4 de agosto de 2012

Festival do Ibo



A chegada à ilha do Ibo só se pode fazer duas vezes por dia, nas marés cheias! Nas marés vazias a água foge e só deixa a descoberto uma extensa área de mangal. Os barcos não conseguem chegar perto, nem dum lado, nem de outro.



Quando a água sobe e, à falta de um pontão, caminha-se até ao barco, gingando por entre o lodo que nos vai massajando os dedos dos pés. Dependendo da maré e da fase da lua molhamo-nos mais ou menos...mas garantidamente teremos água, pelo menos, até aos joelhos. Da última vez foi até às coxas, obrigando a uma gradual passagem dos pertences dos bolsos dos calções para cima.


 


O barco faz parte da carreira normal de transportes e leva de tudo: cabritos, motas, combustível, comidas. Fica ainda espaço para pessoas e bagagens... 

Em linguagem técnica posso garantir que o barco viaja seguramente com calado máximo. Mas não é alarmante porque geralmente existe um membro da tripulação cuja função é tirar água do barco com um balde, do princípio ao fim da viagem!




Um ano e meio depois de termos estado no Ibo, duas observações:




Algo que se mantém: a navegação lenta e elegante dos barcos à vela na beleza dos mangais ao pôr-do-sol, ao nascer do sol ou durante o dia, ornamentados com a variação das nuvens e iluminações.




Novidade: electricidade! Até há cerca de seis meses o Ibo vivia à base de geradores ou em absoluta escuridão na sua ausência. Agora há iluminação pública...um feito que, inevitavelmente, vem mudar a vida das pessoas e da própria ilha...

Era fim-de-semana especial, pois festejava-se o dia do Ibo. A confecção da comida pode levar à vontade hora e meia, mas em vez de reclamar, tem que se criar estratégias de espera...e ajuda muito!




Quando a comida chegou demos a espera como compensatória. Caranguejo com uma matapa deliciosa e xima a acompanhar.




As joias do Ibo são uma arte local e tradicional que dá gosto ver. Com métodos bastante artesanais e uma paciência invejável fazem, posso dizer, obras de arte em prata. 


Seja a preparar a solda em cada pedaço minúsculo, seja a fundi-los ao sabor do sopro ou a, no quadro final, encaixar todas as peças para dar colares, brincos, anéis, etc... É feito pelos mais velhos e poucos são os jovens a pegar na arte!



Em dia de Ibo nada melhor que ir à bola. Era dia de derby: Desportivo do Ibo contra Desportivo de Mocimboa da Praia. Foram até estes últimos a começar melhor, marcando um golo e gelando as bancadas. O campo é rodeado de palmeiras e a relva está em razoável estado.  


A massa de adeptos ia puxando, puxando até que a equipa da casa reagiu e marcou. Tensão na parte final do jogo com um empate a 2 bolas. O lance que deu o terceiro e vitória à equipa da casa foi quente e infelizmente não consegui ver, seja pela multidão que tinha à frente, seja porque os ecrãs gigantes não estavam para passar a repetição.


Sei que o homem que fez o golo foi expulso e orientado, tanto pelo árbitro, como pelo treinador, a recolher aos balneários. Mas os adeptos não deixaram! Pegaram-lhe ao colo e passearam pelas bancadas e parte lateral do campo, mostrando o herói da tarde...


A regata de São João, um momento delicioso que celebra o dia do Ibo, é feita com barcos tradicionais, à vela, chamados dáus (numa adaptação pessoal da palavra). Barcos que estão habituados a outros ritmos e competições, nas rotinas pesqueiras, preparam-se a preceito. Nos dias antecedentes levam uns retoques de pintura e arranjos na estrutura do mastro. No dia da prova carregam-se sacos de areia para aperfeiçoar a aerodinâmica.





Audiência fora e dentro de água, com manifestação de alegria por parte de peixes saltitantes a atropelarem-se para conquistar os melhores lugares...




Ao sinal de partida começa a cerimónia. Içam-se as velas e numa marcha lenta e silenciosa ali vão os dáus galgando as ondas e lutando pacificamente pela liderança.  Mas esta “simples” chegada obriga a uma mudança brusca de direcção...o que na navegação ao vento quer dizer baixar as velas, mudar leme e pessoas para contrapeso, parar quase por completo o barco, içar novamente as velas e arrancar para a meta. Este pormenor faz da regata de São João uma corrida com todos os ingredientes, incluindo uma acesa disputa na recta final.





Andam até uma bóia colocada no mar e regressam. A meta é na praia, para que não haja subjetividade dos juízes. Mas esta “simples” chegada obriga a uma mudança brusca de direcção...o que na navegação ao vento quer dizer baixar as velas, mudar leme e pessoas para contrapeso, parar quase por completo o barco, içar novamente as velas e arrancar para a meta. Este pormenor faz da regata de São João uma corrida com todos os ingredientes, incluindo uma acesa disputa na recta final.


À noite tivemos o prazer de ver a dança de Mapico, tradicional entre o povo Maconde, do norte de Moçambique. Uma dança que só pode ser feita por homens. Acompanha uma orquestra de tambores furiosos e violentos que provocam à dança o homem e a máscara. O homem joga com as pernas ao som do ritmo e, por seu lado, também provoca os rufos a outras batidas. É firme nas pisadas que dá no chão e o corpo parece ter partes independentes. Volta e meia aproxima-se, inexpressivo, e dança à nossa frente de forma frenética. A máscara é estática, claro! Olhos esbugalhados com uma ponta preta a simular a iris. Demasiado artesanal para parecerem verdadeiros, mas deixam-nos a pensar e às vezes damos por nós a fitá-los. Boca aberta com os dentes separados e umas pinturas no topo que fazem o couro cabeludo. Algumas têm cabelos verdadeiros e dentes de esmalte. É aí que, a meu ver, as máscaras passam a fronteira do entretenimento e exploram outras crenças, em que não acredito, mas respeito


Os motivos da dança podem ser simples, ou mais complexos, desde a época de colheitas, ritos de iniciação ou o chamamento de espíritos antigos. Estes últimos são geralmente feitas à noite e proporcionam um assustador rufo de tambores e coros a acompanhar. Nunca tive oportunidade de ver, nem sei se quero ter. Por uma única vez (em 2000) ouvi uma cerimónia do género e ainda hoje me arrepio quando me refiro a ela. A mim parecia-me o ronco dum vulcão, cuja a luz trémula também se via, vinda da cratera da cerimónia...