28 de janeiro de 2020

Mão esquerda

Ao pagar a cerveja, abro a carteira com a mão direita, tiro a nota com a mão esquerda e assim a entrego, num gesto rotineiro. Enquanto saboreio o primeiro gole, a empregada do balcão traz o troco na mão direita. À minha frente, faz questão de passar o dinheiro para a mão esquerda e dizer-me, com alguma ira: “desculpa a mão esquerda”.

Fiquei sem perceber o que aconteceu ali. Porque razão ela passou o troco para a mão esquerda, para depois me pedir desculpa precisamente pela mão esquerda? Imagine-se uma pessoa na rua que nos dá propositadamente um encontrão e depois de forma mecânica pede desculpa a seguir. Alguma coisa se passa. Ou a pessoa não bate bem da cabeça, ou há uma tentativa de passar alguma mensagem. Escolhi a 2ª opção.

É do senso comum não atirar o dinheiro a ninguém, não é sério dar dinheiro a menos a contar com alguma distração, mas qual a questão com a mão esquerda? Haverá “mão certa” e “mão errada”?

Naturalmente, inquieto curioso, fui investigar.

Nas escolas em Moçambique os canhotos sofrem, porque “não fica bem” escrever com a mão esquerda ou entregar objectos com a mão esquerda. Em actos mais formais entrega-se com a mão direita, colocando a esquerda a meio do braço direito, numa espécie de manguito, mas com o braço direito devidamente esticado. Este é um gesto de elevada educação.

Nas repartições públicas, o facto de entregar papéis com a mão esquerda é meio caminho andado para se encalhar o processo por algum tempo, mas imbuído num silêncio que nada nos revela sobre a inocente falta de respeito.

Perguntando a dezenas de Moçambicanos, o mais curioso é revelado, pois o desconhecimento é total: sabem do facto, respeitam-no, educam os seus filhos dessa forma, mas não sabem o porquê. Assim, há uma disciplina implícita, sem que o motivo esteja claro, que se for quebrada leva-nos para terrenos da má educação.

Posso apenas suspeitar que a origem deste fenómeno se pode encontrar na influência árabe e indiana que Moçambique tem. Nessas culturas a mão esquerda é de facto relegada para funções menores, não podendo sequer ser usada para comer ou cumprimentar alguém.

Talvez se trate de tradições que passam nos hábitos rotineiros, mas cujo conteúdo se perdeu no caminho…

Da mesma maneira que não encontro explicação lógica para “as senhoras primeiro”, como mandam as boas maneiras (inventadas por quem?). Pode ser visto como cavalheirismo, mas o cavalheirismo às vezes é parente do machismo e o machismo é um erro básico do comportamento humano.