Noutro dia fui convidado por um amigo para ir a um churrasco na praia. Uma palhota na areia, a escassos metros da água, brasa acesa e arcas a manter a cerveja fresca. OK. Apetrechei-me com uma caixa de cervejas, cortei um ananás, temperei-o com um pouco de vinho do Porto e aí fui eu. O motivo do evento, soube-o quando lá cheguei, era festejar o encerramento desportivo de uma equipa amadora aqui de Pemba. Tinham sido campeões. Facto para o qual, remota e indirectamente também contribui: joguei num terreno irregular, com areia e pedras, e com fogosidade de contacto físico além do que consigo dar. Contribuição que terminou, de forma sábia, com a minha subsituação ao fim de 20 minutos. Mas o que fica para a História é que joguei à defesa e durante aquele período não sofremos golos!
No convívio na praia só havia praticamente homens. Eu era o único português e dos poucos brancos. Apresentei-me ao dono do local com as cervejas e o ananás na mão. Ele disse: “as cervejas mete-as na arca. O ananás não é para agora. Guarda!”. Discursos, cantigas, cerveja, exibição da Taça, homenagens, cerveja, planos para o futuro, revisão de jogos ou jogadas e muita cerveja. A comida demorou a ficar pronta e quando veio o espírito já estava alegre e os corpos bamboleantes. Foi caindo a noite e a iluminação era escassa, apenas algumas lanternas e os faróis dos carros. Os decibéis de conversação foram subindo, apesar de haver música vinda de um auto-rádio. Não havia oportunidade de dança, uma vez que os pares seriam constituídos apenas por homens. Mas a música tinha presença. Até fui buscar a minha caixa de CD’s e tomei a liberdade de polvilhar alguns momentos com ritmos animados. Alguns jogadores já se abraçavam. Não sei se apenas por amizade desportiva ou se por necessidade de estabilização. Começou a debandada de pessoas e achei que era altura do ananás. Abri a caixa e em minutos desapareceu. Voou!
De repente comecei a ouvir a música da Mariza vinda do rádio. A confusão continuava a ser muita e a decadência tinha-se instalado. Tropecei num gajo que estava no chão. A dormir, pensei eu. Não. A vomitar, constatei depois. Como o álcool não chega de forma igual a todos, já havia quem discutisse de forma vigorosa. Arrastavam-se os criadores de confusão para o próximo carro que partisse dali para fora. Davam-se sermões de moral aos que ainda mostravam alguma consciência. O presidente da tal equipa perguntou em voz bem alta: “quem pôs este CD?”. A pergunta vinha num tom de quem já tinha feito a pergunta várias vezes e não tinha conseguido romper o ruído em redor para se fazer ouvir. Eu já não conseguia ver o senhor que tinha posto o CD e ele próprio não se acusava. Eu não tinha posto, mas o CD de facto era meu. Naquele contexto não sabia bem o que fazer. Mariza estava muito desenquadrada daquele ambiente, disso não havia dúvida. Poucos seriam os que estavam aptos a apreciar. Timidamente disse: “bem, o CD é meu, mas…” e fiquei na expectativa, como um guarda-redes segundos antes do penalty: para que lado irá a bola? Se eu acertar o lado, soco a bola ou agarro-a? Ele olhou para mim e de imediato perguntou:
- Como é que te chamas?
- André. – disse, seco, sem saber o que aí vinha
- André, o fado toca-me. Fico muito sensibilizado quando o ouço.
Ufa, acertei no lado da bola e encaixei-a mesmo junto ao peito. Se há respostas inesperadas nalguns momentos, esta foi uma delas. Como é que naquele ambiente alguém tinha o sentido da audição apurado e com a alma receptiva a ouvir fado? Fiquei a olhar para ele, com meio sorriso na cara, resultado de satisfação e espanto. Ele disse, com o peito a suspirar: “Isto é lindo. Gravas-me um CD?”. Com certeza, respondi eu. No dia seguinte entreguei um CD de Mariza ao presidente da equipa, claro…