22 de junho de 2021

Vamos até à praia

A cerca de 70km de Maputo encontra-se uma das portas de entrada da Reserva Especial de Maputo. E hoje vamos até à praia, entrando por esta porta.


A equipa da expedição fez os devidos preparativos e tomou notas das regras dentro do parque. A sinalética é para cumprir…o jogo é a valer…




E aí fomos nós, para 40 km de areia, com mais ou menos solavancos ao longo do percurso, para uma jornada em direcção à praia.

E para quem se está a perguntar “mas porquê 40 km em areia para chegar à praia!?”, as fotos seguintes ajudarão a esclarecer.


Para quem não se questionou sobre os 40 Km de areia, também aqui fica a galeria da jornada, que é fantástical!

Ao quilómetro 2 começamos por avistar as zebras pacatamente a pastar.


E pelo meio do capim conseguimos fotografar as curiosas impalas.


Ao quilómetro 4 não se veem animais, mas a paragem foi obrigatória para fotografar o arco-íris.


Ao passar na lagoa tivemos que fazer pouco barulho para apreciar o colorido pássaro que passeava.


Mas muita atenção no caminho, para não perturbar quem trabalha.


Ainda na lagoa vimos a sinalização própria do local: a lagoa tem dono!


Preocupado, o Leo perguntava se os crocodilos podiam aparecer. A Bia prontamente respondeu “não te preocupes, eles são lentos fora de água!”. Muito perspicaz…


Ao quilómetro 6 a nossa atenção foi para um pássaro que pousava num ramo para a fotografia.


Ao lado deste, vimos mais, de outras cores e a chilrear.


Ao quilómetro 10, cautela ao avançar com o carro, pois uma iguana resolveu atravessar a estrada.


No quilómetro 13 foi a vez dos grandes elefantes serem vistos no seu passeio, com companheiros no dorso.


Ao quilómetro 15 tivemos oportunidade de fotografar um simpático antílope.


Continuamos pela estrada, à medida que as árvores nos deixavam passar...


Ao quilómetro 22, houve direito a uma moldura com 2 espécies, o antílope curioso e os bois-cavalos desconfiados.


No quilómetro 24 conseguimos fotografar 3 javalis fugidios, mas que, ainda assim, simpaticamente, enfrentaram a lente da câmara.


Devagar no quilómetro 30, pois tínhamos um antílope com prioridade.

Também a atravessar a estrada, um exército de formigas obrigou-nos a esperar um pouco, para reduzir os danos.


O quilómetro 33 mostrou-nos um curioso macaco, que estava indeciso entre ficar a olhar para nós e desaparecer na floresta. Enquanto não se decidia, fui fotografando…


A paisagem do quilómetro 36 ofereceu-nos um postalinho para mais tarde recordar.


Quase a chegar à praia, ainda houve tempo de ver o passeio de mais elefantes, com crias.


Ao quilómetro 40, o destino (chegou rápido, não?), a praia, deserta. Fomos então molhar os pés para ver como estava a água.




O diário de bordo mostra a diversão da viagem...




 

27 de abril de 2021

Português estranho

Há 11 anos, quando cheguei a Moçambique, achei que estava preparado para as aventuras que se avizinhavam. Enganei-me. Os desafios que apareceram à minha frente ensinaram-me que estava equivocado e fico feliz por isso.

Na primeira formação que dei, com a duração de uma semana, tinha 15 pessoas à minha frente. Adoro dar formação e por isso estava como peixe na água…mas numa água turva, descobri rapidamente.

