a senilidade do pai. Repetiu:
“é di mim” e olhou pela janela, encerrando naturalmente a conversa.
Noutro dia, na praia, apontou com
firmeza para alguém na zona do restaurante. Dum grupo variado de pessoas, o
dedinho dela foi cirúrgico a apontar e ela disse: “Bonju”! Estava a falar da
professora de francês dos mais velhos que cumprimenta com um efusivo “Bonjour”
todas as crianças pela manhã.
Será este o momento em que a
minha filha me ensina que é muito mais flexível do que eu suponha? A minha
ignorante atitude de a “proteger” das diversas línguas caiu por terra. Na minha
cabeça o disjuntor disparou. É muito melhor ter diversidade nesta idade (e em
todas, a bem da verdade) mesmo que atrase a fala. E mesmo que atrase a fala,
falamos de quê?...2 meses?....6 meses? Que diferença faz, se depois de começar
a falar teremos uma intérprete inter continental?