30 de setembro de 2010

A tertúlia vai à Ásia


Nascido no coração de Portugal, adoptado pela Europa, apaixonado e a viver em África...vou agora à Ásia. Se este não é o fruto doce da globalização...então não sei o que é!

3 semanas de férias com passagem prevista em: Hong Kong, Macau, Singapura, Malásia e Bangkok...

23 de setembro de 2010

Ilha de Moçambique

Num fim-de-semana alargado peguei em mim e fui passear à Ilha de Moçambique. Mas a viagem foi mais do que uma simples deslocação espacial. Viagem no tempo, viagem nas páginas da História…

A estreita ponte que nos encaminha à Ilha deixa antever um lugar com pouco tráfego. Tem, na maior parte da sua extensão, uma única faixa e apenas 4 zonas mais largas onde se podem cruzar os carros. À chegada temos um mapa simples da Ilha, anunciando que é património mundial da UNESCO, desde 1991.

Mas desiludam-se as mentes que vão à espera de algum “lugar monumento”. Antes pelo contrário, a primeira impressão é bastante desoladora. Numa primeira parte as pessoas são visivelmente carenciadas, embora muito afáveis, e tentam vender tudo no meio da estrada.

A segunda parte da ilha deixou-me boquiaberto. À primeira vista parece um cenário digno de far west com ruas poeirentas e edifícios desleixados pelo tempo. Quase que juro ter ouvido os cowboys a beber dentro dos saloons e a qualquer momento esperava um novelo de ramos a cruzar-se comigo, contra o vento.

O mais engraçado é que essa impressão cai logo por terra, quando nos dedicamos a um passeio com olhar mais atento. A vida afinal pulula em todos os sítios, começando com uma demonstração de resistência da flora.

O material com que foram reconstruídos estes edifícios é areia local, com muita riqueza orgânica. Resultado: as árvores alimentam-se…das paredes!, e mesmo depois de fazer uns cortes aos troncos, para impedir o seu desenvolvimento, a árvore mostra como se pode continuar a viver, sorrindo ao sol.

Eu diria que mais de metade da ilha tem os seus edifícios em estado avançado de degradação. Mas seria redutor acabar a ideia por aqui. Os edifícios cansados e com rugas vincadas albergam casas e comércio de forma quase natural, não fosse o risco de queda. À noite também eles descansam, com respiração lenta, numa tentativa de revitalização para enfrentar o dia seguinte.

O espaço destinado ao hospital deixa-nos a dúvida no ar: hospital ou casa fantasma? Mas a entrada sobrevive, ainda imponente, e elucida-nos em relação à pergunta.

O letreiro, em postura fidalga, alheia ao redor, dá entrada aos palácios do hospital. Que menos não são que isso: senhores palácios, com escadarias firmes, embora jardins áridos e fontes secas de água. Uma estrutura hoje que nos conta histórias de ontem e espicaça a nossa mente para imaginarmos o local nos tempos idos, com os doentes a chegarem a carroça e as saias largas das donzelas a varrerem a escadaria.

Depois há, ao longo da ilha, sinais dos tempos, deixados por diversas culturas:

Coretos ao bom jeito Lisboeta.

Mesquitas em estado de conservação admirável. Telhados árabes com terraços para aproveitarem a água das chuvas.

O mercado, que já esqueceu a idade, humilde mas ainda funcional.

Dois eternos habitantes, outrora vigorosos de carne e osso, agora de ferro e pedra, erguidos numa homenagem justificada.

Vasco da Gama que, ao virar o cabo da tormentas, descansou na ilha e abriu o precedente à sua inclusão em futuras rotas para a Índia. Atrás da sua estátua, o museu da Ilha, edifício reabilitado, mas com um conteúdo que deixa a desejar, partilhando o protagonismo da exposição com o exterior, com a envolvência das ruas.

Luís Vaz de Camões, que ali viveu durante dois anos, entre 1567 e 1569.

E finalmente, mas não menos importante, a fortaleza de S. Sebastião, que ali está à beira mar há mais de 450 anos, construída com o intuito de salvaguardar a segurança, face aos diversos ataques. Uma impressionante estrutura, de dimensões, diria eu, desproporcionais, comparativamente com o reduzido tamanho da Ilha.