Na primeira pausa para café a organizadora da formação chamou-me à parte e disse que havia um grande problema: “ninguém estava a perceber nada do que eu dizia”. Gelei. Mas será que não estavam à vontade com o assunto da formação? Não era isso. Ela tentou explicar, hoje entendo que de uma maneira muito diplomática, que não percebiam mesmo o que eu dizia. Mas estando eu a falar português, o que podia estar a correr mal? Ela contorceu-se na sua gentil diplomacia e disse-me: “é um português estranho, que não estamos habituados”. Algo tinha que mudar, caso contrário a formação seria cancelada…

Engoli o bolo que tinha na mão, mas já sem sentir o sabor. Pousei a chávena do café, desistindo de o beber. Agora tinha que digerir o enigma: falamos todos a mesma língua, mas os formandos não me entendiam! Este aviso, na primeira pausa para café, equivale, num jogo de futebol, a levar um cartão amarelo aos 4 minutos. Havia uma semana de trabalho pela frente e, não me saía da cabeça, os formandos não entendiam o que eu dizia.

No regresso à sala de formação, de olhos arregalados, sentindo a pressão, dirigi-me ao meu computador pelo corredor das mesas dos formandos. “O corredor da forca”, pensei, “isto vai correr muito mal”. Continuar a formação no mesmo registo seria a acumulação de amarelos e consequente expulsão antes dos 10 minutos. Tendo que alterar alguma coisa lembrei-me do meu sotaque. “Sim, é isso André, o teu sotaque!!”, pensava eu rapidamente, enquanto se sentavam os últimos formandos, compondo uma moldura aterradora de olhinhos à espera duma solução. Acabado de chegar de Portugal, vinha de facto com um Português diferente. Quer dizer, a língua é a mesma, mas a diferença estava na forma como a punha cá fora. Fez-se luz: “falo demasiado rápido, fecho demasiado a boca e quando ligo as palavras, devem achar que estou a usar expressões estrangeiras”.

Problema identificado. Mas a solução que magiquei, sob pressão, era muito arriscada. Mudar a pronuncia depois do café podia levantar a suspeita de que tinha comido alguma coisa estragada ou estaria prestes a desmaiar por tensão baixa. Arrisquei, mesmo assim. Assustava-me ter uma semana e quinze formandos pela frente e não conseguir dar a formação por causa do meu “português esquisito”.

Quando abri a boca e disse “então vamos recomeçar”, a frase saiu tão lenta e tão cheia de acentos que, não só parecia um parágrafo inteiro, como temi que a curta mensagem tivesse sido distorcida. Os formandos terão ouvido algo do género: “é-n-t-ã-o  v-á-m-o-s  r-ê-c-ô-m-é-ç-a-r”. Arriscando, estava a andar às escuras, sem saber se pisaria em solo firme ou me enfiaria num lodo. Continuei o mesmo registo e a participação dos formandos não demorou a aparecer. Notava-se que me entendiam, conseguíamos falar e a formação decorreu maravilhosamente até sexta-feira, comigo sempre a alterar o sotaque, num tom teatral, mas agarrando-me a esta personagem que me ajudou a desbloquear a comunicação.

Uma “pequena” alteração na minha fala, abriu todas as portas! Hoje usa-se muito a palavra resiliência. Naquela altura chamei-lhe jogo de cintura, com lançamento de 3 pontos no cesto. Penso que desde aí (1 mês depois de aterrar em Moçambique e há 11 anos atrás) mudei o meu sotaque, para me ajudar na comunicação e, apesar de ir lidando com diversas linguagens, mantém-se o bom entendimento.

24 de março de 2021

Gorongosa 2000

Em 2000, tinha eu 19 anos, fiz a minha primeira visita a África, entrando pela porta de Moçambique. A viagem prometia, no mínimo, ser inesquecível, mas acabou mesmo por ser decisiva quanto ao meu destino.

O plano era percorrer o máximo possível por estrada e ir a locais onde a palavra “turismo” há muito não entrava.


Um desses locais foi o Parque Nacional da Gorongosa.


Nessa altura a guerra civil tinha acabado há 8 anos, e a sua ressaca ainda se fazia sentir por toda a parte. Lembro-me de ver equipas de desminagem ao longo da estrada, com fitas a assinalar locais perigosos, tentando remover o máximo de explosivos possível.

Era frequente ver as infraestruturas remendadas, provavelmente uma melhoria da situação anterior, onde nalgumas pontes, simplesmente não se passava.



