28 de fevereiro de 2008

Olá?

Há um fenómeno estranho aqui em Luanda. Tenho notado o mesmo fenómeno noutras partes de Angola, mas pelo facto de Luanda ter cerca de 5 milhões de pessoas (ninguém sabe ao certo!), há mais impacto no acontecimento.

Ao cruzarem-se em Luanda, há uma tendência para os brancos se entreolharem na expectativa de se cumprimentar!

É como estarmos numa qualquer aldeia em Portugal em que, por sermos poucas pessoas, inevitavelmente temos tendência para nos cumprimentar. Nos tempos mais modernos, no entanto, já há alturas em que hesitamos! Será foleiro? Será antipático? Eu cumprimento sempre. Mas aqui em Luanda? Cidade enorme que fervilha de agitação!? Cidade onde se encontram quase metade das nacionalidades mundiais!? Cidade onde essas nacionalidades se fundem, de diferentes maneiras com os Angolanos…e as Angolanas, bem entendido!?

É como passarmos por alguém que já não vemos há demasiado tempo para nos lembrarmos de onde a conhecemos. Quando os olhares se cruzam…e prendem…ficamos na duvida se acenamos ou não!

Que tipo de cumplicidade é esta aqui em Luanda?...que não compreendo nem gosto! Parece-me a mim um mundo paralelo, à parte do mundo Angolano, onde, afinal, todos escolhemos viver. Do outro lado do olhar pode estar um norueguês, um australiano, um russo. Qualquer nacionalidade que me diz menos do que qualquer Angolano, às vezes tão parecidos com os Portugueses. Pelo incontornável passado, considero um angolano mais “povo irmão” do que um russo! Então Portugueses e Angolanos deveriam acenar também, reflectindo esta cumplicidade…mas isso seria cansativo sim…sem dúvida!!

Não querendo ser extremista: ou não aceno a ninguém, ou aceno a todos…e não faria mais nada na vida! Estou fora deste “jogo” do desconhecido amigo branco cúmplice.

25 de fevereiro de 2008

Matemática?

Numa província de Angola, aproximamo-nos de um grupo de miúdos, idades não superiores a 12 anos. Desconfiados mas receptivos…vão-se escondendo os mais novos por trás dos mais velhos. No mundo deles, deve parecer estranho, dois brancos a abordá-los! Risos nervosos, sorrisos a aparecerem…

- Olá, então como estão?
- (risos)
- Estão a apanhar fruta?
- Sim…
- Podemos provar?
- Sim…..(risos)

São bem tímidos, sim…como seria de esperar!

- Olhem…e vocês não têm escola?
- Só de manhã…
- E qual é a disciplina que gostam mais? (pergunta da praxe)
- Português, trabalhos manuais, estudo do meio, etc…..
- Então e Matemática (o bicho mau)?
- Matemática??? NÃO!!!! Que horror!!!!
- Mas a matemática é tão importante…é uma ciência muito útil, sabiam?
- (Silêncio, olhando para nós na expectativa de desvendar-mos onde seria útil essa tal matemática)
- Olhem…a matemática permite-vos lidar com números, fazer contas…até para mexerem em dinheiro e tudo!!

Rapidamente o mais velho empolgou-se…atropelou-se na fala e com sorriso de troça disse:
- AAHHH NÃO…isso não. O Angolano não precisa de matemática para mexer em dinheiro. Um Angolano, com notas, não se engana nem num cêntimo…

19 de fevereiro de 2008

Presentinhos...


Sorrio em antecipação!

A cidade de Luanda está cheia de “presentinhos” prontos a desembrulhar…
Os presentinhos são novos sinais de trânsito. É sabido, já há alguns meses que o sentido das ruas desta cidade vai mudar! O projecto é ambicioso. Vão trocar, renovar ou implantar sinalização de todas as ruas do centro de Luanda! Ruas de dois sentidos passam a um. Onde se pode virar, vai deixar de se poder. Surgem mais sinais de prioridade, etc… A nova sinalização, pouco coberta com uns panos, deixa antever a nova fluidez do tráfego.

