21 de julho de 2012

Peixe ali



A nossa praia é daquelas que, aquando da maré vazia, a água foge para longe. Deixa a descoberto uma manta com dois retalhos de que já vos falei: uma zona de rochas onde tudo está vivo e bancos de areia paradisíaca. Caminhei uma destas manhãs até encontrar água à profundidade suficiente para nadar. A profundidade aumenta onde começa o canal da 3ª maior baía do mundo, de modo que me obrigou ao labirinto das rochas e areia. Depois de nadar fiquei naquele caldo de água salgada a gozar o sol e o silêncio em redor. Não se avistava ninguém.

Entrou-me pelo canto do olho numa imagem: sorridente e vermelho! Um tipo muito simpático que se apressou a cumprimentar. Trazia, como já disse, um sorriso enorme e contagiante. Além disso vestia como se estivesse a passear numa qualquer cidade mundial. Calças de ganga, uma camisola de basket dos EUA e um boné quase novo, vermelhão! A tiracolo uma bolsa de pano que não condizia com a intenção, quando saia de casa, de vir ao mar. Estava molhado até às coxas. Levei algum tempo a enquadrar aquela personagem naquele local...como quando se veem aviões ao fundo nos filmes de cowboys.

Nas mãos uma lata de BAYGON que servia de carreto de pesca para um fio de anzol que lançava. À minha pergunta de “estás a pescar o quê?” ele responde “peixe”, quase sem desmanchar o seu sorriso. Era um sorriso um pouco eufórico. Agradável de se ver, sincero, mas por demasiado tempo. Não se desmanchava por nada! Talvez motivado por algum estado de alcoolémia alterado, ou outro estado, mas um sorriso positivo. Depois mostrou-me o isco. Camarão pequeno seco, dentro dum frasco já muito usado e guardado no bolso firme das calças.

- Está bem é peixe, mas que tipo de peixe?, perguntei

- Aquele peixe ali..., e apontou na única direção possível de ter peixes, o mar, otimista no peixe que desconhece, mas que acredita ir apanhar. Ainda com o mesmo sorriso confirmou acenando a cabeça, demorando-se com o braço levantado na indicação do local.

2 de julho de 2012

Mistério musical*


Há para mim vários mistérios na vida. Uns tento resolver, outros não. Preservo-os assim mesmo, misteriosos, sem solução. Dá-me gozo que assim seja, abstraindo-me da problemática de os entender e fugir à solução. É parecido à satisfação que se tem quando se veem as marionetas a mexer e se ignoram os fios...
Um desses mistérios é a música. Como aparecem as notas musicais, o porquê das oitavas? O que motiva um compositor a escolher dó-lá e não dó-mi? Mas apesar disso admito que cada nota debita vibrações diferentes.

A minha incapacidade para a música revelou-se desde cedo, desde os meus tenros 4 anos. Numa festa natalícia que o infantário apresentava para os pais desafinem tanto, entrei tão mal na música que fui presenteado com uma alcunha que ainda hoje perdura...

Na escola secundária fugi às aulas de religião e moral e optei pela música. Tinha o sonho de ser bafejado por Apolo, o Deus da música. Depois, na verdade, chumbava nos testes onde os outros alunos discutiam décimas do 18 para cima. Nas aulas práticas fazia um playback descarado com uma simples flauta de bisel na mão. Enchia as bochechas de ar e não me atrevia a soprar para não estragar a banda escolar que contava com bateria, flauta transversal e órgão. Deitava um olho ao meu colega do lado, igualmente com flauta de bisel, e imitava os dedos. Acrescentava um saltitar de sobrancelhas e uma inclinação esporádica da cabeça e aí estava eu, convencido de que passava despercebido. Saía das aulas contente e, confesso, com satisfação rebelde por estar a enganar o professor. Hoje sei-o, é óbvio, que o meu professor me topou desde o primeiro dedilhar em playback. Mas assim como eu não queria propriamente tocar ele também não queria propriamente ouvir-me. Assim, passados os anos, percebo que havia uma cumplicidade a meu favor e que o professor percebeu muito antes de mim, que eu não era talhado para a música. Simpaticamente fez-me passar nos testes para que eu não chumbasse numa cadeira facultativa!

Não sou moldado para produzir música, mas gosto muito de dançar ao som dela e nesse capítulo deixo-me levar pela sua magia. Ora vejam o mágico efeito da música nestas crianças que não devem ter mais do que 4 anos.

Atenção ao menino de camisola laranja e a menina de saia amarela e...quase sem t-shirt...



VIDEO: Yumi Choi


*para a animar a semana da minha amiga Cláudia Marques Pires...