13 de julho de 2015

Paralelo 38


Sobre a zona desmilitarizada da península da Coreia, existem muitos sites que podem ser consultados. Explicam o contexto, detalham mapas, etc…

Aqui escrevo-vos a minha opinião pessoal sobre o paralelo 38: é dos locais mais estranhos que alguma vez visitei! 

E a estranheza começa pelo nome, pois a “zona desmilitarizada” é, na verdade, uma das áreas mais militarizadas do mundo. Milhares de soldados estendem-se ao longo dos 250 km da fronteira. Fortes gradeamentos, arame farpado, casamatas de vigia, representam a ponta do iceberg, que naturalmente deverá consumir milhares de dólares anuais.


Outro factor de estranhar é uma divisão naquilo que, para muitos Coreanos (pelo menos os do sul, pois nunca consegui falar com um do norte) é o mesmo país!

A fronteira é difícil, mas não impossível de passar. Com autorizações especiais, argumentos fortes, é possível obter um visto. Dizem os relatos que, uma vez lá dentro, todos os movimentos são controlados, e só vemos o que eles querem. Já para os norte coreanos, é absolutamente proibido passar. Os que o fazem são desertores em desespero, e assim o são os cerca de 30 mil que fogem todos os anos para vários países.

Número de desertores da Coreia do Norte que chegaram à Coreia do Sul.

Aqueles que fogem para a Coreia do Sul têm uma dura etapa pela frente. Imaginem a competitividade num país pouco maior que Portugal, com quase 6 vezes mais população. A preparação social dos norte coreanos está a milhas de distância do ritmo frenético da Coreia do Sul. Imaginem-se transportados de repente para daqui a 200 anos…

De forma fácil é possível visitar a fronteira, na zona de Panmunjom. O acesso faz-se no que chamam de joint security área, um ponto de controlo, e esporádicos encontros entre os dois países. Diversas agências turísticas fazem incursões lá…

O passeio podia caracterizar-se por uma palavra: Restrição!

Restrição de roupas, pois não pode haver calças de ganga com rasgões, decotes ou ombros de fora. As cores devem ser esbatidas e, de preferência, iguais em cima e em baixo, tipo uniforme de fábrica!

Restrição de movimentos pois parecemos gado. Felizmente não nos batem com a vara, mas dão-nos continuamente instruções para entrar e sair do autocarro, andar pela direita e em fila indiana, parar ao sinal. De repente somos recrutas, quando apenas queríamos fazer turismo. Mas afinal, é a zona mais militarizada do mundo, há um certo contágio…

Restrição de fotos, desde a saída de Seoul que somos avisados: “nada de se porem de pé para tirar fotos”; “se tiram fotos proibidas terminam o passeio de todos”. A nossa máquina fotográfica fica a tremer, pendurada no peso dos ombros.


Muitas vezes me perguntei: “Como é possível visitar zona tão tensa?”. Não é comum visitar uma fronteira, geralmente só as passamos, e ainda por cima esta está fortemente armada. Qualquer dia em vez de ver ataques na televisão, parece que podemos montar bancada num teatro de guerra e assistir. À hora de descanso ainda deve dar para tirar umas fotos junto dos tanques! É um misto de suspense, com surpresa por ser um local, apesar de tantas restrições, visitável.

A dada altura trocamos de autocarro: de um banal que nos trouxe de Seoul, mudamos para um autocarro das Nações Unidas. Lá dentro um soldado com cara de poucos amigos, com a missão de nos observar o tempo todo. Aqui mais uma incongruência, se levarmos à letra a expressão “Nações Unidas”. As nações unidas aqui envidam esforços para manter duas nações desunidas.

Extremamente controlados, em fila indiana, somos levados a ver o que se considera o ponto mais tenso, o ponto de contacto mais próximo com a Coreia do Norte. É aqui que se encontra a sala de reuniões entre as duas Coreias. Uma sala que fica com uma metade para cada lado, com a linha de fronteira no meio (tecnicamente pisei a Coreia do Norte).


Quando entramos nesta sala pedem-nos para não tocar em nada, como se a pouca mobília que lá está tivesse radioactividade. Olhamos bem por onde andamos e analisamos uma sala absolutamente banal, não fosse o seu simbolismo.


Dois militares “estátua”, de óculos escuros para evitar o contacto, estão a vigiar a sala. Muito sérios, fiéis, guardam uma parte da fronteira. Aqui entra pela primeira vez a parte lúdica e, mesmo em sentido, consentem tirar umas fotos com os visitantes, que se apressam nas selfies


Mas cá fora as fotos voltam a ser controladas, e recebemos a instrução de que só se aponta na direcção norte! Quem tira uma selfie com o telefone tem os militares à perna a querer inspecionar o telefone, pois a lente principal estava virada a sul.



Nesta zona os militares observam-se em permanência. É a espionagem às claras. Homens que passam o turno todo de pé, em sentido, a olhar para o outro lado da fronteira. Assim se passam os dias numa eterna monotonia, e ainda bem, pois se ela é quebrada, é sinal de abrir fogo!



Depois metemo-nos (ou metem-nos) no autocarro e circulamos mesmo junto à linha de fronteira, onde se avistam duas aldeias, uma de cada lado. Passamos pela “ponte sem retorno”, com as copas das árvores desgovernadas a substituir o nevoeiro, que engole as pessoas nas despedidas. Nesta ponte só se passa uma vez...


Do outro lado mostram-nos a “aldeia de propaganda”. Como não podemos tirar fotos, tive que “googlar”. Casas aglomeradas, mas dizem-nos que nem janelas têm. Uma bandeira orgulhosamente exibida numa gigante torre feita para o efeito. Não se vê movimento nenhum, nem parece haver vida do outro lado.


Se repararem na imagem aérea, podem analisar com os vossos próprios olhos. Muitas casas, sim, organizadas, sim, mas sem sinais de vivência. Ou então é uma vila anti-carro! Porque, em contraste com a cidade de Kaesong, mesmo ali ao lado, não há vias asfaltadas.

É curioso ver, no meio das duas Coreias, os campos cultivados, impecavelmente trabalhados. É um esforço de louvar, em terreno tão hostil, pois há nesse mundo terra fértil em ambiente de paz, onde não se lança nem uma semente…


O rebuscado da História é que a guerra entre as duas Coreias, que começou em 1950, oficialmente ainda não terminou. Os dois lados assinaram um cessar-fogo, mas nunca um sólido acordo de paz. Por isso todo este aparato, para que se observem mutuamente e em permanência, para responder de imediato a alguma quebra do cessar-fogo.


Numa área de serviço, a caminho de Seoul, já fora do ambiente sisudo da fronteira, reina o humor. Uma foto a simular a fronteira e cabides com roupa militar variada.


Receamos estar a ser observados do outro lado da fotografia, mas mesmo assim fardamo-nos e tentamos um acordo de paz. Sorriso, aperto de mão, e por nós estava resolvido! Infelizmente, ao que sabemos pela imprensa e comunicações oficiais, o nosso esforço diplomático ainda não surtiu efeitos…

Não sei quando será, mas acredito que um dia as fronteiras abrem e vemos o drama que se esconde no lado norte da fronteira. E aí faremos contas ao esforço de manter esta linha militarizada e às vidas ceifadas sem motivo…