O transito nesta cidade é mais assustador e complexo que o caos! Caos é o desgoverno, é a aleatoriedade dos acontecimentos, muitas vezes, maus. O trânsito aqui é a selva!! Cada um por si…

Calculo que esta mudança de sinais tenha como base a preocupação de fluência rodoviária. Não me compete a mim avaliar essa decisão, até porque não conheço TODO o projecto e não sou um estudioso da coisa. Tenho, contudo, a minha opinião (claro) como bom português que opina sobre o que sabe e o que não sabe. A meu ver teríamos que começar por tirar a carta a metade destes condutores. Os que conseguissem ficar com carta, seriam pulverizados diariamente com pozinhos de bom senso. Teríamos que instruir devidamente os polícias de trânsito e fazê-los respeitados no terreno. Teríamos que arranjar os bur…as crateras destas ruas. Seria um começo… Mas este post não serve para isto, porque como comecei por dizer, não sou eu que tenho o projecto na mão.
Este post serve para levantar uma dúvida sobre os presentinhos. Será que vão desembrulhar tudo no mesmo dia? Só de pensar nesta hipótese até fico assustado!! Na bela manhã do dia seguinte os automobilistas seriam recebidos por uma cidade virada do avesso. As ruas transformar-se-iam em labirintos para quem faz o mesmo caminho diariamente… Buzinas, pequenas e médias colisões (porque com a velocidade deste trânsito excluem-se as grandes!), insultos…imagino que será o resultado! Toda a gente sabe o impacto que tem a mudança de UM sinal de trânsito, não é? Já sucedeu a todos: “olha…aqui passou a ser proibido virar! Ora bolas…como faço agora?”. Imaginem uma cidade inteira nisto! Haverá pessoas perdidas durante dias, haverá ruas de três sentidos que, para quem não sabe o que é, é muito frequente em Luanda.

Alguns sinais parecem estar já a descoberto. A questão é: “já está a contar?”. Pelo que vejo não! Senão não haveria uma rua de sentido único com proibição de…sentido único!!
A falta de informação está neste momento a levar a uma descrença dos sinais de trânsito! “Tá bonito, tá!”. O que sucede agora, com estes sinais novos…ou direi no intermédio…ou direi destapados pelo vento, enfim…seja como for…ninguém lhes liga nenhuma.


Muito comum dentro de um carro:
- Epa, por ali não se pode virar…
- Vira na boa, que isso é dos sinais novos…

Outro fenómeno, no mesmo contexto, é o aparecimento de nova sinalética. Mais adaptada ao trânsito local, mais acessível aos condutores africanos, mas expressiva…ou terá sido montado à pressa?
Mas quando começa mesmo a valer pá? Quando se fará o “1,2,3…tá a valer!!”?
Até lá, Srs. Bate-Chapas, vão esfregando as mãos…

12 de fevereiro de 2008

Entrudo ou intruso?

O Carnaval celebrou-se na passada terça feira. Luanda, como um grande número de cidades mundiais, festejaram o Entrudo. Numa das rádios locais anunciavam: “Carnaval: a maior manifestação cultural do país!”, “Venha à marginal ver os festejos”.
Ora aí está um excelente passeio, pensei eu, uma experiência nova e um motivo de “reportagem tertuliana.” Deixa-me lá ir espreitar…

15h30 – Ora aqui estou eu. Nunca tinha vindo à marginal, em pleno dia, a pé. Que bela oportunidade para passear. Vou andando, pelo lado exterior, junto à água, até lá ao fundo a ver o que se vai passando. Uma cervejinha, uma foto, outra foto. Epa…isto está animado, grande pinta! Vou até ao local das bancadas para perceber o esquema.
Reparem bem neste artista. A bicicleta simplesmente não tem a roda da frente!

Bolas, esta malta por aqui está muito, mesmo muito animada…diria eufórica! Olha o pifo daquele? Irra…E aqui?, tanta gente? Mas isto está tudo bêbedo? Bem mais concentrado aqui…já não tenho tanto espaço para andar. Olha-me estes gajos….andam atrás de mim? Epa, porra…estão a encurralar-me! Deixa-me segurar bem na bolsa da máquina fotográfica. Ai, ai…o que é que este quer? Não estou bem aqui…

16h15 - Deixa-me sair daqui e RÁPIDO. Acelero o passo e não olho para trás!! Olha só estas figuras? Esta malta está…está…anda rápido pá!

Agora é que noto…está um calor terrível! Sombras, onde andam vocês? Nada?....arcadas então! Afinal, estava mesmo a derreter de calor e que experiência aquela. Se eu ficasse ali…bem…nem vale a pena pensar…olha, mais branquinhos aqui à sombra! É não, é? Um bafo que nem deixa respirar…mas é melhor ficarem por aqui…não se aventurem muito!

17h - Bom, parece que está a começar o desfile. Viesse uma hora mais tarde e seria perfeito, mas enfim! Vou então experimentar avançar um pouco mais, mas agora pelo lado interior da marginal.

