31 de outubro de 2007

Depois do deserto

A mãe natureza é fantástica! Eu adoro a mãe natureza! Aqui em Angola só há duas estações do ano: o tempo seco e o tempo das chuvas. No primeiro é quando faz mais frio e não cai uma pinga de água do céu (3 a 4 meses)! No segundo, no resto dos meses, faz um calor abrasador e caem as tão famosas chuvas tropicais! A mudança, por estas bandas, sente-se quando começa a chover no Lubango! É quando o Namibe, junto ao mar, a mais de 200km do Lubango fica sem o “capacete” de nuvens do tempo seco e oferece um céu azul de praia por….mais de 8 meses!!!

Nós, por aqui, aguardámos o sinal de S. Pedro e, depois de algumas chuvadas, achámos que já íamos aproveitar uma praia!

Foi para lá que nos dirigimos no fim-de-semana passado! O caminho passa pela estrada da Leba, que eu já vos apresentei…e continua, mudando progressivamente de cenário!

A partir da floresta da serra de Leba, a vegetação vai escasseando e reduzindo a sua dimensão! O clima fica mais árido, mais desértico e os tons verdes dão lugar aos tons acastanhados….

O caminho é todo feito em estrada, boa estrada, estrada de alcatrão!

Assim, os 200km fazem-se mais ou menos em duas horas! Pelo caminho, além da paisagem, vão-se vendo vários mukubais, nome das tribos da zona. Pacíficos indígenas que, habituados à civilização, fumam Dunhill e pedem dinheiro pelas fotografias que tiramos!

A zona que rodeia o Namibe é desértica, muito árida e com alguns oásis, aqui e ali!

Dominam os tons castanhos e escasseia a vegetação. Deixamos a rede de telemóveis e os sinais de trânsito. Deixamos os restaurantes apinhados de gente e o trânsito da cidade. Deixamos a estrada alcatroada para um caminho de terra, de areia, de pedras…que nos fez atravessar o deserto em estilo rali! A “pista” de areia convida ao bailado das pick-ups…


Eis que depois de alguns quilómetros aparece uma placa a identificar os únicos dois caminhos, um para a direita, outro para a esquerda. Optamos pelo da direita…


O caminho começa então a complicar, exigindo, por vezes, o uso das 4 rodas motrizes! Uma ou outra descida têm mesmo que ser feita com mil cuidados…sob pena de…não a fazer!! Entramos num mini desfiladeiro com encostas de areia. Assim levamos as pick-ups a “bom porto”, carregadas de logística, como se vê na foto!

Esta é a logística, não mínima, mas a necessária para podermos habitar a praia com pequenos luxos! Colchões, água, carvão, comida, bebida, cadeiras, geladeiras, petiscos, utensílios de cozinha, alguidares, etc…

Para quem me conhece, escusado será dizer que não usei nenhum colchão!! Eu ainda acredito que a areia é o melhor colchão…

A chegada à praia é fantástica…depois do deserto, uma praia quase vazia e…num dos cantos, dois toldos e uma cozinha improvisada! Praia rodeada por falésias enormes de areia!

Um espaço para montar tendas de alta tecnologia, tendas de abertura fácil, mas de fecho um pouco mais complicado!

Um passeio pela praia desvenda-nos habitantes locais…pessoas que vivem ali mesmo, em construções na areia, rodeados de falésias, mar e céu!

Seria perfeito se as dificuldades não fossem tantas! Viver ali significa isolamento, significa estarem a uma hora de estrada e meia hora de mar da cidade do Namibe.

Vivem da pesca (à linha e de barco), da criação de cabras e pouco mais! Um bem raro é mesmo a água doce!!

A nossa actividade diária, e porque era fim-de-semana, baseou-se no relax! Petiscos, drinks, banhos, solzinho…e chega, senão tornar-se-ia num stress!!

À noite fomos testemunhas de um acontecimento esmagador!

Uma tempestade longínqua e um muro de nuvens escondiam a fonte duma claridade intensa que já iluminava o céu. Passado uns minutos, aparece num céu limpo, uma lua alaranjada, enorme! Por estarmos num local com pouca luz eléctrica a luminosidade lunar foi algo de espectacular! Acontecimento que a limitação tecnológica e do fotógrafo não conseguem reproduzir fielmente na foto, mas….foi o melhor que se conseguiu.

A dormida foi, literalmente, com “room with a view”!

