30 de março de 2010

Considerações geográficas

Muita gente me perguntou, e também eu a mim próprio, como são as relações básicas entre Portugal e Moçambique: área e população. É do senso comum que Moçambique é bem maior que Portugal e, jogando um Tetris geográfico, em que as peças têm o tamanho de Portugal, podemos encaixar várias em Moçambique, mas quantas?

Numa primeira abordagem, e olhando para os continentes de ambos os países, encaixamos, quase três vezes, o velho continente no continente mãe! O mesmo será dizer que são precisas cerca de 2,8 Europas para preencher África.

Ora eu decidi consultar a Wikipédia e “cozinhar” essa informação. A área de Moçambique é de cerca de 800 mil Km2 e a de Portugal um pouco maior que 92 mil Km2. Bem sei que nos chamam o cantinho da Europa, mas neste exercício vamos multiplicar a área do cantinho por 8,7 e temos o espaço Moçambicano.

Esta diferença pode levar-nos a considerações curiosas:

- Se Portugal tivesse o tamanho de Moçambique, a distância entre Lisboa e Porto passaria a ser de cerca de 885 Km!

- Saindo de Lisboa tínhamos que percorrer quase 600 Km até à fronteira, em Badajoz.

- A distância sul-norte de Moçambique é a mesma entre Lisboa e Amsterdão! Ou seja, percorríamos quase 2 mil Km sem sair do mesmo país…

Em termos de população os números estão mais equiparados, cerca de metade dos Portugueses, em relação aos Moçambicanos.

Os portugueses contam com os seus famosos 10 milhões (mais 600 mil resultantes do último census) e os Moçambicanos são cerca de 20 milhões.

Isto levou-me logo a pensar, e espero que a vocês também: “os Moçambicanos vivem muito mais à larga pá!”. Como é que isto se interpreta? O dobro da população a viver numa área 8 vezes maior? É verdade…e qual investigadorzinho geográfico fui em busca dessa informação. A resposta é simples, e a matemática dá-la:

Se Moçambique ocupa 8,7 vezes o tamanho de Portugal, mas apenas têm o dobro da população…


…a densidade do país africano é um quinto da densidade do país europeu! Ou seja, se estivéssemos encaixados em dois quadrados de igual dimensão, por cada Moçambicano havia 5 Portugueses. O que faz com que os Tugas andem mais apertados no seu rectângulo. Mas deixemos de fórmulas e explicações e passemos às imagens, comprovando que as 3 que se seguem falam mais do que as 370 palavras que escrevi, antes de iniciar a frase onde me encontro.
Relação entre áreas


Relação entre população


Densidade populacional, considerando a área dos países igual



24 de março de 2010

Sucursal do paraíso


A "Sucursal do paraíso". Foi com esta expressão que a minha prima Lúcia me descreveu o sítio onde ela dorme, quando está em Pemba. Olhando para a envolvência geográfica da cidade, desconfiava de um belo abrigo ao pé do mar, com ritmo relaxado. Não imaginava que carregasse tantas histórias e fosse tão idílico.

Sem querer entrar em muitos pormenores, toda a estrutura que vos vou contar é o sonho realizado de um homem (www.zemun.co.za): sérvio, vivido na África do Sul cerca de 30 anos, trabalhou na área mineira em diversos países africanos e levava uma vida de negócios frenética. Mudou 180º! África é rica neste tipo de mudanças de vida e já conheço algumas. Não gosto, no entanto, de pensar que se trata de mais uma, mas sim uma, com as suas motivações ideológicas e emocionais. Respeito todas, admiro algumas…

Deixo a estrada principal, de alcatrão, e entro numa picada de areia, em boas condições, envolta por vegetação e machambas (o termo local para pequenas hortas). A picada foi feita e é mantida pelo próprio, sentado ao volante duma máquina própria, com uma imponente pá à frente e arrastando um pesado cilindro atrás.

A casa é uma ilha no meio da vegetação. Aliás, não consegui ter uma visão geral da casa, pois há, por todo o lado, árvores, flores e plantas. O resultado disto é engraçado. Ando pelo jardim, passo por um coqueiro, distraio-me com uma flor e…OH…está aqui uma porta.

