25 de janeiro de 2016

Moçambique remoto

No verão, o destino mais apetecido e concorrido são as praias, é certo. Nós somos a prova disso também, pois o mar sempre foi uma paixão. No entanto, este ano, para variar, mudamos a agulha da nossa bússola e rumamos ao interior de Moçambique.


Ficou a nossa expectativa sobre se seria a decisão acertada. Ficou no ar alguma estranheza das pessoas a quem íamos contando “para o mato com este calor?”. Sim!


Um interior a escassos 200 km do mar, mas com um cenário completamente distinto. Um cenário com mosquitos (malária), crocodilos, cobras, escorpiões, enfim…um cenário à partida assustador, mas que não nos desmoralizou. O resultado foi: uma bela viagem para recordar. 


Na boa (e remota) África tudo começa com uma picada de terra batida, terra vermelha e vegetação verde (mesmo com pouca chuva). Um calor que não vem só de cima, mas emana também do chão. Um calor silencioso…


O horizonte que nos acompanhou foi sempre verde, e aqui já não guardávamos nostalgia de nenhum horizonte marítimo…



A Serra Choa, a proteger Catandica, com uma altitude máxima de 1600 metros, já marca diferença estando lá em cima. Nuvens cinzentas mais perto, a construir um cenário mutante que nos convence que é a primeira e última vez que o vemos. Chamam-lhe a Suíça de África, e pelo que percebo é pelo verde que resiste à seca, que mina a agricultura lá em baixo. Mas cá em cima, húmido, fresco, as plantas correspondem e as vaquinhas acompanham. 



Um pique nique com vista privilegiada. A logística simples mas eficaz, gerida por um sul-africano, claro, que esta rapaziada é mestre na arte do camping e do braii.


No alto da montanha fomos encontrar uma herdade de mil hectares, mas apenas 200 estão plantados. Mesmo assim, há árvores de macadâmia até ao horizonte. A 30 km da estrada principal, aqui produz-se a sério.

Em Catandica, a caminho de Tete, visitamos a quinta da D. Ilda. Uma portuguesa a viver em Moçambique há mais de 50 anos, mas com um sotaque nortenho cristalino. Nem uma variação. Admirável. (Eu estou cá há seis, e já não sei a origem do meu sotaque!). Gere uma quinta de agricultura e animais. Foi daqui que levámos o leitão para assar no fim de ano. À boa moda nortenha: “vós quereis um leitãozinho?”


Os cabritos selvagens, estão aqui como animais domésticos. Ainda tímidos, sempre temos a oportunidade de os ver mais de perto.


Para combater as variações de água (calcanhar de Aquiles da agricultura), aqui construiu-se uma barragem caseira. Com uma albufeira considerável, no sopé da serra Choa. 


Foi aqui que passamos um belo dia, entre pesca e passeios de barco, num cenário “que nem parece Moçambique”. Desculpem-me o parêntese, mas a expressão “que nem parece Moçambique”, num país 8 vezes maior que Portugal, é de quem desconhece. Moçambique é enorme e tem locais lindíssimos (tenho a sorte de conhecer alguns). Os locais estão lá, muitas vezes longe, escondidos, à espera duma foto…


Depois duma estrada poeirenta, a estação de comboios é uma surpresa! Impecavelmente pintada, limpa, mas sem passageiros. Parecia nova e exposta numa galeria isolada da acção do pó. Apenas guardiões que inventam desculpas para sacar algum dinheiro. O argumento deles era que não se podia tirar fotos à estação. “Meu senhor, uma estação tão linda, tem que ser fotografada, e mostrada ao mundo!“ – disse eu. 


Aqui custa a acreditar que passe algum comboio, mas dizem que passa. Deve ser é numa frequência suficiente para o cabrito deambular à procura de refeição.


A estalagem também está impecavelmente pintada. Uma cor de gosto mais discutível, mas apresentável. O café parecia mobilado como nos anos 60. O tempo ali não entrou para beber nada. Sentamo-nos e pedimos algo simples: um pão para a Bia e 3 cafés. O empregado retorna, com ar profissional e diz: “não temos café!”. Dizer o quê? Não tem, não tem… Safou-nos o pão para entreter a Bia.


Algumas pontes são feitas a braços da população, por necessidade. Fiável até para passar um carro, atravessamos sobre o rio Nhazónia. Rio onde todos tomam banho, lavam roupa, bebem, dão aos animais…enfim, uma vivência comunitária.

O problema é que muitos dos rios estão empestados de bilharziose. Apesar do calor e do apetecível banho, não arriscamos entrar.


A barragem da Chicamba, com nome antigo de “barragem Oliveira Salazar”, tem o seu devido peso no abastecimento de energia elétrica nas províncias de Manica e Sofala.

Ainda resistente, recebe agora obras de manutenção/ampliação que vai permitir, juntamente com a barragem de Mavuzi, produzir 80 MW de energia.


A albufeira, com uma cota a variar entre os 100 e os 700 metros, comprova a seca que se vive no sul de Moçambique. Moçambique é tão vasto que vivemos, no mesmo país, dois dos maiores efeitos das alterações climáticas ao mesmo tempo. No norte contabilizam-se os estragos das cheias e no sul, as nuvens insistem em dar-nos chuva a conta-gotas!


Remoto não é sinal de isolado ou abandonado, e muito menos de passar fome. O menu nunca vacilou. A seia de Natal foi servida com uma perna de impala e outra de porco, assadas durante 3 horas… 


É na fogueira da noite que se aquecem as palmas dos pés. É na fogueira da noite que ficamos hipnotizados com o fogo. É na fogueira da noite que abrimos o coração na conversa. É na fogueira da noite que se contam histórias para recordar. 


A Quinta de Chuala…foi onde pernoitamos, sem rede de telemóvel, rodeado de natureza e bicharada! Para contar num próximo post...