À beira mar plantado, ao som das ondas…um sono tranquilo e retemperador do stress do dia anterior, para mais um dia de canseira….

25 de outubro de 2007

Vistas do Lubango

O Lubango é a 2ª ou 3ª cidade com maior importância em Angola. Talvez disputando o ranking com Benguela/Lobito. Cidade bem mais calma que Luanda. Cidade onde um ajuntamento de 6 carros é um engarrafamento. Cidade onde se pode passear à vontade na rua…um à vontade com consciência, bem entendido! Cidade onde as caras desconhecidas vão ficando conhecidas de dia para dia. Cidade onde o sentido de orientação fica esclarecido ao fim de uma ou duas semanas.
Cidade pacata com uma grande percentagem de portugueses do tempo pré-colonial, que se sentiram bem para ficar…ou regressar logo após períodos conturbados! É uma espécie museu com testemunhos dum passado áureo, de períodos violentos, de ousadia na arquitectura ou de um mau gosto apressado!
Aqui vos deixo algumas imagens desta cidade que me recebeu, há umas semanas, violentamente com uma doença, mas que agora abranda a sua rispidez…mostrando-me um horizonte mais sorridente!

Cine-Teatro "Arco-Iris"


Sede do partido no poder, o MPLA

Locais de interesse nas redondezas do Lubango. Um bom apontamento turístico.

Algumas industrias, do tempo colonial, recuperadas.

A Sé.

Em qualquer terra que se preze...há uma Pensão Central!


Paisagem alpina, com alguns edifícios horríveis a figurarem na paisagem.

O contraste!!!

Antigo cinema. Hoje em dia ocupado por sem-abrigo.



A praça central. Foto tirada em modo "discreto"

A Rádio Nacional de Angola

22 de outubro de 2007

Medicamentos

Os médicos aqui em Angola receitam os medicamentos, ou a sua substância activa, consoante as queixas e sintomas do paciente, de uma forma peculiar! Quando alguém “está incomodado” (termo que aqui se usa para alguém que está doente) geralmente receitam sempre uma lista grande de medicamentos…estando as vitaminas no número um das terapêuticas aconselhadas! “Mal não faz”, dirão os médicos…e é verdade… Há quem diga que, quando o diagnósticos é fraco, o melhor é receitar muita coisa…alguma há-de curar!! Se não, há sempre chás milagrosos, mézinhas, rezas, etc…ao gosto de cada um! No meu caso, por exemplo, usei um “filtro de consciência”…o médico receitou-me 4 medicamentos e eu apenas comprei 2. Um deles era para as diarreias…que eu nem sequer tinha!!, o outro era substituível por Ben-u-ron!

Mas o elogio deste post vai para o “aviamento controlado” dos medicamentos. Se o médico receitar xelotafinogetalinoraxinamol (por exemplo) durante 3 dias, de 8 em 8 horas, perfaz-se a quantia de 3 x 3 = 9 comprimidos curativos. Chegamos à farmácia e a maior parte dos comprimidos encontra-se em boiões de plástico. Ele tira o número de comprimidos que necessitamos e faz-nos a conta: 9 comprimidos, a 100Kzs cada um, dará 900 kwanzas! Coloca os comprimidos em saquinhos de plástico com o respectivo nome. Pagamos o que vamos consumir…nada mais…e consumimos apenas o que foi receitado…nada mais! Para as tabletes de comprimidos, que contenham um número superior ao necessário, é fácil, recorta-se o excesso! As sobras hão-de, mais cedo ou mais tarde, satisfazer o “incómodo” de outro alguém!


Ora aí está uma bela solução!

Resolvem-se os seguintes problemas:
- Desperdício (aliviando um abastecimento, sempre difícil, de medicamentos)
- Armazenamento dos medicamentos que sobram, em local fresco e seco! Coisa que é difícil de ter aqui…
- Deitar fora os comprimidos fora de prazo em locais indevidos e evitar desvios

18 de outubro de 2007

Fronteira

A cidade do Lubango encontra-se no extremo oeste da província da Huíla, sobre um planalto, a mais de 1700 metros de altitude. As províncias aqui estão para Angola como as regiões estão para Portugal. A província mais próxima do Lubango é o Namibe, que proporciona belos passeios. A fronteira entre a Huíla e o Namibe tem que se lhe diga!

