12 de outubro de 2022

Flashes coreanos


Às vezes os primeiros embates culturais aparecem nas necessidades mais básicas. Um calor tropical (sim, na Coreia, no verão, o clima oferece 35º com 90% de humidade) e eu a olhar, imóvel, para os comandos da ventoínha, provavelmente o electrodoméstico mais básico que há.  



Os avisos de WiFi grátis são em qualquer parte do país (este exemplo num autocarro). Eu desconfio que algumas árvores já devem emitir sinal, pois, por vezes, para nos ligarmos temos opção de 3 ou 4 redes grátis à nossa volta.

 



 A grande tendência do momento (o oriente tem sido profícuo no lançamento de tendências) são os Robôs. É vê-los a deslizar por toda a parte, lentos mas persistentes. Este, à entrada duma estação de autocarros, deu-me ordens num Coreano tão fluente que precisei de tradução:

- Coloque a sua máscara?

- O quê? Desculpe?

- Coloque a sua máscara?

- Ah ok, a máscara na cara. Ok...bom dia, como está? - digo eu a tentar quebrar o gelo

- A medir a temperatura – responde ele alheio à minha tentativa de aproximação – temperatura normal, pode prosseguir.

Dizem os cientistas que os robôs vieram para ficar e que o segredo da adaptação humana a essa tecnologia está na relação que se irá criar entre homem e robôs. “Ouviste, monte de lata?”. Comecei mal a minha primeira relação com computadores sobre rodas...


Uma séria produção, empenho dos artistas e audiência de centenas de pessoas para um espectáculo de K-POP...na rua! Deve ser aqui que começam as ambições para voar para o estrelato...então nada é deixado ao acaso.





 O ritmo K-POP parece descer aos
 corredores do metro, nas profundezas da cidade de Seoul. Como todos andam apressados, por vezes com os olhos postos nos smartphones, nada como colocar semáforos para orientar o trânsito de ….pessoas….



É difícil colocar por palavras o conceito de “Kids Cafe” na Coreia. Nas primeiras impressões é: Cores, luzes e música. Nas segundas impressões é barulho, ambiente psicadélico e crianças em êxtase. Nas terceiras e últimas impressões é: “Que se lixe...as crianças divertem-se à brava…!”. Trampolins, baloiços, piscinas de bolas, jogos de cordas, brinquedos diversos...o paraíso para crianças que durante horas correm, saltitam, suam, gritam, dançam, em ambiente fechado, ao abrigo das vontades climatéricas.

Não é propriamente o meu ideal de local de brincadeira, que prefiro o ar livre, mas uma vez que já cresci, acho que perdi voto na matéria.




 A verdade é que alguns pais aproveitam para relaxar, para pôr a conversa em dia ou mergulhar o rosto no ecrã dum smarphone.







Agora vamos à praia, embora com diferentes abordagens. Eu ponho protector solar e estou pronto. A minha querida sogra põe protector solar, camisola, máscara, chapéu e luvas. Os coreanos, no geral, detestam bronzear-se (frase redundante para a constatação com base na fotografia). A minha sogra adora praia, mas pura e simplesmente gosta de ir vestida!

São poucos os dias de férias dos Coreanos que, quando as têm, querem tudo organizado e preferem locais muito movimentados, por outros Coreanos, igualmente de férias. O critério de ser um local movimentado é a garantia de que é bom e confiável. Não há tempo, nem paciência para explorar locais remotos.




A praia parece, por isso, um parque de estacionamento de pessoas, com a distribuição geométrica de chapéus de sol.


Chapéus e balcões familiares. Tudo organizado, tudo cheio de gente.

Na água também. Repito: os dias de férias são poucos, de maneira que a rotina é alugar boias e ir para a água tirar selfies para registar as férias...todos ao mesmo tempo pois o tempo é escasso..e no dia seguinte já começam a partilhar as fotos da férias, do dia anterior.




Quando passa a hora de expediente do turista, instala-se a calma e a praia esvazia finalmente. Como as auto-caravanas são uma novidade na Coreia do Sul, ainda não há muitas restrições sobre onde se pode estacionar. Assim, tivemos direito a estacionamento de primeira linha com vista privilegiada.



 Mas engane-se quem pensa que são apenas chapéus de praia. Reparem no menu em cada um deles. É isso, abre-se a sombra e expõe-se o menu e contacto do restaurante mais próximo. Nalguns minutos a comida pode ser entregue...no chapéu. Eficiência e dinâmica da Coreia do Sul.



Aproveitando a mobilidade que a auto-caravana nos deu, circulámos, beneficiando de mais alguns dias de férias do que a maioria dos Coreanos, pelas estradas da ilha de Jeju.








 E abrimos a cortina do “remoto” na ilha, com pouca gente e beleza aumentada.




Pouca gente, até o icónico momento que é o nascer do sol no leste da ilha. Neste local afluem dezenas de pessoas, antes do amanhecer, munidas de câmaras fotográficas e tripés. Fui acordado pelo murmurar dos fotógrafos que aguardavam o nascimento do sol.  

Felizmente estava nublado e assim como apareceram, desapareceram repentinamente os fotógrafos, irritados com a teimosia do sol, que não apareceu quando eles queriam. A resmungar, provavelmente com a agenda de férias apertada, saíram despontados com a falta de sincronização do sol...com as suas férias!

