29 de novembro de 2016

Areia

Quando ouvi falar da Boa Vista, todas as descrições apontavam para um grande deserto. Mesmo alguns registos históricos atiravam a Boa Vista para segundo plano, em comparação com o potencial (principalmente de agricultura) de outras ilhas de Cabo Verde.


 Quando pesquisei sobre a Boa Vista praticamente só vi areia, sendo a referência máxima o deserto de Viana, repleto de dunas! Cheguei a recear se haveria comida! Cheguei a recear que tivesse que trazer uma catana para abrir uns cactos, de forma a ter algo que beber.

 Na aterragem, quando o avião deu a ultima curva de aproximação, olhei pela janela: só vi areia, mas uma pontinha de cor diferente despertou-me a atenção. Senti-me como um astronauta a chegar ao destino inóspito e, ao aproximar-se, começar a vislumbrar alguns detalhes que lhe disparam os níveis de confiança.


 Hoje trago-vos o detalhe desta areia! De facto, é areia por todo o lado. Chamo a atenção para a monotonia das imagens que se seguem. Poderão chocar as mentes mais dinâmicas…

Em plena cidade de Sal Rei, a banhos a escassos metros de casa.


Em plena cidade de Sal Rei, de canoa a ver tartarugas entre os corais.


Em plena cidade de Sal Rei, a ver surfistas num cenário de por do sol.


E plena cidade de Sal Rei, na pesca.


 Praia de Santa Maria....


...um paraíso que é um santuário de tartarugas.


Num salto ao deserto de Viana, exploram-se formas de diversão...na areia...





Até comecei a descobrir estradas na areia. Mais trilho, menos trilhos. Areia mais dura ou mais mole...


...novos caminhos nos levam a descobrir mais locais...de areia!





 Ainda há muita areia por explorar. Não quero que fique a faltar nenhum grão.

  
Por mais monótono que possa parecer, continuarei a analisar as diferentes formas de areia, para vos levar a informação mais útil.


17 de outubro de 2016

É di mim...

A Bia é bilingue. Recebe o português do pai e o coreano da mãe. Acrescido a isto, ouve o inglês entre pai e mãe. Isto faz dela trilingue aos 2 anos, pelo menos na forma oral.

Quando viemos para a Boa Vista, Cabo Verde, andamos à procura de infantário para a Bia. Estávamos à procura, tal como em Maputo, dum infantário onde se falasse português. Nenhum dos locais nos satisfez e foi quando em conversa percebemos que havia uma escola da qual davam boas referências: escola francesa. Visitamos e gostamos. A nossa única preocupação foi a língua! Tínhamos receio de que na cabeça da Bia houvesse demasiadas línguas. Das preocupações de pais de primeira viagem está o receio que com tanta língua ela baralhe tudo, demore a falar e quando o fizer poderá resultar num retalho onde precisaremos de dicionário familiar. O director da escola garantiu-nos que na idade da Bia as professoras não falam francês. Só o fazem a partir dos 3 anos. Decidimos ficar.

Não demorou muito tempo para perceber que as professoras falavam com ela em crioulo! As professoras, em bom português garantiram-me que a Bia já entendia crioulo. As nossas preocupações voltaram: não estaremos a abusar com tanta língua?

Um belo dia, quando a apanho na escola, ela senta-se no carro, agarra a mochila dela e diz: “é di mim”. Na dúvida, porque por estas alturas ela já vai dizendo umas palavras de português e coreano, perguntei-lhe: “é o quê?”. Ela olhou para mim, ainda agarrada à mochila, com ar de espanto de quem analisa a senilidade do pai. Repetiu: “é di mim” e olhou pela janela, encerrando naturalmente a conversa.

Noutro dia, na praia, apontou com firmeza para alguém na zona do restaurante. Dum grupo variado de pessoas, o dedinho dela foi cirúrgico a apontar e ela disse: “Bonju”! Estava a falar da professora de francês dos mais velhos que cumprimenta com um efusivo “Bonjour” todas as crianças pela manhã.


Será este o momento em que a minha filha me ensina que é muito mais flexível do que eu suponha? A minha ignorante atitude de a “proteger” das diversas línguas caiu por terra. Na minha cabeça o disjuntor disparou. É muito melhor ter diversidade nesta idade (e em todas, a bem da verdade) mesmo que atrase a fala. E mesmo que atrase a fala, falamos de quê?...2 meses?....6 meses? Que diferença faz, se depois de começar a falar teremos uma intérprete inter continental?

