4 de julho de 2024

Comboio

Recentemente houve lugar para uma aventura inédita. Há sempre lugar para aventuras, se forem inéditas certamente haverá mais adrenalina.

Na província de Sofala, a deslocação entre a Beira e Marromeu representa cerca de 300Km e faz-se por duas opções:

1.   Estrada: dizem as pessoas da zona que está péssima, que na melhor das hipóteses partimos o carro e a coluna. Na pior das hipóteses…bem…não perguntei. Já tive tempo de aprender que, em África, se as pessoas da zona dizem “não faças”, eu não farei;  

2.     Comboio: comboio nocturno com tempo previsto de viagem de 11 horas e com promessa de cabines com camas para dormir.



A decisão foi fácil e como nunca tinha andado de comboio em Moçambique, o entusiasmo era grande.

A experiência começa com o apreciar da estação de comboios da cidade da Beira, uma herança colonial bonita e ainda em estado de conservação positivo.




Três horas antes da partida a estação enche-se de pessoas, malas e sacos. Fico com a impressão que vão partir 3 comboios ao mesmo tempo, mas a verdade é que o comboio para Marromeu terá à volta de 20 carruagens e carrega muita coisa.





O interior das carruagens de 1ª e 2ª classe, deixem-me que vos diga, está impecável. Carruagens novas e casas de banho (sempre um factor sensível) em condições.


A linha já teve melhores dias e na maior parte do trajecto imaginei estar numa espécie de montanha russa, desejando a cada salto que não houvesse descarrilamento.


Mas voltemos ao interior. Cabines de 4 e 6 camas, que estão em óptimas condições. Ar condicionado e limpeza assegurados. Partida pontual às 18h.


Na viagem partilhei a cabine com passageiros frequentes e, em jeito de meter conversa perguntei: “então, a que horas devemos chegar a Marromeu?”. A pronta resposta foi sincera, mas preferia que não fosse: “bem, se nada acontecer, chegamos lá às 5h. Se avariar ou descarrilar podemos levar 2 dias”. Relembro que estamos a falar duma distância de 300Km, numa área muito pouco povoada de Moçambique. O comboio já avançava os primeiros metros.

Houve necessidade de recorrer a um farnel reforçado, não faltando boa disposição e gargalhada.


A chegada a Marromeu foi à hora prevista, sem percalços. A mente demora a processar a chegada pelo lusco-fusco do nascer do sol e pelo corpo amassado no trajecto. Consegue-se ir deitado nas camas, é verdade, mas ao longo da viagem parecemos pipocas a saltar na panela e o sono faz-se com um olho aberto.

O cais de Marromeu é pequeno. Tem espaço para 3 ou 4 carruagens.


Como o comboio tem cerca de 20 carruagens a descida dos restantes passageiros (eu incluído) faz-se saltando directamente para a linha, antes ou depois das malas e sacos, conforme a estratégia de cada um.


Ao sair do comboio, queríamos comprar os bilhetes de regresso, para assegurar lugar. O comboio entre a Beira e Marromeu é único e sempre nocturno, o que significa uma noite para cima e a seguinte para baixo. Assim, contaríamos em comprar bilhete para o regresso, a duas noites de distância.

A resposta da bilheteira surpreendeu a nossa expectativa, mas agora que penso a frio, tem toda a lógica! Recusaram vender bilhete pois não têm a certeza de que o comboio fará os dois próximos trajectos sem avaria ou descarrilamento (vejo este conceito a repetir-se!). Só vendem bilhetes quando o comboio regressar ao cais e houver quase a certeza de que irá funcionar e iniciar mais uma viagem.

À despedida pisquei o olho à locomotiva, por agradecimento e esperança.