27 de abril de 2012

Outra escola

Quando eu tinha cerca de 5 anos de idade anunciei à família, na mesa de jantar, que depois do infantário não queria estudar mais. Estava farto de aprender, cansado. A reação chegou por meio de gargalhadas e uma mensagem de silêncio, prevendo que eu não teria qualquer hipótese de levar a minha ideia avante. Mas eu estava convicto do que queria. Aquela reação não ajudava nada, mas talvez pudesse dar um tempo e desistir a meio da primária. Seguiu-se um período, pelo qual não esperava, de 20 anos de estudo, mas que ainda hoje não me arrependo. Obrigado aos meus pais por me terem posto juízo na cabeça. Eu talvez estivesse a ser precipitado.

Hoje trago uma realidade completamente diferente e, se contra mim falo, é porque eu próprio fico confuso com este tema. Nunca a expressão “pequenos adultos” me fez tanto sentido. Pequenos na estatura, adultos nas responsabilidades.



No olhar não se encontra a timidez infantil que é de esperar. O olhar, embora vindo de uma criança, é maduro, fixo e misterioso. 



Carregam bidons com metade do seu tamanho na rotina diária em busca do líquido precioso, mesmo que às costas carreguem o sonho de serem crianças, brincando com bonecas. Ou o sonho de serem mães, simulando com bonecas. 


Vendem em lugares impróprios para uma criança. Além da mercadoria que vendem carregam às costas a responsabilidade de contribuir para a família. Mas são vencidos pelo cansaço, refugiando-se no sono e aproveitando para serem crianças em sonhos.



 Foto: Tardiano Ferrão


Foto: Tardiano Ferrão

Manuseiam ferramentas que não deviam ser os brinquedos mais apropriados nas suas idades, ceifando e catanando com uma mestria invejável.



A técnica de carregar à cabeça começa desde cedo, envolvendo-os desde logo nas tarefas diárias. Pescoço frágil, menos peso, pescoço forte, aumenta a carga.



Cuidam dos irmãos mais novos com uma responsabilidade impressionante.



Miúdos que sabem que quando o vento muda ou caem os primeiros pingos de chuva é momento de colocar a semente que eles sabem. Sabem ler o mato como ninguém, prevendo perigos, descobrindo ferramentas ou medicamentos naturais. Quase que imagino que tocam no chão, sentindo o pulsar do planeta e preveem coisas. Deixem-me exagerar! O meu respeito e sentido de aprendizagem permite-o.

Alguma escolaridade há-de ser precisa certamente, mas quanta? Farão falta disciplinas de química, trabalhos manuais ou história? Seria igualmente deslocado e hilariante eu ir às “aulas” onde estes miúdos se sentem à vontade. Imagino-me a entrar descalço no mato cerrado, com o chão a ferver e picando-me a cada obstáculo. Depois de cair o dia ficar assustado com a orquestra de sons estranhos vindos de todo o lado e quando sentir fome não saber bem o que fazer...




Não terá que ser assim mesmo, num país onde a esperança de vida é de 41 anos e o estereótipo de crescimento tem que, também ele, cumprir outra cronologia?

Não será mesmo outra escola?


18 de abril de 2012

Força das chuvas




Como prometi, eis a foto que compara o trabalho das chuvas, nas quedas de água do rio Lúrio. 

Dois momentos, do antes e do depois.

Depois de Chiure, 35 Km de terra batida levam-nos a este cantinho maravilhoso...

Seja na época seca ou de chuvas há sempre oportunidade para um banho no rio que divide as províncias de Cabo Delgado e Nampula.

4 de abril de 2012

O grande Niassa


Imaginem que Portugal incluía a Galiza. Isto sem nenhum objetivo de reescrever a história do condado Portucalense ou gerar um alerta diplomático. É apenas um exercício geográfico. Se Portugal inclui-se a Galiza daria aproximadamente a mesma área que Niassa, uma das 10 províncias de Moçambique. Continuando o exercício, retirem 9 em cada 10 pessoas de Portugal (sugiro que comecem pelos políticos) e assim teríamos o cenário de Niassa: um vasto e selvagem deserto.

Mapa retirado daqui 

Abrange o Lago Niassa, a reserva nacional e uma paisagem que, na época das chuvas nos faz lembrar a Suiça. Tudo é verde. Nesta época até o musgo cobre o cinzento sem graça das rochas. Os rios abundam de água alimentando as pequenas machambas nas margens.





E porque não há agricultura massiva no Niassa? Eu não estudei o assunto, falo de cor, mas vejo dois motivos:

1) No Niassa, repito, uma área igual às áreas de Portugal e da Galiza, existem sensivelmente 400Km de estrada alcatroada;
2) Com uma densidade populacional de 9 pessoas por Km2 (Portugal tem 114 pessoas na mesma área) há muito espaço para animais selvagens, daqueles pouco amigáveis e com muita fome.



Percorri uma estrada de 300 Km num alcatrão impecável, imaculado desde o tempo colonial, ligando as cidades de Lichinga e Marrupa. Conduz-se numa solidão que não é normal em Moçambique. No resto do país há sempre pessoas que caminham nas bermas e as aldeias vão-se seguindo umas às outras com regularidade. Nesta estrada? Percorremos 300Km e cruzámo-nos com 5 carros. O mesmo que ir de Lisboa ao Porto. Imaginam o que seria? Na minha opinião um luxo. Um luxo já só alcançável em alguns locais da Terra. O Niassa, por enquanto, é um deles... 



Depois estava reservada uma estrada de 240 Km de terra batida, no tempo seco. Na época das chuvas é o mesmo que andar com o carro em cima de barro por moldar. A uma média de 50 Km/h dá para tudo, sentir a paisagem, sentir os buracos, sentir que estamos num local remoto, sentir cansados, sentir...



Qualquer uma das estradas, uma em condições, outra aos trambolhões, atravessam o corredor da Reserva Nacional do Niassa que, já que estamos em comparações geográficas, é maior que a Suiça! Em termos de bicharada não tive muita sorte, mas acreditei sempre, acreditei até ao fim, até me aperceber que tinha chegado à cidade e que estava no cenário errado para acreditar! Mas não tenho a culpa. Principalmente ao atravessar o corredor fui agitado pela ânsia ao ver placas de animais ou fezes em plena estrada. O cenário alimenta a expectativa de poder cruzar com um animal, de se cruzar à nossa frente e talvez, na minha mais descontrolada loucura, pousar para uma fotografia. Mas sou parvo, eu sei. Numa imensidão destas qual é a probabilidade de me cruzar com um elefante? A mesma que ganhar o totoloto?




Vi e fotografei um grupo de macacos em plena estrada.
Vi fezes relativamente frescas de elefante na estrada. Mas essas, perdoem-me, por motivos de orgulho, não fotografei...