Olha, é uma casa, que parece uma toca camuflada num verde vivo de folhas. Tem 4 quartos e uma sala, com kitchnet, de onde surge, quase por magia, um jarro de sumo de papaia fresco. Simples, mas muito ampla e com constante contacto com o exterior.

É toda construída em madeira, num contexto industrial que ele gere, desde o corte da árvore até ao último encaixe. Há uma série de esculturas, de dimensões consideráveis, também em madeira, pela casa toda. São feitas por artesãos Macuas locais que, segundo a descrição que me foi dada, fumam erva e esculpem o dia todo!

Não sei qual a percentagem das tarefas, mas as esculturas são obras de arte…e estão vivas de simbolismo, à sua maneira, na imobilidade própria das coisas materiais.

O jardim é quase todo plantado: flores de cores vivas, fruta variada, plantas que afastam mosquitos, relva, pode-se encontrar de tudo! Como um bastião do tempo, encontra-se um embondeiro (com uma idade avaliada em cerca de 2000 anos) que ali viu nascer todo este sonho.

Terá visto outros episódios ao longo da História, mas infelizmente não tem condições de os contar. Pelo menos verbalmente, porque apreciando o seu porte temos a certeza que as suas rugas biológicas só não viram o nascimento de Cristo, porque foi distante dali!

É comum este tipo de árvore formar cavidades no seu interior e neste vivem cerca de 3 morcegos, sem pagar renda!

Os planos actuais passam pela construção de várias casas, em madeira, claro!, para servir de ponto turístico. Aqui estou eu junto deste projecto, com um objecto essencial em cada mão: lata de cerveja e repelente!

E foi neste cenário que fui recebido em Pemba, com a vantagem de ir parar a uma festa, na praia.

Como os sul-africanos estavam em maioria e não costumam deixar créditos por mãos alheias, foi montada uma logística impressionante. Frigoríficos, fogões e um grelhador a cozinhar um cabrito inteiro. Cerveja, água, vinho, saladas.

Música, pé descalço, fogueira e estava montado o cenário.

A folia durou até altas horas…no período pré madrugada. Às 22h estava tudo KO. Assim é o ritmo local. Acordam com o sol às 5h…e deitam-se cedo!

No dia seguinte…a praia. Já recebi várias intimidações sobre as minhas descrições da praia. Embora as sinta e escreva do verão, e tenha vontade de as registar, compreendo que seja duro lê-las numa recém chegada primavera, ainda fria, no hemisfério norte. Por isso, deixo apenas as fotos.



22 de março de 2010

Aguaceiro ou tempestade?

As aventuras têm altos e baixos, assim como qualquer rosa também tem espinhos! No prazo de 1 mês, 3 elementos da equipa foram roubados, eu incluído! Será que estamos perante uma infeliz coincidência, ou uma onda generalizada de assaltos?

O chefe da equipa viu entrar em casa dele 3 gajos, durante a noite. Para reforçarem os seus intentos vinham munidos de pistolas e foram claros: "Dá-me ou levas um tiro!". Levaram dinheiro, computadores e carro (que depois foi recuperado). Ficou traumatizado com esta terra, pois claro! Ter um cano de pólvora a farejar a cara não deve irritar ninguém, leva-nos a outro patamar, o da humilhação, o da fragilidade, o da impotência!

Outros dois casos houve, felizmente mais calmos. Aliás, nem vi o (ou a) assaltante! Passaram-se ambos no Hotel Monte Carlo, em Maputo. No primeiro caso roubaram dinheiro do próprio cofre do quarto. No segundo caso (no meu) retiraram dinheiro de dentro da minha mala. Parece que a malta da limpeza dos quartos anda sedenta de "subsídios", mesmo que ilícitos. Amanhã vou à esquadra dar conta do sucedido. Não sei se dará nalguma coisa, mas farei tudo o que poder!

Assaltante...ando atrás de ti!

17 de março de 2010

Viagem da praxe

Um dia nos escritórios em Maputo e, de seguida, viagem ao norte do país. A base técnica do projecto encontra-se em Maputo, mas o “material” alvo encontra-se em 4 províncias do norte: Niassa, Zambézia, Cabo Delgado e Nampula. É um projecto que se debruça sobre o cadastro de propriedade, para os leigos: registo legal de terras (dono, uso, limites, taxas, etc…). Todo o projecto canaliza-se então nas câmaras municipais e nos serviços de Geografia e Cadastro de cada província. Está numa fase de arranque…mas, até agora, “cheira-me” bem e estou motivado. Importante!

