19 de setembro de 2019

Barata com esqueleto


O alojamento onde vou pernoitar está no limite do conforto. A casa de banho tem um buraco enorme na parede, com destino desconhecido. Não há porta de divisão entre o quarto e a casa de banho, onde a água me foi fornecida em baldes de recurso, pois as torneiras estão secas. No entanto as duas lâmpadas que há acendem, tem uma cama com lençóis (onde não quero examinar a limpeza) e a porta do quarto fecha. Estão reunidas as condições para dormir.

As alternativas a este alojamento não são boas: quartos de ocupação à hora, ou recepções escuras e de intenções dúbias. De maneira, que fico muito satisfeito com a opção de ter uma cama e um tecto até à manhã seguinte.

Quando me preparo para dormir sou despertado por um barulho vindo da casa de banho. Não foi preciso levantar-me, pois apareceu ao alcance da minha vista uma barata enorme na casa de banho. Quando digo enorme não estou a descrever embalado pela aversão que este animal geralmente me provoca. Estou a falar dum espécime que provavelmente transporta genes de dinossauro. Não sei se será o macho alfa, ou a matriarca ou o rei do trono, mas é colossal.

Sem exageros o comprimento daquela barata aproxima-se a uma caneta Bic. Pela forma não há dúvida do que é, mas pelo tamanho poderia fazer-me suspeitar de um pequeno rato. Assim não consigo dormir. Já há uns anos que vou lidando com esta bicharada urbana, mas nunca tinha visto uma barata tão impressionante. Infelizmente já tive que dividir a minha casa com várias pragas de barata, mas, repito, nunca tinha visto nada assim. Podia ser um animal de estimação a deambular pela pensão.

Sem recurso a armas químicas, tenho que resolver aquela coabitação indesejada. Não posso dizer que se trata dum intruso, porque se calhar o quarto é daquela barata e eu, nesta noite, é que sou o intruso. De pijama, saio da cama, calço o sapato do pé direito e dirijo-me devagar ao meu alvo, que parece não se importar com a minha aproximação. Aproveito e lanço-me a ela, pisando-a. Piso com a sola do sapato, transporto o meu peso para a perna atacante e dou uns solavancos. “Afinal foi fácil”, pensei, antes de levantar o pé.

Quando levanto o pé, a barata sacode-se e…levanta voo! Aparentemente pouco afectada, abre as asas e vai para um sítio onde a deixem em paz, declinando a vingança. Arrepio-me e tento manter a calma para perceber o que aconteceu ali. Temo que ela se vire e me mostre os dentes cerrados e olhos ensanguentados de ódio. Mas nada disto acontece, ela parece ter perdoado o facto de eu lhe ter posto em cima dezenas de quilos…e nem foge amedrontada!

Não vou tentar mais nenhuma investida. Não por temer o adversário, que afinal se mostrou pacífico, mas porque sobrevivendo àquela investida, merece seguir em paz. Como se eu tivesse apenas uma hipótese de ganhar o duelo e, perdendo-o, tenho que conviver com o adversário.

Dormi um sono completo.

No dia seguinte, senti necessidade de comentar com alguém da zona, pois receava ter tido alucinações, uma espécie de pesadelo “Metamorfose” (Farnz Kafka). “Ah sim, aqui chamamos de baratas com esqueleto”, obtive como resposta. 

Faz sentido…

2 de setembro de 2019

Plástico


Em pleno oceano índico, o dia de praia prometia. Saboreava-se a matinal brisa marítima e a exclusividade do grande areal.


Aquilo que à chegada parecia uma linha subida de conchas, devida à maré alta da última madrugada, era uma fila de lixo! Longe das notícias sensacionalistas, dos cenários catastróficos, de números pessimistas ou correntes de indignação, ali estava o lixo, à beira mar plantado, exposto de forma fácil de compreender…


Lixo sem nacionalidade e de origem diversa trazido pelas ondas. 

Maioritariamente plástico bastante fragmentado, mas deixando perceber que os objectos originais são vastos, cabendo assim a responsabilidade a todos nós. Infelizmente é difícil encontrar inocentes neste enredo.




Arrastando o meu filho para uma brincadeira na areia, fomos apanhando alguns pedaços de lixo e enchendo um balde. Já que todos, mesmo involuntariamente, contribuímos com um pedacinho de plástico nos oceanos, porque não contribuir com um pedacinho de limpeza?


Depois vim a descobrir que o que fizemos já tem nome, é noticia e pretende arrastar mais pessoas: o Plogging.


A essência é única, dedicando algum do nosso tempo a limpar o que nós e os outros sujamos, independentemente do nome que lhe derem, ou se lhe chamam “desporto” ou “campanha”. 


Neste verão que agora começa (lamento hemisfério norte) teria impacto se cada pessoa levasse 1 ou 2 recipientes (plástico ou não) e apanhe apenas algum lixo entre 2 mergulhos.

No nosso caso, curiosamente, foram 2 brinquedos de plástico que nos ajudaram a limpar…o plástico...