20 de fevereiro de 2019

Visão selvagem

*todas as fotos de André Pinheiro


Quando vejo vida selvagem o tempo estanca. Não há relógio que me traga limites e ao contrário das pessoas que vão com uma lista (nem que seja mental) de ver este ou aquele animal, eu não me importo de ficar estático num sítio e observar. A ver nada, a ver o que pode acontecer, a ver o cenário a mudar...


Noutro dia perguntava a mim mesmo o porquê de tal admiração numa repetição dum filme com as mesmas personagens e cenas previsíveis.

Talvez a enorme admiração pela lentidão com que quase tudo se passa. Cheiros, olhares demorados, regras bem definidas, sons, marcas deixadas à passagem. É esta a lenta rotina da vida na selva.


Viajo a pensar que cada tipo de animal é uma personalidade humana, transversal a qualquer outra característica, seja a cor do cabelo, comida preferida ou clube de futebol, pois cada animal tem as suas próprias características e limitações. Não há animal nenhum que reúna em si todas as capacidades, como por exemplo voar, nadar debaixo de água e andar na terra. 


Penso na frase de Eckhart Tolle: “Olhe para uma árvore, uma flor, uma planta. Deixe sua atenção repousar nelas. Note como estão calmas, profundamente enraizadas no Ser. Deixe que a natureza lhe ensine o que é a calma.”


Lembro-me dos muitos provérbios que existem sobre animais (já pensaram quantos são?)…

1. "O macaco, mesmo coberto com a pele dum carneiro, é sempre um macaco."


    2. "Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o caçador”.

    3.    “Quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão.”

…e a sua sempre presente analogia com o comportamento humano.



Relembrando Haile Selassie, sonho com a frase que: “Enquanto imperar a filosofia de que há uma raça inferior e outra superior o mundo estará permanentemente em guerra.” 


A caçada, para mim, não é a vitória do mais forte sobre o mais fraco, mas sim o cumprir duma cadeia alimentar direta, sem intermediários…


E quem se deslumbra com o brilho dum leopardo de barriga cheia a descansar, não vê o trabalho do escaravelho. Enrolando, incansável, bolinhas de fezes de outros animais, para porem os ovos, e que enterram depois de empurrá-la ao longo duma distância. “Ao realizar o transporte e enterramento dos excrementos que se utilizam, acarretam a aceleração do processo de reciclagem dos nutrientes, além de promoverem a remoção e a reentrada de matéria orgânica no solo, consequentemente, melhoram a aeração do solo, tornando-o mais fértil. WIKI

Já viram a grandiosidade dumas “simples” bolinhas de merda?


Recordo a ideia “Em O Poder do Agora, citei minha observação de que dois patos, depois de um confronto, que nunca demora muito, separam-se e afastam-se em direções opostas. Em seguida, cada um deles bate as asas vigorosamente algumas vezes, liberando assim o excesso de energia acumulada durante a luta. Depois disso, eles nadam em paz, como se nada tivesse acontecido.” Eckhart Tolle, reforçando que as regras existem também na selva, mas nenhum animal fica a moer rancor sobre outro…



Apercebo-me o quão importante é a tal da relação parasita, que se devia chamar relação complementar, pois os animais podem-se ajudar uns aos outros, aliás, os animais precisam uns dos outros...



Também há as relações menos benéficas, pelo menos para o lado da presa, mas como diz um provérbio budista: “Um amigo falso e maldoso é mais temível que um animal selvagem; o animal pode ferir seu corpo, mas um falso amigo irá ferir sua alma.”


Uma história antiga sobre leões, coloca em conversa, uma lebre e uma leoa:

- Todos os anos tenho grande número de filhotes e tu só tiveste um! – diz a lebre

- É verdade – responde-lhe a leoa – Só tenho um filhote. Mas é leão.


O leão é o rei, sabemos, mas nem na selva o rei pode tudo. E nalgumas situações “Ser feliz é melhor do que ser rei.", diz um provérbio africano.


Muito astuto e divertido foi Jean de La Fontaine, em pleno séc. XVII a explorar as fábulas contadas através dos animais, mas com tanta mensagem de moralidade para humanos. Nas fábulas nem sempre vence o favorito, nas fábulas o espertismo paga-se caro. 


E é nestas coisas que deixo a minha mente divagar enquanto observo a vida selvagem. A vida selvagem é o modelo perfeito da vida…sem interferências maliciosas. Sobrevivência pura…



À saída do parque tudo muda. Cá fora as coisas são muito diferentes. Não admira que se pague para entrar e ninguém cobra bilhete para sair.


E é basicamente isto que procuro transmitir aos meus filhos.


Deixo este texto com um poema de Ricardo Reis, Fernando Pessoa (Segue o teu destino):

Segue o teu destino,
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.