Foi este o contexto da primeira viagem: Nampula e Pemba, que durou duas semanas. Termos novos, colegas novos, horizontes novos. Parecia, imagino eu, um marinheiro acabado de chegar ao barco, a observar a sua família marítima, freneticamente ocupada com as já conhecidas rotinas, para entregar a embarcação à sua viagem. Mas um marinheiro que observa atentamente todas as manobras e que, sem as saber ainda na sua totalidade, vai tentando executar as mais simples…

Tive poucas oportunidades para fazer o que gosto, até na minha própria cidade: passear turisticamente e tirar fotos! Mas publico alguns registos…

Nampula é uma cidade bem organizada, no que diz respeito ao desenho das ruas. Rodeada de montanhas, oferece-nos um cenário quase alpino, mas sem neve. Acontecimentos geológicos interessantes, pois alguns eram autenticos menires encravados no solo!

As montanhas, neste caso, oferecem-nos um espectáculo (diário enquanto lá estive) de trovoada ao final do dia, como se este se ginasticasse em espasmos de claridade e não quisesse dar lugar, de mão beijada, à noite. Esta guerra era acompanhada por roucos (mas robustos) trovões e terminava, lavando o campo de batalha com abundante chuva, quando se estabelecia a noite.

Estive quase em casa, apesar da distância de Lisboa, quando entrei na representação local do meu clube: o Sporting Clube…de Nampula, claro está! Comi um peixe com mau sabor e uma cerveja fresca, mas tanto fazia. Podia ter comido um bom peixe com cerveja morna, que não mudava a simpatia!
Mesmo em frente ao hotel, uma catedral de dimensões consideráveis e em bom estado de conservação.

Depois chegou a vez de voar para Pemba, a cerca de 3 mil quilómetros de Maputo, ou seja, a cerca de 7 mil de Lisboa…impressionante, não!? A primeira pergunta que fiz aos meus colegas foi: “têm a certeza que viemos trabalhar?”. Ao que eles responderam: “trabalhar?...qual trabalho?”. O local onde ficámos hospedados era…era…na praia! Bungalows construídos na areia…isso mesmo!

Em vez dum corredor mal iluminado e, por vezes, com mau gosto, que existe nalguns hotéis, tínhamos uma passadeira de madeira que sobrevoava a areia e que nos oferecia umas escadas para a água!

Era Sábado! Troquei de roupa, preparei o fato de banho, bebi uma cerveja (às 10h30, eu sei, mas acordei muito cedo!) e entreguei-me ao fim de semana. Como tenho uma prima que vive, embora esporadicamente, em Pemba…fui raptado para 20 quilómetros a sul e entregue a uma festa…na praia, claro! Só voltei ao hotel no dia seguinte…

Mesmo durante a semana, no contexto do trabalho, tinha a sensação de estar de férias. Chegava, punha o fato de banho, corria pela praia, dava um mergulho e, ainda com os calções húmidos, punha-me no bungalow a escrever o relatório, inspirado a olhar o mar!

A cidade (da qual não tenho fotos) é pequena, pacífica e quente! A praia, da qual tenho muitas memórias, é grande, atraente, confortável e viciante!


11 de março de 2010

Malas aviadas

Mudei a vida! Mudei de ambiente, mudei de rotinas, mudei de trabalho, mudei de cidade, mudei de país, etc…

E, como todas as mudanças, está implícita uma viagem, arrumações e transporte de haveres. Depois de sair do trabalho e arrumar os poucos pertences que tinha, debrucei-me com uma tarefa bem mais ambiciosa: encaixotar o conteúdo da minha casa para a deixar alugada! A par disto havia que tratar de toda a burocracia que implica uma viagem a Moçambique por longo período. Tudo em menos de uma semana. A fase de fazer caixotes suscitou um difícil exercício de distribuição:
1)
Coisas que levo comigo;
2)
coisas que ficarão guardadas na casa e só verei daqui a 1 ou 2 anos;
3)
coisas que preciso quando for a Lisboa.

Não parece nada de especial, mas tentem pensar o que fariam com as vossas casas…

OK. Chega de lamechices e mãos à obra. Consegui encaixar 80% dos pertences nas minhas 2 prateleiras do sótão, num divertido jogo de tetris. Nada mau!