16 de setembro de 2016

Terra à (Boa) Vista

Primeiro embate é isto mesmo, é a primeira impressão, superficial, de quem acaba de chegar. Por vezes é consistente com a opinião uns tempos depois. Por vezes não. Vale pelo momento…


 Mudámo-nos para uma ilha com 15 mil habitantes. São precisas mais de 3 ilhas destas para encher o estádio de Alvalade e uma enorme logística para deslocar tanta gente! A capital da ilha é a vila de Sal Rei, com cerca de 10.000 habitantes, menos que o bairro de Alcântara em Lisboa. Este é de facto o primeiro desafio. Como se viverá numa ilha onde, ao fim de 2 semanas, já cumprimentamos várias pessoas por quem passamos na rua? Bem, viver-se-á com simpatia, está visto…



Vamos a números:

- A ilha tem ao todo 52 km de estrada e 55km de praia. Leram bem. A extensão de praia é maior que as vias de circulação. Parece-me uma proporção perfeita!;


- A ilha toda tem 620 km2, metade do tamanho de Londres, mas sem o respectivo trânsito. Pode-se ir a qualquer lado e voltar à capital num dia. Na verdade, numa manhã. O que acontece aqui é que a velocidade de deslocação deve ser forçosamente lenta, caso contrário tudo se faz em muito pouco tempo;

- Vivo a 200 metros da praia e a 300 metros do escritório. Vou tentar não ir trabalhar de chinelos;



- Diziam-me que não chove na ilha, que é um deserto sem vegetação! Mas há vários dias tenho uma inundação à frente de casa. Uma espécie de lago privado. E já estou a criar o meu jardim na varanda do 3º andar;


- 38% da ilha é de áreas protegidas, e quase um quarto da orla marítima é reserva de tartarugas. Espero que se mantenha;


- À noite é a paz, o silêncio. O que mais se ouve é o vento a entrar pela janela e os burros a relinchar (e os geradores em noites sem luz, mas estes não têm encanto nenhum…). O mar, por ser tão calmo, raramente se ouve;


- Estão registadas 37 praias na ilha. O plano da nossa estadia é de 14 meses, o que dá para conhecer cerca de duas praias e meia por mês. Temos que nos apressar…



É verdade, quase não mencionei, venho para trabalhar! Mas isso é assunto de outro post…

27 de agosto de 2016

Até breve Moçambique



Queria fazer um texto à altura da ocasião: estou a sair de Moçambique, com mais de 6 anos de vivência na bagagem…

Mas que se pode escrever? Seleccionar um “best of” das dezenas de textos aqui publicados? Fazer uma colectânea de centenas de fotos? Encher um texto com clichés!? Prefiro listar factos:

- Percorri milhares de estradas e caminhos. Nem todos apareciam nos mapas…;

- País onde ensinei muitas matérias e aprendi muitas ciências;

- Conheci pessoas fantásticas e horizontes coloridos;

- Terra que me viu casar e me deu a minha primeira sorte (1ª filha);

- Agora vivo com o coração repartido e sinto-me bem com isso.


Não há textos mágicos para uma partida após 6 anos, ou 2, ou 10 ou 20 anos. Quando há coração envolvido há vida. E essa vai ficando na nossa história.


Descansem os (ainda) fãs da Tertúlia, pois o novo destino ainda está dentro do continente Africano, mantendo viva a dinâmica do blog (se o destino fosse fora de África talvez tivesse que mudar o título!). Novidades em breve…

12 de agosto de 2016

20 anos



Reflecti muito antes da publicação deste post. Receei que resultasse num anúncio de venda dum carro, mas ele merece o texto! Em África a marca mais falada é a Toyota e quem por cá anda sabe porquê. Robustos e duradouros. O seu elevado número ajuda na manutenção dos activos, e assim se fazem maravilhas da mecânica. O mercado de 2ª, 3ª e subsequentes mãos domina o mercado automóvel. Autenticas lendas da engenharia. De consumos nem vale a pena falar…



Este nosso belo exemplar fez nas nossas mãos 20 anos de vida. Pega sempre à primeira e o som é sintoma da saúde que transpira. A sua perda de acessórios deve-se também ao voraz mercado de peças, que não olha a legalidades para atingir os seus fins! Nada que umas lâmpadas de frigorífico não resolvam…