Havia um procedimento na passagem destes remendos. Tínhamos que verificar a condição das tábuas, não fosse o tempo apodrece-las e termos um alçapão a meio da travessia.

Na zona da Gorongosa, por ser quartel-general da RENAMO, a caça furtiva e as minas tinha dizimado a bicharada para números perto duma paisagem desértica (censos de 1994), situação inglória para tão luxuriante vegetação.



Assustados, os animais eram difíceis de avistar em 2000. Era necessário ter uma objectiva com um zoom generoso e ter paciência para fazer o registo fotográfico.



O parque tinha os alojamentos improvisados, mas um luxo naquele cenário: havia tecto e paredes para dormir em colchões, ou camas de campanha colocados no chão. 



A água de lavar os dentes vinha de origem desconhecida, mas com selo de confiança: parecia Coca-Cola e aconselhavam a não beber. Instrução que rapidamente percebi e acatei.



O parque estava devastado pela guerra. Eram muitos os sinais de que aquele local tinha servido para diversas finalidades, mas nenhuma relacionada com safaris.



A piscina do alojamento era casa duma iguana.



Melhorou consideravelmente em 2009, numa nova visita que fiz.



O parque em 2000 já tinha carros de safari para turistas, mesmo que estes fossem escassos. Uma ou outra vez tínhamos que parar para tratar de alguma avaria, havendo escalas entre nós. Uns olhavam para o motor, outros vigiavam os animais e eu tirava fotografias! 



A outra opção eram o UNIMOG, um verdadeiro animal mecânico do todo-o-terreno. Permitia-nos dar uns belos passeios onde havia estradas e onde não as havia.




Curiosamente, foi neste horizonte da Gorongosa que, fazendo uso da minha recente maioridade, decidi que o meu destino passaria por África. A minha única dúvida era se ficaria desde já instalado ou se regressaria a Portugal para acabar os estudos. Sendo assim, se o tal “bichinho de África” existe, aquele que me picou em 2000 mora na Gorongosa.



Hoje é incrível ver a transformação que o parque levou, em apenas 21 anos…

O projecto em curso é de fazer brilhar os olhos, onde se respeitam pessoas, animais, crenças, ciência e economia. 

Quando vi a Gorongosa num artigo da National Geographic em Maio de 2019, li de uma assentada e fico emocionado por ver o parque a evoluir tão bem! 


 

10 de fevereiro de 2021

O falso morto

Mandam-me uma mensagem a dizer que o anúncio da morte do nosso amigo é falso. Fico baralhado com a última metade da história, porque desconhecia a primeira: morreu hoje um amigo vítima de Covid. As duas notícias difundem-se nas redes sociais à velocidade da luz. Que confusão…ninguém sabe se morreu ou não…

Bem, nos tempos que correm andamos mais sensíveis para este tipo de noticias e infelizmente vamos sabendo, mais perto de nós do que desejaríamos, de alguém que morre com complicações da doença do momento. Mas eu tinha estado com ele há 3 semanas e nem rasto de doença havia. Aliás, cruzamo-nos nas piscinas onde ambos nadamos e ele partilhou um registo impressionante de piscinas feitas, para alguém com mais 30 anos do que eu…

Então com aquela mensagem deixaram-me com o pêndulo na mão: morreu ou não morreu? Não sou especialista em mortos, mas resolvi ligar ao presumível morto, pois achei que teria uma palavra a dizer sobre o seu estado. Ligo para o primeiro número e estava desligado. Respiro fundo e preparo-me para o lado pior da notícia. Ligo para o segundo número, chama e atende o suposto morto, que afinal está vivo. Atende-me com a resignação de quem recebe mais uma chamada de prova de vida nessa manhã. Apercebi-me que nunca tinha tentado ligar para um morto para tentar perceber se estava vivo. Não sei que diálogo se faz, mas acho que não é preciso dizer nada depois de ouvir a voz do vivo, que me diz: “André, eu não sei de onde veio essa história, mas eu estou vivo!”

