1 de outubro de 2007

O formador que aprende...

A minha deslocação a Ondjiva teve o propósito de dar formação! Aí fui eu, de mochila, computador e folhas para “espalhar a palavra” e dar a conhecer conceitos de topografia e cadastro. Os meus alunos trabalham todos no que aqui se chama administração local…uma espécie de câmara municipal! Trabalham na área do planeamento urbanístico, que tanta falta faz por estes lados…

Encontrei uma desfasagem de conhecimentos dos alunos muito vasta. Aliás, como não podia deixar de ser, espelhando os próprios acontecimentos em Angola e em África em geral. Lidamos com o 8 ou o 80 constantemente, como aliás já se viu um pouco, neste blog, pelos post’s “Extremos…”. É caso para se dizer “tudo é possível”…vê-se de tudo!


Alguns dos alunos têm dificuldade em ler, lêem sílaba a sílaba. Quase todos escrevem muito mal…fazendo uma espécie de reinvenção da língua portuguesa. Maior parte dos alunos nunca ouviram falar nas palavras: topografia ou cadastro. Um dos alunos, no entanto, já tinha trabalhado em topografia…no terreno, com os aparelhos, na construção de uma estrada. Um outro aluno em especial, que é uma lenda viva da topografia…fazia, em tempos idos, topografia “à moda antiga”. Uma topografia que aprendi na faculdade como fazendo já parte da história. Sucintamente fazia-se assim: o topógrafo ia para um local alto e o único material que tinha era papel e caneta. Desenhavam, à vista, tudo o que viam…e a envolvencia ficava assim registada. Depois faziam-se algumas medidas, com fita métrica, para ajustar a relação entre os elementos da superfície. Fantástico ter tido ali um homem que trabalhou desse modo e aprende agora novas técnicas. Escusado será dizer que foi o melhor aluno!!


Outra aluna, uma testemunha da força de vontade, da vontade de aprender. Foi às aulas sempre com a filha ao colo! Uma menina de 9 meses, que na maior parte do tempo dormia ou comia. De facto, foi uma experiência nova para mim. Eis que a minha aluna chega no primeiro dia, filha ao colo, senta-se, ajeita-se, abre o decote, dá de mamar, a criança sorve…e, com os ruídos normais da refeição infantil eu falo…dou a aula (quase normalmente). Não bastava este insólito acontecimento, a aluna ainda se sentava sempre na primeira fila! De vez em quando a pequena Rossana fazia uma birrita, nada de especial. Suspendo a fala, olho para a mãe: “tudo ok?”. Podemos continuar.

No último dia, há um aluno que me diz: “professor, hoje eu terei que sair mais cedo…tenho um trabalho às 15h”. Não me senti no direito de perguntar nada mas, ele ainda assim quis explicar o trabalho que iria fazer. “Vamos ver quem são as pessoas com fome e mais vulneráveis ”. Já que ele disse, eu perguntei, para alimentar a conversa: “…ah ok…e vão lá registar as pessoas? Localizá-las?”. Ele responde-me com muito simplicidade: “não…vamos lá dar de comer!”. Fiquei sem saber o que dizer, fiquei meio atordoado! Sendo verdade o que ele me disse….dá que pensar…PORRA…e eu ali a falar da teoria de não sei do quê!!

11 comentários:

macaca bzana disse...

É realmente impressionante... Sem dúvida estás a viver uma experiência muito enriquecedora, a nível profissional e sobretudo pessoal... Continua com estes posts fantásticos!
Beijosssss

Bichocao disse...

Andrézito gordo!!!!
Muitas saudades!!!!!
E parabéns pelo que estás a viver!!
Apesar de tudo aturar portugas deve ser ainda mais duro!!! ::)))~

BEJOS!!!!!!!!!!!!!

Joana disse...

É muito forte aquilo que estás a viver, são experiências muito fortes e que te vão dar um conhecimento muito cru da realidade Angolana.

Beijinhos e saudades
Joana

sandra disse...

É impressionante como esse Povo ainda tem força para continuar a viver... andamos nós preocupados com os nossos problemas que comparados com o que eles vivem no dia a dia não são realmente NADA!
Hoje ao ler este post fiquei com uma vontade enorme de chorar ...

Joana disse...

Bom dia,

Que frase tão mal escrita a minha ontem. O teu blog não deveria aceitar mini-textos assim tão mal amanhados, mas deve ter sido da emoção que o teu relato causou...

Queremos mais!!

macaca grava-por-cima disse...

Tudo se torna relativo, perante uma realidade desse tipo. Força, andré! Com o teu trabalho, estás a fazer tb um pouco por esse povo... Por muito pouco q te possa parecer... estás a deixar uma semente que, certamente, e aos poucos, dará frutos... Beijocas

Fada da felicidade disse...

impressionante mesmo! E nós aqui a achar que temos problemas . . .

Força!!!

(o menino tem-se mostrado muito valente :D
é de familia, pois ;) )

Anónimo disse...

André tem isperto nos cabeça :)

André disse...

Na giria do futebol diria que "sou mais um e estou cá para ajudar" num caminho que se prevê longo e sinuoso!!

Anónimo disse...

Gosto mesmo do teu blog!
Realmente é verdade, uma pessoa cá preocupa-se com coisas que não valem mesmo a pena.

Beijinhos!!

luisa disse...

olá
André não te coheço, tive acesso ao teu blog, e gostei muito, continua a escrever, tambem já estive por essas terras, as emoções que vivi foram tão fortes que não tive coragem de as escrever publicamente, o que mais me chocou foi o grande contraste de tudo ou nada..
Mas ao mesmo tempo foi um País que me fascinou, quer pelas suas paisagens deslumbrantes, quer pela luta humana que se trava diáriamente para ter um pouco de comida...
e nós por aqui a preocuparnos que temos que trocar de telemovel. etc....a minha vida mudou depois de estar por ai..
Continua a escrever e mais uma vez parabens...
Luisa