Nunca nos deixou ficar mal (e não será depois desta homenagem que o fará!). Com 20 anos, mas com muitas modernidades! Espelhos retrovisores eléctricos, botões variados, AC e airbag SRS, a acompanhar o lançamento desta tecnologia nos idos anos 90. Só lamento porque depois de ua pesquisa, percebi que ainda não o posso considerar de antiguidade. Ainda lhe faltam anos. Mas como me recuso a chamar-lhe de carro velho, refiro-me a ele como relíquia…


O pormenor que me derrete é o espelho retrovisor traseiro. Quais camaras e ecrãs! Com um botãozinho, o espelho aumenta-nos a visibilidade e não nos deixa fazer asneira quando vamos em marcha atrás.


Este animal de palco responde bem tanto em estrada como fora dela. E como é confortável nos solavancos das picadas. Lavado pela manhã, deixa no chão a roupa empoeirada do fim-de-semana e fica pronto para as formalidades citadinas.



A sua robustez faz-me acreditar que as estradas onde vai encalhar ainda não foram inventadas…


5 de julho de 2016

Xixi cócó

Parace que ainda cheira ao mesmo assunto.

Não é por contágio porque a Bia ainda não está na idade do “xixi/cócó”. Talvez seja a criança dentro de mim que esteja a passar por essa fase. Mas o adulto em mim chama-me à atenção para as mensagens. A linguagem directa e dissuasora da infração.

Na primeira a frase é muito clara. A dúvida fica na fiscalização. Será que volta e meia abrem a porta de repente e verificam o que estamos a fazer?


A segunda prima pela opção da multa. As multas costumam fazer-nos doer nos bolsos, mas esta não. Não toca nas nossas economias. Mas será que dói menos?


A última é a minha preferida. Além de dar opção, aliviando a carteira, incentiva à limpeza onde todos ficamos a ganhar. 


Prometo puxar o autoclismo a este assunto e trazer-vos outras coisas…

6 de maio de 2016

Hora da decisão


Este post serve para reflectir sobre duas formas de fazer cocó. Esse gesto diário, incontornável e necessário a todos. Não pelo cocó em si, como imaginam, mas pela forma…

Apresento duas formas distintas de aliviar as nossas necessidades maiores.


O buraco da latrina. Ainda muito comum no Moçambique real, e em tantos outros locais do mundo. A latrina oferece nada mais que um caminho para um depósito de dejectos. Podem ter água ou serem secas, mas raramente são confortáveis. Resolve o que tem a resolver, mas deve muito à ergonomia e por vezes o incómodo de insectos é perturbador. A higiene é básica mas garantida.


Já outro exemplo é uma sanita com telecomando. Este tipo de sanita tem estado muito associado a países super desenvolvidos, tendo sido este exemplo fotografado na Coreia do Sul. Sanita cujas características abrangem também as funções de bidé. Com o telecomando controla-se todo o mecanismo: i) aquece o aro onde se senta; ii) aciona-se o autoclismo; iii) liga-se a água do bidé em esguicho; iv) activa-se a ventoinha para secar o rabiosque. O conforto é evidente. Já que estamos na onda da excentricidade, eu acho que falta um sistema de som e apoio para jornal/revista para entreter durante o momento. Talvez num próximo modelo…

Muito bem. Penso que os nossos olhos já escolheram. Agora vejamos na perspectiva de impacto ambiental e recurso a energia, assunto tão em voga e onde todos estamos envolvidos, para o bem e para o mal! Imaginam a quantidade de energia necessária para executar todas as funções da sanita do telecomando? Electricidade, muita água e…telecomando!

                                                  Daqui

A latrina é um buraco. Pode ser embelezado com cosmética mobiliária para dar a ilusão de que é uma sanita. E é! A energia necessária é quase nula. Algumas nem usam água e ter as estrelas como candeeiro é sempre uma boa experiência. Aquilo que chamamos de porcaria pode ser reaproveitado para a natureza.


É engraçado como aquilo que nos arregala ao olhos é o que mais brilha e nem sempre o mais adequado.

É engraçado como aquilo a que estamos habituados nem sempre contribui para a saúde do ambiente. Basta mudar alguns hábitos e multiplicado por milhões faríamos a diferença nessa tal sustentabilidade, que tanto se fala.

12 de abril de 2016

Travessia do Incomati

Quem pensar que atravessar um rio é uma mera deslocação de uma margem para a outra, deve viver muito infeliz! E o mais grave é que desconhece esse estado de espirito.