Procuro saber se está a recuperar bem da Covid e diz-me: “qual Covid, André…cheguei ontem de férias e estou porreiro…”. Sugeri-lhe então anunciar o seu estado no Facebook para eliminar contrainformações. E assim fez o post mais hilariante de que me lembro: ”Amigos, estou vivo!”. Bem-haja…

E agora senhoras e senhores, quem assume a responsabilidade da certidão de ressuscitado? Algo como "Homem assassinado nas redes sociais é encontrado em casa em perfeito estado de saúde"...

Impressionante como um falso positivo de Covid deu um positivo falso morto!

 

16 de janeiro de 2021

Truques matrimoniais

Quando foi reportada a primeira situação achámos que era teimosia de uma pessoa, um caso isolado, sem muito significado.

Estávamos a fazer o cadastro de terras na zona de Monapo, província de Nampula e, com o decorrer do tempo, as equipas de campo começaram a reportar mais casos. Começou-se a identificar um padrão e o mistério estava lançado.

Ao fazer o inquérito dos titulares ou ocupantes das terras, as mulheres diziam desconhecer o nome dos homens, dos seus próprios maridos!

As circunstâncias eram dignas de um filme policial, pois a forma como as mulheres nos diziam que não sabiam do nome dos maridos era, no mínimo, suspeita. Os diálogos eram deste tipo:

Inquiridor: nome do seu marido?

Inquirida: não sei, não me lembro.

Inquiridor: mas é seu marido?

Inquirida: Sim, sim, casados há 15 anos.

Inquiridor: …e não se lembra do nome?

Inquirida: Não. – mas este "não" vinha tão firme e seco, sem qualquer explicação, que não restavam muitas pistas por onde explorar o fenómeno. Era estranho, sem dúvida, mas parecia um normal muito óbvio naquela zona que ninguém, além de nós, questionava.

Inquiridor:  e como podemos saber o nome do seu marido?

Inquirida: tomem aqui o BI dele. – com o BI do marido na mão, ela poderia ditar-nos o nome, naturalmente, mas ao não fazê-lo, cimentou o mistério.

Havia informação em falta nos processos de cadastro porque algumas equipas não conseguiam de forma nenhuma recolher o nome do marido. A naturalidade deste comportamento baralhou as nossas equipas. Algumas nem ousavam explorar mais o mistério, por temerem ofender aquilo que parecia uma regra estabelecida. Há casos mais normais de esquecimento dos inquiridos, como por exemplo datas de nascimento, números de telefone, etc…mas não se lembrar do nome do marido com quem se está a viver, mesmo que há uma simples semanita?

Podíamos até estar perante um problema social, violência doméstica, repressão, enfim…colocaram-se várias hipóteses para entender o mistério. Todo o cuidado era pouco.

Como não saía nenhum nome, nem as mulheres cediam um milímetro em direcção a qualquer justificação do fenómeno, o mistério atingiu o seu auge quando uma inquirida gritou para dentro de casa: “marido, anda cá dizer o teu nome a esta gente”. Ficou claro que o caso requeria investigação…

Junto das lideranças locais, pedimos esclarecimentos sobre o fenómeno e a explicação foi simples: a crença local era que, quando as mulheres dissessem o nome do marido, isso traria azar no relacionamento. Ponto final. Simples. Afinal só queriam ser felizes...

Respeitando a crença local, daí em diante as equipas passaram a actuar com a maior normalidade perante o fenómeno: “Não sabe o nome do seu marido? Normal…não há problema. Tem aí à mão o BI dele ou pode chamá-lo?”.

Mistério resolvido e, que saibamos, não provocamos nenhum divórcio na zona…

4 de janeiro de 2021

WebTertúlia

Pela primeira vez na vida da Tertúlia Africana, as histórias foram contadas em vídeo, por ZOOM, ou não estivéssemos nós em 2020.

Obrigado à Ordem dos Engenheiros - Colégio de Eng. Geográfica pelo convite.

Cinquenta minutos a viajar por dois países, mais 20 minutos de uma animada conversa entre colegas e amigos...