Primeiro, na estrada, encontra-se uma portagem!! Dia e noite…com contentores de apoio…ali está um posto fronteiriço…entre províncias do mesmo país! (imaginem uma portagem para passar do Alentejo para o Ribatejo!). Paga-se a módica quantia de 150 Kwanzas (1,5 euros) …esta é a fronteira burocrática.

Depois há a fronteira física! Deixa-se o planalto e a altitude começa a descer vertiginosamente para um outro cenário, mil metros mais abaixo! É uma abrupta mudança que a mãe natureza nos oferece com um imponente espectáculo de escarpas e sensações vertiginosas!

Perante este cenário, a força humana, humildemente térrea, dispôs-se a tentar contornar a majestosa descida. E verdade seja dita…inaugurada em 1972, vê-se, ainda hoje, uma obra de se lhe tirar o chapéu: a estrada da Leba! Imagino as complicações, as dificuldades, os contratempos na construção desta estrada…no local que é, com os meios que havia, na época que foi! Acho que é nestas situações que a engenharia anda lado a lado com a arte…


Em termos de condução é simples…concentração máxima, mudança em 2ª, velocidade reduzida e…se ajudar, uma boa música no rádio! Camiões carregados de pedras, areias, materiais percorrem também esta estrada, a passo de caracol, a 5Km/h!


A ferocidade do percurso é tanta que alguns motores são vencidos pelo declive…pelo prolongado declive! Depois deste percurso, somos levados, por caminhos bem mais calmos, para a província do Namibe, onde o cenário vai mudando…até chegarmos ao mar, onde o sol se põe!


15 de outubro de 2007

Doença!

Era inevitável! Desde o primeiro post que todos sabemos que virus com nomes estranhos espreitam em cada esquina!

Como dizia o outro: “…é preciso muita saúde para estar doente neste país!”
Passada a doença...vejo-me a recuperar a olhos vistos e, daqui a uma semana, já devo beber uma cervejinha fresca!! eh eh....

10 de outubro de 2007

Aviso!

À porta de uma biblioteca na pacata vila de Ondjiva vi este aviso! Um aviso sincero e justo! Adoro a calma e o silêncio das bibliotecas, onde me posso sentar e beber conhecimento. Ouvir apenas as folhas a passar e os passos das pessoas a ecoar pela sala…é tranquilizante!

Neste aviso, numa lista de proibições, vemos, nos dois primeiros lugares, alguns objectos muito particulares que não devem fazer parte destes retiros literários. Neste caso, só falta acrescentar uma nota: por favor, seja sincero!!

Já com as mini-saias e “barriguinhas” não concordo…que mal trará ao conhecimento? Então e com tanta intelectualidade, um gajo não se pode distrair um bocado?


Vamos esquecer os erros ortográficos neste aviso, ok? Entraria numa espiral de “Angola no seu melhor” que não faz parte do registo deste blog…seria fácil demais!!

8 de outubro de 2007

BOMBA

De gasolina ou relógio?


Acontece muito, um pouco por todo o território Angolano. As bombas oficiais esgotam os seus depósitos com facilidade. O seu reabastecimento é difícil! Implica que os camiões cisterna percorram centenas de sinuosos quilómetros, dezenas de dificuldades, até levarem a bom porto os seus tanques! Uma das razões de os tanques esgotarem é o “abastecimento”, por parte da população, de bidons. Assim, e fazendo jus ao espírito negociante dos Angolanos, terão gasóleo quando este acabar nas bombas oficiais!

Vendem-no na rua, para safar os carros de médias e longas deslocações. Vendem-no a um preço mais elevado, claro está! Vendem-no nestas condições que se vêem na foto. O resultado é este indescritível e perigoso local, com litros de gasóleo todos juntos e mais uma botija de gás à mistura!! Existe um bombeiro de serviço, é certo, mas tenho as minhas dúvidas quanto à existência de meios!
Abastecemos e rapidamente continuamos o nosso pacífico caminho!

3 de outubro de 2007

Cristo (s) - Rei (s)

Nova terra, novos horizontes, novos desafios!
Encontro-me agora, desde sábado, no Lubango, a 2ª cidade de Angola e geograficamente localizada na Latitude: 14º 54’S e Longitude: 13º 31’E. O Lubango situa-se num planalto, sensivelmente a uma altitude de 1761 metros (referência do aeroporto) e é rodeada por montanhas, fendas, escarpas, etc… É um cenário alpino!
E foi essa a apresentação que eu tive da cidade…chegado no sábado, surgiu, no domingo, a oportunidade de uma caminhada pelas montanhas…aahhh maravilha!!