Podemos dissertar sobre as características diferentes de duas margens banhadas pelo mesmo rio. Podemos ter várias teorias sobre como a navegação enfrenta a adversidade das águas. Mas isso eu deixo para os entendidos na matéria.


Na zona de Marracuene, o Incomati presenteia-nos com 260 metros para chegar à margem da Macaneta. Essa travessia é (ainda) feita pelo batelão e é esse o foco principal da minha homenagem neste texto. A minha humilde vênia a um colosso da História!

O batelão tem 68 anos de idade, mas seria incúria minha chamá-lo de “velhinho”. Pode ter alguns problemas de saúde, pode ter limitações provocadas pelo reumático, mas é a solução mais consistente para atravessar o rio e a única que o faz transportando viaturas. Nos dias em que se sente pior, há uns jovens barcos a remos ou com motores improvisados que o substituem e garantem o transporte de pessoas. As viaturas, essas, ficam na margem, sem ter forma de atravessar. Por toda a sua limitação e turbulência vivida a bordo, é remota a ambição dos jovens barcos quererem destronar o papel do batelão. Por tudo isto, sempre que a saúde permita e a ponte não for concluída, o batelão é dono e senhor do rio Incomati, na zona de Marracuene.

À chegada, as piores suspeitas são levantadas. Visivelmente o batelão não se sente bem. As pessoas na margem descrevem que o viram cambalear e com pouca força. Infelizmente não é novidade, mas é sempre de lamentar. Só nos resta a espera, por tempo indeterminado. 


Alivia-nos ver uma equipa médica a tratar-lhe do coração. Ferramentas, marteladas, fiozinho de arame e tudo parece controlado. Cirurgia em curso.


 Mas na verdade ainda foi necessária uma longa hora (sim, porque há horas mais longas que outras) para se ouvir o motor roncar com capacidade de mexer. A Bia estava nostálgica, com a construção da ponte em andamento, reflectia sobre o destino daquele respeitável avô batelão. Eu tentava consolá-la.


Quando houve luz verde para arrancar estávamos convencidos que a viagem iria incluir meia dúzia de pessoas, a fim de testar o esforço do motor e garantir que estava tudo afinado. Puro engano. A equipa a bordo do batelão manda entrar toda a gente, carros e carga…até ao limite! Mas em vez de me convencer que era loucura ou imprudência, preferi pensar que era uma enorme confiança no batelão. Este batelão não precisa de recobro!

O que me relaxou mais foi o facto de ver o cirurgião chefe a olhar para o motor durante a viagem. Não descolou o olhar, como se o coração do paciente estivesse ligado a aparelhos de monitoria. Qualquer engasgue do motor, o cirurgião controlava.

 Cada metro da travessia é assim um desafio, apenas tornado fácil pela persistência do veterano batelão. Quase a chegar à outra margem a sensação é de pura conquista, duma bravura enorme! Afinal o batelão ainda consegue. E o batelão diria: “mas afinal fui feito para quê?”


 Durante a viagem, felizmente identifico a localização dos colete salva vidas. Informação muito útil, pois em caso de naufrágio atiro-me ao mar antes da distribuição dos coletes. Confio mais na minha natação do que…naquilo…


 A atracagem faz-se com uma surpreendente calma, após as piores expectativas do motor não trabalhar, ou não arrancar, ou ir-se baixo durante a travessia…

Todas as dificuldades e soluções médicas só dão valor a cada viagem de 260 metros. “Carpe diem”, deve pensar sozinho o batelão…


 No regresso, ainda no cais, fizemos questão de ouvir de longe o roncar da máquina. Acabado de chegar da outra margem, nada haveria a temer, a não ser um sinal da tripulação para que os carros não embarcassem.

Desta vez o problema não era mecânico. O coração do batelão funcionava na perfeição…se não estivesse inundado de água! 


 Entrou uma outra equipa de enfermeiros, com gerador e bomba de água.


 A drenagem demorou uns 20 minutos. Depois disso ainda foi preciso dar umas marteladas, afinações e regressamos em segurança!


É certo que o batelão é um doente crónico, mas ainda resiste, nalguns dias ainda funciona…

Façam um seguro de saúde ao batelão e que tenha sempre equipas médicas de prontidão por perto.

No dia do seu fim, façam-lhe uma estátua, transformem-no em museu!