A ilha revela-se assim um livro de história, aberto à poeira do tempo. Um livro com umas páginas rasgadas, outras soltas. Um livro onde algumas letras já mal se lêem, mas que deixam adivinhar um lugar misterioso, escrito com caligrafia arquitectónica ímpar.

E não seria para menos, a história da ilha, ali ancorada há milhares de anos, é um acumular de influências impressionante, que tento sintetizar de seguida, baseado no panfleto vendido no museu da Ilha.

A ilha, ocupada inicialmente por população africana, tem uma localização geográfica privilegiada, servindo, na altura, os interesses comerciais entre dois continentes: Ásia e África.

A primeira fase de navegação nestes “mares” esteve a cargo do império árabe, desde o séc. VIII ao séc. XV. A influência islâmica estendeu-se desde o arquipélago indonésio, costa africana, mar vermelho e rio Save (um pouco a norte do famoso arquipélago de Bazaruto). Essa influência é ainda hoje sentida, principalmente no norte de Moçambique, com a enorme expressão da religião muçulmana. Ao longo da costa africana surgiu uma nova civilização, os swaihilis, fruto do cruzamento africano e muçulmano.

A segunda fase de navegações começou em 1498, com a chegada de Vasco da Gama, que depois de dobrar o cabo, estabeleceu, com ajuda de pilotos árabes, a ligação entre África e Índia. Iniciou assim, não só uma nova rota comercial no mundo, mas também o inicio de um dos mais notáveis impérios da História: as Descobertas, feitas pelos portugueses. E não exagero! Os livros assim o contam e, nos dias de hoje, ainda fico espantado como foram os meus conterrâneos capazes de tal façanhas. Saídos de um país miserável, com cerca de 1 milhão de habitantes, saídos em “barcaças” vulneráveis, em mar aberto, sem conhecimento da medição da longitude, desbravaram horizontes desconhecidos à mercê de doenças e da morte. Mas este capítulo fica talvez para mais tarde, para fazer a justa homenagem…

Como o século XVI e metade do século XVII foram de domínio Português pelas bandas do Índico, a escolha da Ilha como principal base deu-se em 1507, pela importância geográfica do seu porto. Os navios que se atrasassem na partida de Lisboa perdiam os ventos da monção e tinham que invernar na baía de Moussuril durante longos meses.

A ilha começou a ser cobiçada por árabes, pelo norte, por holandeses, franceses e ingleses pelo sul, dando inicio a batalhas da 2ª fase de colonização. A ilha foi destruída no inicio do século XVII e a sua reconstrução recorreu aos materiais locais: pedra de coral e cal. Na segunda metade do século XVII, o comércio a norte de Cabo Delgado voltou a estar sob controlo árabe. Ao longo do séc. XVII a sucessão de ataques imprimia um ritmo de destruição superior ao que era possível reconstruir. Portugal estava a perder território nas trocas comerciais e, em 1752, o primeiro-ministro marquês de Pombal, decidiu instituir o Governo de Moçambique na Ilha, numa tentativa de recuperar o punho dos acontecimentos. O último barco de escravos saiu da ilha em 1831 e a população negra pôde, em 1840, ocupar finalmente a Ilha, que ganhou uma divisória, ainda hoje visível, com parte portuguesa, na cidade de Pedra e Cal e a parte africana na parte de Macúti.

Portugal dispersou o seu interesse no interior do território moçambicano e, em 1898 a capital do país passou para Lourenço Marques, hoje Maputo. O porto da ilha perdeu fôlego em detrimento do porto de águas profundas de Nacala que foi inaugurado em 1951. A população fugiu da ilha após a independência, mas a ela retomou durante a guerra civil. Quando a paz chegou a Moçambique, em 1992, a ilha era já considerada património mundial da UNESCO há um ano.


20 de setembro de 2010

30 anos embarcados

Para colocar uma cereja no topo do bolo das festividades (ainda dos 30 anos) houve direito a passeio de barco na baía de Pemba. Barco de pescadores, com rede incluída, motor que funciona por magia e todo o tipo de derrames liquídos no fundo.

Tempo para mergulhos, visitar peixes e corais, num mar azul e de extensão quase ilimitada!

