31 de dezembro de 2010

Sócio correspondente


Conheci em Mocímboa da Praia, uma terra lá distante no norte de Moçambique, que fica um pouco depois do longe, um sócio correspondente do Benfica. Um senhor que, assim que me viu, diagnostiquei-lhe uma imensa curiosidade em me conhecer. Mulato escurecido pelos anos de sol a que tem estado exposto. Cabelo todo branco e movimentos calmos. Olhos misteriosos, seja pela cor, pela fustigação de cataratas ou pelo brilho, mas sem dúvida meigos, contagiantes. Sorriso sempre presente na cara. Perguntou-me o nome e começámos a falar. Disse-me que ele tinha trabalhado com portugueses, que ele tem a 4ª classe mas ainda hoje, com quase 70 anos, é um homem da confiança das contas do Município, que levou porrada da PIDE, que esteve preso várias vezes. Nunca lhe senti rancor pelos portugueses, pois trabalhou e é descendente de, mas assumiu-se abertamente como nacionalista, Moçambicano, bem se entenda. E essa faceta transparece, ainda com a força jovial de outrora.

Com muito orgulho explicou-me que era sócio do Benfica. Como sabem, não são as minhas cores, mas a hostilidade clubista não estava nos meus planos perante aquele homem. Mas, cá para mim, pensei, como se pode ser sócio de qualquer clube, neste local remoto, ainda por cima tendo a sua sede a mais de 10 mil Km de distância? Não lhe disse nada, claro, mas talvez as minhas franzidas sobrancelhas lhe tenham segredado em silêncio o meu cepticismo. Prometeu-me que no dia seguinte traria o cartão de sócio. E trouxe.

Não aguentei. Confessei-lhe que sou do Sporting, mas isso não travou, nem por um segundo, o seu brilhar de olhos e orgulho em me mostrar a caderneta com o cartão. O documento foi emitido há 48 anos e permanece imaculado! Sabe de cor o nome do presidente que assinou o cartão na altura.

Mas afinal que coisa é essa de sócio correspondente? Explicou-me que pagou as quotas, de 1962 até 1974. Cinquenta escudos anuais, que ele depositava nos correios locais, para chegar ao cofres da luz. Quota que estava sujeita a uma taxa de envio, mas nem consegui perguntar de quanto, tal era o meu espanto com o ridículo valor da quota. Explicou-me que tinha direito a assistir a 4 jogos anuais de graça, e ainda não os usufruiu, mas pensa usufruir ainda! Isto já fará parte do delírio de um homem que, se calhar, nunca mais irá a Portugal e, mesmo que vá, irá deparar-se com outra realidade, pois isto do sócio correspondente acabou e não há lugar para bilhetes retroactivos.


18 de dezembro de 2010

Nanjua das cobras


A caminho das quedas de água do rio Lúrio, no meio de muitas aldeias de palhota, numa quase estrada feita por muita terra batida, alguém do grupo tinha ouvido falar de um senhor que fazia criação de cobras! Fomos à procura. Movidos quer pelo entusiasmo, quer pela curiosidade íamos perguntando, com as poucas referências que tínhamos: o senhor das cobras? Com agrado fomos sendo sempre esclarecidos e encaminhados. Parámos onde o caminho acabava e previa-se, a partir dali, uma caminhada a pé. Avisaram-nos que não iríamos ao encontro dele. Ele viria a nós. Combinado. Mas como será esse senhor? Porque fará ele tal coisa neste local? Como lida ele e a população com as cobras? Algumas das perguntas que circulavam na minha cabeça enquanto aguardávamos, ali, no mato.

Foto: Mariéme

Chegou, com um ajudante e os répteis na mão para que não houvesse mal entendidos. Era ele mesmo. Notoriamente agradado pela nossa presença, apresentou-se: meu nome é Nanjua (qualquer coisa). O qualquer coisa aqui é um apelido bem local que me fugiu do ouvido. Não sei se pela rapidez com que disse, se pelo meu imediato desvio de atenção para as cobras. O ajudante carregava um caixa de madeira com conteúdo desconhecido e envergava uma atitude bastante cerimoniosa.

- Que língua vai falar, Sr. Nanjua?

- Falo o que quiserem, Português ou Macua.

Mas o Português dele saía a conta gotas, com muitas dúvidas nalgumas palavras e o Macua (dialecto local) fluía de forma natural. Está visto que o senhor foi amável, mas o Português dele era mais por simpatia que outra coisa. Falou Macua e tivemos tradução…

Foto: Romina

- Sr. Nanjua, porque faz criação de cobras?

- Porque sou artista. Porque quero preservar as cobras e, quem sabe, usá-las para algo.

- E quantas tem?

- Cerca de 35.

- Todas em casa?

- Não…elas só vêm à noite. De dia passeiam.

- QUÊ?? – o pensamento de muitos fez-se ouvir pela voz do espanto.

- Sim, elas de dia vão à vida delas, e voltam para minha casa à noite. Até tinha uma muito bonita, grande, para vos mostrar, mas não regressou ontem à noite…ainda por cima ainda não lhe tirei o veneno.

Foto: Rebeca

O grupo, em orquestrado riso nervoso, deu um passo atrás e começámos a desconfiar do capim, dos troncos, do Sr. Nanjua. Mas olhando à volta via muitos pés descalços, destemidos, a pisar o solo. E, pensei, se tal cobra aparecer, em vez de morder alguém, rastejará directamente para os braços do nosso domador de cobras.

- A população não se queixa, Sr. Nanjua?

- Agora já não…agora conhecem as minhas cobras e as que não conhecem avisam-me para eu ir buscá-las.

- AAHHH…que bela participação social. Tem sempre o apoio das pessoas, então?

- Nem sempre. Ao início eles chamavam-me de maluco. Mas eu explicava-lhes que não sou maluco. Dizia-lhes que um dia viria alguém para ver as cobras e talvez fazer algo com elas. Vocês são o primeiro grupo que recebo.

Foto: Mariéme

Explicou-nos como lhes tira o veneno e o guarda em frascos. Com essa demonstração foi furiosamente mordido, fazendo sangue. Explicou-nos que a caixa de madeira serve para as transportar e ir mostrar na aldeia aos curiosos. Explicou-nos que muitas vezes transporta-as no bolso do casaco, porque elas gostam mais! Explicou-nos os diferentes tipos de cobra que tem. Explicou-nos que vai continuar a coleccionar cobras e deixou no ar um pedido para que a publicidade fosse feita e se se pensasse nalguma solução para o veneno.

- Mas olhe que as suas cobras estão bem gordinhas, hã?

- Claro. Durante o dia comem ratos e à noite dou-lhe xima.

- DÁ XIMA ÀS COBRAS?

- Sim, só para reforçar a alimentação delas…

Não senhor Nanjua, você não é maluco. Você tem é um gosto muito peculiar…num local pouco apropriado para o ter. Só isso. PARABÉNS!

Foto: Mariéme

10 de dezembro de 2010

Quedas do rio Lúrio

Aguardem só pela época depois das chuvas...