Organizei ainda uma linha de produção de caixotes que sairiam de casa. E nos últimos dias distribuí, por algumas casas, todas as coisas, numa intensa operação logística de estafeta. Fechei as malas e arranquei.

Chegado a Maputo fiquei hospedado num hotel (solução provisória antes de arrendar casa). Desfiz a mala e arrumei as coisas no armário… Ok, não é AQUELA chegada a casa, mas finalmente reordenava as minhas coisas e tinha a sensação de ter a roupa arrumada.

No 1º dia de trabalho fiquei a saber que ia, de imediato, viajar. De imediato significa no dia seguinte, no 2º dia de trabalho. Óptimo. Dez dias em duas províncias do norte: Nampula e Cabo Delgado. Oh não!, mas isso implica ter que sair do hotel e fazer de novo as malas. Com outra questão: a roupa que trouxe é demasiada para 10 dias, mas apenas tenho uma mala! HHhmmm…ok, sacos de plástico da lavandaria do hotel!

Selecção, arrumar umas coisas, guardar outras e, claro, distribuir! Resumindo, neste momento, seja em uso de outrem, caixotes, malas ou sacos de plástico, tenho os meus pertences distribuídos por 6 casas! Obrigado aos visados…


3 de março de 2010

Tele-transporte nocturno


Chego a casa embrulhado em mim próprio, contraído com o frio e coberto por várias camadas de roupa. É noite e ainda não parou de chuviscar, desde o inicio do dia. A condensação sai da boca, presa num riso congelado pela secura da pele. As mãos rijas magoam-se ao pegar no metal das chaves e a locomoção faz-se com dificuldade. Todo eu pareço de vidro e vou esfregando as mãos durante as tarefas domésticas. O chá arrefece num instante e não consigo estar no sofá sem um cobertor a ver as notícias de recordes de temperatura, de vias bloqueadas, de recolha de sem abrigos, de cortinas do árctico, etc...

Entro na cama, arrependido de levantar tão repentinamente o edredon, pois sou recebido com uma brisa gelada que consegue entrar nas brechas da roupa folgada. Os lençóis parecem molhados e deito-me com sacrifício, friccionando as pernas, as mãos, os braços e encolhendo-me em posição fetal para rentabilizar energia. À medida que "descongelo" apercebo-me que estive com os músculos contraídos por demasiado tempo e que só então me é devolvido o bem estar.

Acordo a meio da noite esmagado pelo calor. Respiro devagar para não me cansar e não aquecer o corpo. Estou em cima dos lençóis, pernas e braços abertos, a tentar aumentar a superfície de arrefecimento, mas não corre uma brisa. Estou nu, mas apetece-me despir a pele. A atmosfera do quarto adensou-se e estou colado à cama, numa mancha de suor. Levanto-me, descolando-me dos lençóis, ponho os pés no chão quente e escorre-me suor pelas costas, pela testa... Abro duas janelas para provocar corrente de ar, mas o vento não consegue atravessar a massa de ar quente. Bebo água, polvilho-me com água e volto a deitar-me com movimentos lentos. Adormeço...

De manhã arrasto-me para debaixo do chuveiro, ansioso por uma cascata de água fria, que me remova a camada de gordura que tenho na cara. Regulo o chuveiro para o frio/morno à medida que recupero a respiração. Embrulho-me para me enxugar, mas tenho calor. Vou-me secando aos poucos com o posicionamento estratégico da toalha. Chego ao quarto, toalha perdida pelo caminho, já seco. Visto-me devagar, escolhendo roupas leves e frescas e penso que as meias e os sapatos são tão dispensáveis! É como vestir um gorro e ir para dentro duma sauna. Mas não me sinto bem em ir trabalhar de chinelos. Bolas!

Saio à rua já a transpirar e só a roupa larga não faz notar as costas que escorrem. A agitação de trânsito e pessoas fazem-me mais calor psicológico. As sombras estão todas ocupadas por pessoas de olhos semi cerrados e o sol fulmina, abrasivo na cara. Caminho devagar, com um sorriso preso à cara, mas não da secura da pele. Do prazer de estar numa atmosfera com a mesma temperatura que o meu corpo. De ser movido a energia solar...