16 de janeiro de 2021

Truques matrimoniais

Quando foi reportada a primeira situação achámos que era teimosia de uma pessoa, um caso isolado, sem muito significado.

Estávamos a fazer o cadastro de terras na zona de Monapo, província de Nampula e, com o decorrer do tempo, as equipas de campo começaram a reportar mais casos. Começou-se a identificar um padrão e o mistério estava lançado.

Ao fazer o inquérito dos titulares ou ocupantes das terras, as mulheres diziam desconhecer o nome dos homens, dos seus próprios maridos!

As circunstâncias eram dignas de um filme policial, pois a forma como as mulheres nos diziam que não sabiam do nome dos maridos era, no mínimo, suspeita. Os diálogos eram deste tipo:

Inquiridor: nome do seu marido?

Inquirida: não sei, não me lembro.

Inquiridor: mas é seu marido?

Inquirida: Sim, sim, casados há 15 anos.

Inquiridor: …e não se lembra do nome?

Inquirida: Não. – mas este "não" vinha tão firme e seco, sem qualquer explicação, que não restavam muitas pistas por onde explorar o fenómeno. Era estranho, sem dúvida, mas parecia um normal muito óbvio naquela zona que ninguém, além de nós, questionava.

Inquiridor:  e como podemos saber o nome do seu marido?

Inquirida: tomem aqui o BI dele. – com o BI do marido na mão, ela poderia ditar-nos o nome, naturalmente, mas ao não fazê-lo, cimentou o mistério.

Havia informação em falta nos processos de cadastro porque algumas equipas não conseguiam de forma nenhuma recolher o nome do marido. A naturalidade deste comportamento baralhou as nossas equipas. Algumas nem ousavam explorar mais o mistério, por temerem ofender aquilo que parecia uma regra estabelecida. Há casos mais normais de esquecimento dos inquiridos, como por exemplo datas de nascimento, números de telefone, etc…mas não se lembrar do nome do marido com quem se está a viver, mesmo que há uma simples semanita?

Podíamos até estar perante um problema social, violência doméstica, repressão, enfim…colocaram-se várias hipóteses para entender o mistério. Todo o cuidado era pouco.

Como não saía nenhum nome, nem as mulheres cediam um milímetro em direcção a qualquer justificação do fenómeno, o mistério atingiu o seu auge quando uma inquirida gritou para dentro de casa: “marido, anda cá dizer o teu nome a esta gente”. Ficou claro que o caso requeria investigação…

Junto das lideranças locais, pedimos esclarecimentos sobre o fenómeno e a explicação foi simples: a crença local era que, quando as mulheres dissessem o nome do marido, isso traria azar no relacionamento. Ponto final. Simples. Afinal só queriam ser felizes...

Respeitando a crença local, daí em diante as equipas passaram a actuar com a maior normalidade perante o fenómeno: “Não sabe o nome do seu marido? Normal…não há problema. Tem aí à mão o BI dele ou pode chamá-lo?”.

Mistério resolvido e, que saibamos, não provocamos nenhum divórcio na zona…

4 de janeiro de 2021

WebTertúlia

Pela primeira vez na vida da Tertúlia Africana, as histórias foram contadas em vídeo, por ZOOM, ou não estivéssemos nós em 2020.

Obrigado à Ordem dos Engenheiros - Colégio de Eng. Geográfica pelo convite.

Cinquenta minutos a viajar por dois países, mais 20 minutos de uma animada conversa entre colegas e amigos...