Olha, estás a ver André, aqui há famílias e tudo, olha aqui um segurança, mais uns estrangeiros a tirar fotos….sim senhor, assim sim! Até merece uma bjeca.
- Boa tarde, é uma Cuca se faz favor.
E aproxima-se um gajo, com os decibéis vocais muito alterados pelo álcool:
- Cumé branco? Paga aí umas birras…paga 8! És branco, tens dinheiro…e não pagas? Tu não és da minha cor…paga aí pá!

Será que mando este gajo à merda ou começo por lhe explicar que o sangue que corre nas veias de ambos é vermelho? Olhei à volta. Epa…isto é só pretos…é melhor não esticar a corda!
Fui embora…e ele ficou com o troco que dava para uma cerveja, claro!! A malta que tinha que me dar o troco devia estar a desenhar a nota…e à MÃO!! Demoraram o tempo suficiente para eu ser humilhado e chateado…

17h30 - Bem, o melhor é afastar-me daqui porque não me interessam amizades com aquele C#2%§&.

Olha outra fotita aqui. Mas isto está muito mal organizado pá!!! Estranho…os concorrentes acabam o desfile onde lhes apetece…Passam a zona das bancadas e deixam de dançar. Compreendo que esteja calor, mas…olha aquela malta?! Acabam o desfile e sentam-se na estrada a beber Cucas… Bom, deve ser uma espécie de tradição, ou assim…um “hábito local”.


Parado aqui chamo muito à atenção…já estou a ver muita malta suspeita a chegar-se perto! Bem…vou andar um pouco e ver se tiro mais fotos…

Uns metros mais à frente havia uma esplanada, com entrada limitada, com vários seguranças e cheia de brancos. Pois, agora percebo este aparato! Não sabia que era preciso uma fortaleza destas para assistir ao Carnaval, mas cada vez compreendo melhor que afinal… Mas eu não! Eu vim para me fundir na multidão, sentir as vibrações mais puras, para tirar fotos e levar a história até à Tertúlia. Olha ali mais à frente parece um bom local.

17h45 – Mas, é impressão minha ou estou a ver este gajo com ar de bandido há vários minutos? É que como eu tenho estado sempre a andar, é uma coincidência estranha que ele faça o mesmo trajecto!! Mas…para onde é que ele está a olhar? Para as cinturas de todas as pessoas, em jeito de perdigueiro. CLICK Este gajo está MESMO a ver o que pode puxar…

Voltar para trás então! Tentar despistar este caçador!

Entretanto aproximam-se de mim dois rapazes. Um de cada lado e o da direita pergunta:
- Qual é o nome do grupo que está a desfilar?
Caro amigo, e eu com um olho para cada lado, esse truque é muito comum e está suficientemente difundido para me tomares por parvo!
- Epa…não sei bem o nome mas espreita ali…olha levam uns cartazes…
Eles, querendo disfarçar, olharam para os cartazes, concentrados, e eu aproveitei e fiz a “revienga”: dois passos para trás e vinte bem rápidos para o lado!

18h – Sinto-me numa arena de crocodilos e vai ser uma questão de tempo para me assaltarem mesmo! Porra…vou para casa que já é hora! A experiência está vivida, sobrevivi, não fui assaltado nem espancado e tenho algumas (poucas) fotos. Amanhã trabalho…UFA!

Ficam as imagens da marginal, ao fim da tarde, cheia de gente. A festa ainda continuou noite dentro, mas como devem calcular, não tenho pena de não ter ficado para assistir. A marginal que muda de horizonte com grande rapidez. Em apenas alguns meses têm vindo a surgir edifícios enormes, principalmente para escritórios. A velocidade de crescimento é tanta que, basta uma ausência de 1 a 2 meses para ver mais um edifício pular da terra…


Se esta é a maior manifestação cultural do país…o país está mal! Acredito, no entanto que 70% das pessoas que lá estavam não reflectem 70% do país… Muitos angolanos disseram-me (depois!!) que não vão à marginal no Carnaval. “Não tenho pachorra”, “É grande confusão”, “Muitos bêbedos”. Compreendo isso tudo…mas quem faria a reportagem tertuliana? Uma boa percentagem dos presentes tem défice de formação pessoal e vive, obviamente, problemas sociais graves. O fosso social em Angola é evidente, como já tive oportunidade de ir referindo neste blog e, nestas manifestações culturais, o fosso vem à rua…aos olhos de toda a gente.


8 de fevereiro de 2008

Fazer praia...

Aqui em Luanda tenho alguma dificuldade em encontrar uma praia…uma verdadeira praia!