Não deveria chamar caminhada, mas sim um passeio até ao cume do monte, onde se encontra….ah….espanto…um cristo-rei! Surgiram-me logo duas questões. A primeira é a de saber quantos haverá no mundo, contando já 3…Lisboa, Rio de Janeiro e Lubango! A segunda tem a ver com o falar bem português, saber como se pronuncia a existência de mais do que um cristo-rei: cristos-rei?, cristos-reis?, cristo-reis? Estou certo que alguém desse lado me ajudará… Montanha acima, pela fresca, começa-se a ter uma vista panorâmica da cidade que, com arredores, já tem dimensões consideráveis.
Cerca de 10 pessoas alinharam no passeio, com diferentes ritmos, mas um único objectivo: alcançar o cimo, contemplar de perto o “senhor de braços abertos” e admirar a paisagem, já nocturna, da cidade do Lubango.

Mais fotos da cidade, mais próximas dos objectos, aguardam-se em post’s futuros!

1 de outubro de 2007

O formador que aprende...

A minha deslocação a Ondjiva teve o propósito de dar formação! Aí fui eu, de mochila, computador e folhas para “espalhar a palavra” e dar a conhecer conceitos de topografia e cadastro. Os meus alunos trabalham todos no que aqui se chama administração local…uma espécie de câmara municipal! Trabalham na área do planeamento urbanístico, que tanta falta faz por estes lados…

Encontrei uma desfasagem de conhecimentos dos alunos muito vasta. Aliás, como não podia deixar de ser, espelhando os próprios acontecimentos em Angola e em África em geral. Lidamos com o 8 ou o 80 constantemente, como aliás já se viu um pouco, neste blog, pelos post’s “Extremos…”. É caso para se dizer “tudo é possível”…vê-se de tudo!


Alguns dos alunos têm dificuldade em ler, lêem sílaba a sílaba. Quase todos escrevem muito mal…fazendo uma espécie de reinvenção da língua portuguesa. Maior parte dos alunos nunca ouviram falar nas palavras: topografia ou cadastro. Um dos alunos, no entanto, já tinha trabalhado em topografia…no terreno, com os aparelhos, na construção de uma estrada. Um outro aluno em especial, que é uma lenda viva da topografia…fazia, em tempos idos, topografia “à moda antiga”. Uma topografia que aprendi na faculdade como fazendo já parte da história. Sucintamente fazia-se assim: o topógrafo ia para um local alto e o único material que tinha era papel e caneta. Desenhavam, à vista, tudo o que viam…e a envolvencia ficava assim registada. Depois faziam-se algumas medidas, com fita métrica, para ajustar a relação entre os elementos da superfície. Fantástico ter tido ali um homem que trabalhou desse modo e aprende agora novas técnicas. Escusado será dizer que foi o melhor aluno!!


Outra aluna, uma testemunha da força de vontade, da vontade de aprender. Foi às aulas sempre com a filha ao colo! Uma menina de 9 meses, que na maior parte do tempo dormia ou comia. De facto, foi uma experiência nova para mim. Eis que a minha aluna chega no primeiro dia, filha ao colo, senta-se, ajeita-se, abre o decote, dá de mamar, a criança sorve…e, com os ruídos normais da refeição infantil eu falo…dou a aula (quase normalmente). Não bastava este insólito acontecimento, a aluna ainda se sentava sempre na primeira fila! De vez em quando a pequena Rossana fazia uma birrita, nada de especial. Suspendo a fala, olho para a mãe: “tudo ok?”. Podemos continuar.

No último dia, há um aluno que me diz: “professor, hoje eu terei que sair mais cedo…tenho um trabalho às 15h”. Não me senti no direito de perguntar nada mas, ele ainda assim quis explicar o trabalho que iria fazer. “Vamos ver quem são as pessoas com fome e mais vulneráveis ”. Já que ele disse, eu perguntei, para alimentar a conversa: “…ah ok…e vão lá registar as pessoas? Localizá-las?”. Ele responde-me com muito simplicidade: “não…vamos lá dar de comer!”. Fiquei sem saber o que dizer, fiquei meio atordoado! Sendo verdade o que ele me disse….dá que pensar…PORRA…e eu ali a falar da teoria de não sei do quê!!