Depois o comandante levou-nos a uma praia, daquelas (quase) desérticas, povoada por vegetacão, pássaros e alguns habitantes das proximidades.

Tempo para pic-nic

...e bolo de aniversário, feito pela simpática e sorridente Rita! Os parabéns também foram cantados e, como estavam presentes 8 nacionalidades e não se chegou a acordo sobre a lingua oficial, a famosa música foi entoada em cerca de 8 línguas diferentes! Chegámos à conclusão que em Portugues dura cerca do dobro do tempo das restantes línguas!

Foto de "família"

Embarque, com Pemba ao fundo...

Sorriso de clara satisfacão...

E deixámos o barco a dormir, para mais tarde voltar...

14 de setembro de 2010

30 anos


...e não é que cheguei mesmo ao 30 anos? Quem diria! Foi a primeira vez na vida que passei os anos tão distante da família e amigos. Uma experiência! Isto de estar longe, parece-me, deixa-nos o peito mais aberto, exposto à comoção... Como sinto o aniversário um pouco como o "meu dia" dou-me ao luxo de fazer pequenas coisas que possam fazer dele um dia diferente, apesar da já sabida obrigação de ir trabalhar, claro!

Resolvi então sair da cama às 6h30, vestir o fato de banho e dar um mergulho na praia...LUXO! Praia só para mim, água morna...


Qual não é o meu espanto quando, ao abrir a porta, tenho um postal duns vizinhos. Um presente muito simples mas que teve o dom de me emocionar logo pela manhã...

Depois fui chamado a uma reunião de última hora num dos locais onde trabalho. Estranho, mas enfim...lá fui eu. A agitação e olhares cúmplices entre o pessoal deixava antever que algo mais se passaria, e a dita reunião nunca mais começava! Pudera...o motivo de me terem chamado foi uma pequena festa surpresa que me deixou sem jeito, com um nó na garganta...

Bolos e refrescos (que era hora de expediente) e direito a parabéns cantados.

Brinde emocionado e risadas que chegaram para sentir a boa energia de todos eles.

Não deixo de agradecer telefonemas e mensagens de todos. Só peço desculpa de não poder responder a todos, mas a net nem sempre me ajuda cá deste lado (se vocês soubessem!). Prefiro assim escrever no blog, transmitindo o meu apreço pela vossa lembrança.


6 de setembro de 2010

10 anos depois

Há 10 anos atrás o Grupo Xiveve fez uma viagem a África, a minha primeira viagem ao continente mãe. Tive o primeiro contacto com o cheiro, a cor, a mística a que tanto se faz referência. O resultado está à vista: voltei várias vezes depois, por livre vontade, em passeio ou em trabalho. Tinha 19 anos e pensei em comprar apenas viagem de vinda, sem regresso. Mas seria prematuro, obviamente…

Tivemos oportunidade de viajar por terra, pelo ar ou água e conheci Maputo, Beira e a zona envolvente e o norte, nomeadamente Pemba, onde vivo agora.

A organização da expedição foi exímia. Havia hierarquias, funções definidas e uma coordenação temporal rígida. Só assim se leva a bom porto uma viagem que envolve cerca de 12 pessoas, muitas vezes a bordo da famosa Toyota HIACE, o vulgo “chapa”.

Tínhamos um chefe à séria que, como dizíamos na altura “chefe que é chefe, não faz nada”. Ele, um dos maiores apaixonados por África que conheço, bastava falar, com base no seu infinito bom senso, e nós cumpríamos. A minha função era a de bagageiro: carregar e controlar, no meio da confusão, se toda a bagagem chegava completa. No final da expedição, fui promovido a 4º motorista e nem pelo facto de só haver 3 carros eu desanimei…ainda hoje tenho as imagens e aventuras guardadas num lugar especial da memória. A última vez que mostrei os slides demorei 2 garrafas de vinho e dezenas de peripécias a contar...