Aqui, em geral só há duas hipóteses:

- a primeira leva-nos à ilha de Luanda…muito próxima da cidade, diria mesmo que se funde com esta! A opção aqui é estacionar nalgum bar fashion, obrigado a sentar numa mesa ou deitar numa cadeira. Fortemente incentivado a consumir. Contornar dezenas de pessoas, desviar o lixo da praia, evitar que uma bola nos atinja e….finalmente chegar à água. Água que por vezes nos recebe com lixo flutuante, ou mesmo creme oleoso. Com o trânsito petrolífero nas redondezas, surge por vezes, na água, aquela camada oleosa que faz parecer a água mais calma e mais colorida! Agradável para uma cerveja da tarde, talvez um banho, quando a água permitir… Não para fazer praia!

- a segunda é afastarmo-nos da cidade. Acarreta o pesadelo do trânsito, tanto à saída como à entrada! Ao sair da cidade, não há, naturalmente, indicações de muitas praias. Quem espera pelos avisos: “Praia da Palmeira, bandeira azul e serviço de snack-bar”, “Areal miragem, água rejuvenescedora” ou “Banhos de argila nas falésias Palanca” é porque está perdido…no país e em grande parte deste continente! O desafio aqui é descobrir…arriscar! Ao longo de quilómetros, mesmo que vejamos a praia…não sabemos se há caminho, se o caminho é fazível para o tipo de viatura que se tem, etc… Resultado…todos rumam para praias mais conhecidas, mais comerciais, em que a publicidade passa de boca em boca. Praias que têm uma filosofia que não gosto! Mesas, refeição, bancos! NÃO! Montes de gente, “luta” pelas mesas, ouvir o vizinho a ressonar… NÃO! Engraçado para um passeio, petiscar algo em tempos não veraneantes…. Não para fazer praia!

Por isso mesmo, no fim-de-semana passado, apetrechei-me da logística necessária e….fui à descoberta! Como logística leia-se: geleira, cervejinha, sumos, sandochas, frutas, protector, chapéu-de-sol.

Passeando ao longo da costa e “cheirando” a beira-mar, queria descobrir uma praia mais à minha maneira. A 60 Km de Luanda, um chamariz de praias começam a acenar que estou perto… Primeiro caminho….impossível! Segundo caminho tem cada cratera que até um unimog iria ter dificuldades. Terceiro caminho…uma estrada de brita, lisa e com caminho até à areia….aí fui eu! E meus caros, não querendo de maneira nenhuma fazer inveja, partilho com vocês o que descobri:

- Um parque de estacionamento livre, espaçoso.

- Um areal deserto imenso. Com algum lixo, é certo…restos trazidos pelo mar, mas também não há bandeira azul…
- Vizinhos do lado direito a, pelo menos, 100 metros. Vizinhos do lado esquerdo...não havia!

- Vizinhos da frente, apenas uma população de caranguejos. Mas estes não causaram problemas, não fazem muito barulho e tal, mas….principalmente, não comem as sandes nem bebem as cervejas! ...e fazer praia é também ficar até ao fecho. É aproveitar enquanto há luz do dia...

6 de fevereiro de 2008

Desporto


Numa escola, em condições lentas de recuperação, passam-se manhãs de Domingo em pleno desporto. Basket e futebol, em campos espalhados, uns melhores, outros piores e outros ainda improvisados…

A partir da hora combinada, 9h da manhã, começa a atrasar-se a chegada dos jogadores. Noites bem dormidas, mal passadas, acompanhadas ou incógnitas juntam-se ali, com um propósito…correr um bocado e dar pontapés na bola!

Sobre algumas adversidades naturais…remedeia-se…
Na ausência de balizas completas, há um responsável que traz as redes…montam-se antes do jogo, desmontam-se no fim.
Sob o mau piso há que realçar a vontade e algum talento que se vai descobrindo por aqui…

Para dar um ar sério ao evento, há apito e cronómetro. Todos os jogos são julgados por um árbitro amigo. Como é normal nestas coisas, há sempre discussão, mas prevalece sempre a decisão do soberano júri. Sob pena de expulsão…um minuto fora, cumprido à risca!

Três bolas “jogáveis” podem parecer exagero, mas como a rede de campo, quando existe, está cheia de buracos, a bola de jogo “voa” muito. Assim, há sempre bola em jogo e quem está fora, das três uma, ou é assistente, suplente ou apanha bolas.

A cereja no topo do bolo é a coloração das camisolas que cada equipa tem. 4 equipas, 4 cores. O chantily em cima da cereja no topo do bolo é que, a mim….calhou-me a camisola verde!!