Se conseguissem esperar mais um pouco teriam recebido a prenda que o sol guardava, um pouco mais acima do horizonte.



No mesmo local, à noite, o que parece o nascimento de dezenas de luas ao mesmo tempo no horizonte, são na verdade dezenas de barcos na pesca da lula. Um espectáculo artificial, mas nem por isso desinteressante. Jantamos com vista...para holofotes a boiar...  



 A comida. A comida Coreana é um mundo. Tendo ido à Coreia uma série de vezes, ainda fico encantado com a variedade, o ritual e os sabores da comida coreana.



 Prometo dedicar um post a este fenómeno no futuro...merece...




21 de agosto de 2022

Reflexão Urbana

Hoje trago uma reflexão.

Eu ainda não tenho decisão sobre o assunto e a minha opinião tem flutuado ao longo do tempo.

Um dos primeiros impactos que temos na Coreia do Sul são os grandes edifícios de habitação. Geralmente com mais de 20 andares e vários apartamentos por andar, chega-se facilmente a 100 ou 200 casas por edifício. O aspecto, visto de fora, é uma colmeia geométrica que facilmente se classifica com uma única palavra: HORRÍVEL.





 As mudanças de casa nestes edifícios, para não privar os vizinhos de usar os elevadores, nem fazer longas caminhadas pelas escadas com móveis às costas, fazem-se por elevadores exteriores. A grua gigante leva mobílias, elecctrodomésticos e caixotes lá para cima, entrando tudo pela janela.


 A geometria repetitiva mantêm-se na hora de gerir o correio das casas, quase que exigindo ter um mapa para encontrar cartas.



 O aspecto geral, no entanto, é de uma floresta urbana, cinzenta, fria e com movimento permanente nas estradas.



 Mas mudemos de perspectiva. Vamos tirar o foco dos edifícios e entender que:

  1. Os Coreanos são 60 milhões, num espaço equivalente ao de Portugal. Ou seja, para imaginar isto, em cada rua, autocarro ou café, multiplique o número de pessoas que vê por 6;

  2. Os Coreanos gostam das coisas organizadas e tentam manter o padrão de modernidade em alta;

  3. Os invernos são frios, com temperaturas de -10ºC a manterem-se durante vários dias e os sistemas de aquecimento em grande escala ficam mais baratos de manter.


Com o andar do tempo percebe-se que este tipo de urbanização tem uma boa lógica e é esta lógica que tem esculpido a minha opinião.

 O que é urbano é denso, mas organizado, satisfazendo a necessidade de milhares de pessoas. Fora da área urbana, mantêm-se espaços verdes, igualmente organizados, para proporcionar espaços de lazer, pulmões de ar e habitat de vários seres vivos.

Vejamos então como reinterpretar o inicialmente horrível:

Mancha urbana rodeada de verde.



Geometria urbana, onde já se pode ver a integração de vários elementos, como construções, vias largas e parques de lazer. Entendo que a geometria é discutivel. Pessoalmente tendo a gostar mais de cidades com fluxo mais orgânico, mas concentremo-nos no conteúdo.



Organização eximia, fazendo lembrar os manuais de boas práticas da urbanização. Circulação, passeios largos, ciclovias, sinalização.

Não me lembro de ver engarrafamentos...



 

Zona comercial condensada...e de que maneira. Os edifícios comerciais são geralmente mais baixos, mas oferecem uma tal diversidade de serviços que faz parecer que quando atravessamos a fachada, entramos numa nova cidade. Por exemplo, fiquei surpreendido com o número de clínicas num só bairro. Cheguei a ver um dentista em cada quarteirão. Clínicas comparticipadas pelo estado, de qualidade e atendimento rápido.


 À noite, as zonas comerciais transformam-se num festival de neons.  



Agora vamos aos pormenores.

Para mim, o “horrível” das janelas dissipa-se quando em cada bloco de apartamentos, existe um parque infantil em condições.




 Os edifícios não desaparecem do horizonte (seria difícil escondê-los), mas será que as crianças reparam neles quando brincam em mini cidades de divertimento?



 Em quase todas as passadeiras, nos meses de intenso calor (Julho e Agosto), existem sombras que abrem e fecham automaticamente em função das condições climatéricas.



Nos passeios e parques, o pormenor de aspersores de água ajuda a combater o calor implacável que se faz sentir em Julho e Agosto.



 Para os mais velhos estão espalhados locais de descanso, com pormenores tradicionais e elementos naturais.



 Sendo o espaço horizontal precioso, há que explorar a componente vertical para ter espaços de lazer, como campos de futebol. E se reparar bem por trás dos edifícios, lá estão as montanhas, cheias de vegetação.



Foto que podia servir de exemplar a um manual de como planear cidades: habitação, escritórios, circulação, elementos naturais e serviços.



Nas traseiras de alguns dos enormes blocos de apartamentos pode-se ver a moldura natural do início das montanhas. Vegetação que, constata-se no Outono, é de diferentes tipos e momentos de maturação, enriquecendo a matéria orgânica e evitando a homogeneidade que os fogos tanto gostam.




De maneira que, a curtas distâncias da floresta urbana, encontram-se verdadeiras pérolas de floresta verde, com recantos para comer, brincar ou passear ao longo de todo o ano.