Quis o destino trazer-me de novo a esta cidade, já modificada pelo tempo. Tão modificada que tive dificuldade em reconhecer os mesmos locais por onde andámos, confesso. Só com a ajuda telefónica, consultando o meu padrasto, é que consegui perceber que o local onde fiquei hospedado no inicio deste regresso foi o mesmo onde tinha ficado…há 10 anos atrás! A minha memória nunca foi grande coisa, mas prefiro pensar que a cidade mudou mesmo muito! O exercício mental não deixa de ser engraçado. Aquilo que há dez anos me pareceu uma viagem em pleno mato, agora afigura-se como uma marcha quase sempre urbana para chegar ao mesmo farol. A desorientação turística da altura transforma-se agora numa ideia muito clara da cidade, dia e noite…trabalho ou lazer…

Depois de algum tempo, e já orientado, comecei a reconhecer alguns sítios e, claro, surgiu a vontade de registar em fotografia. Apresento-vos, de seguida, o resultado.

O local onde ficámos hospedados foi, coincidentemente, o mesmo onde fiquei agora, nos primeiros tempos. Na altura era o restaurante apenas e um tipo que incentivava ao mergulho. Hoje, edifício com 2 andares, inclui um lugar com acesso à internet e casino. Existe agora uma dependência onde o curioso do mergulho montou um negócio, com aluguer de material e aulas…


Há 10 anos apanhávamos amêijoas às 7 da manhã, sob um calor tórrido. Às 10h entregávamos o “pescado” à cozinha e às 12h tínhamos arroz de amêijoas na mesa… Tínhamos como envolvente os bungalows a serem ainda construídos. Hoje, digo-o por experiência própria, já precisam de reabilitação.

A praia, onde passei muitas horas na condição de turista, serve agora de meu ginásio, onde corro e nado, fazendo assim o meu “diatlo” no final do dia para manter a forma. Um verdadeiro luxo, admito e valorizo…

O crescimento da cidade é notório. Pelo volume de casas e pela agilidade da construção. Os telhados de palha são agora substituídos por chapas de zinco, mais fáceis de colocar e resistentes…

O número de casas tende a crescer a grande velocidade, maior do que qualquer plano urbano desejaria. Assunto que, curiosamente, tem sido falado nas notícias. O apoio à população que vive em ruas com largura duma mota é muito dificultado. Diz o notícias, de 24 de Agosto de 2010 que “ocupação desordenada dificulta fornecimento de serviços básicos”. Pode ser que as forças políticas que agora levantam o assunto fortaleçam a necessidade de acção. Toda a população agradeceria…

O aeroporto, imutável por fora e por dentro, fisicamente, está irreconhecível na sua dinâmica. Há dez anos chegámos primeiro que toda a gente. Um guarda abriu-nos a porta para, pelo menos, nos sentarmos e aguardarmos pelos pilotos. Verídico, sem ficção. Tivemos inclusive que telefonar aos pilotos para eles virem conduzir aquele pássaro metálico que aguardava por nós, sem chek-in nem controlos. Era assim há dez anos. Hoje o aeroporto é internacional e tem voos quase todos os dias. O chek-in é obrigatório, embora o controlo seja ainda em modo relaxado.

Na ausência de um raio X, existe um aviso, o mesmo de há 10 anos atrás, que proíbe o transporte de facas e pistolas. Agradece-se o cumprimento da restrição...

Apesar de estarmos na Era da comunicação electrónica, acho que é motivo de orgulho aos amantes dos envelopes e selos. O edifício foi reabilitado.

Na vizinha vila de Mecufi, a cerca de 40 minutos numa condução moderada, também houve alterações, mais ou menos visíveis A estrada que nos recebe foi arranjada, embelezada e modernizada. Os postes que outrora faziam figura, hoje levam, praticamente sem interrupções a electricidade aos lares e serviços.

O barco ainda lá está! Na baía de Mecufi mora ainda a mesma embarcação (ou pelo menos assim me parece). Já sem mastro, mas ainda com um funcional arcaboiço, descansando, à beira-mar, aguardando a próxima saída para a pesca.

Resta-me agradecer ao grupo Xiveve pelo contágio de energias que me permitiu amar África de imediato. Porque África é muito humana e beber inspiração ao nosso redor ajuda-nos a saber interpretar um continente que nem sempre é fácil.

Resta-me agradecer ao meu padrasto, o meu 2º pai, a oportunidade de me ter trazido e permitir que ficasse contagiado com o “bicho de África”. Que vírus deste tipo não trazem mal nenhum, apenas magia…