28 de janeiro de 2022

Vou com medo, mas vou!

Acampar não era uma novidade, mas acampar directamente na praia em modo selvagem era uma nova aventura para os meus filhos.

Para introduzir esta aventura à Bia e ao Leo decidi que montaríamos a tenda na praia ao final do dia, perto de casa, a poucos metros da água, de maneira a termos um harmonioso som de fundo durante a noite.


A montagem da tenda decorreu com envolvente entusiasmo, analisando em conjunto o melhor local, avaliando vista, segurança, protecção do vento, entre outras variáveis. Sim, costumo ser meticuloso na escolha do local de montagem da tenda e quero ver se ele absorvem algumas das técnicas. A Bia enchia o colchão, o Leo garantia a solidez da estrutura.




O local da tenda dificilmente seria melhor. 



Como se tratava de um exercício introdutório ao acampamento selvagem, recolhemos a casa para jantar e lavar os dentes.

À noite reunimos a logística necessária: cobertores, lanternas, livros e fato de banho para o mergulho matinal do dia seguinte. O entusiasmo continuava, até ao momento de sair de casa, deixando a iluminação e o conforto. 



Quando abrimos a porta a Bia apercebeu-se que as escadas que, de dia, nos levam à praia, agora pareciam um caminho demasiado abrupto para o abismo. Assustou-se com o pequeno raio de iluminação da sua lanterna, deixando enorme margem ao desconhecido. Lançou um alerta de pânico e regressamos todos a casa agarrados à nossa logística.



Em casa, durante a negociação que tivemos, quis entender o receio dela, mas não a deixando desistir da aventura. Ela dizia que a tenda estava muito longe, mergulhada num escuro assustador. Eu respondi que sim, tirando o “assustador”. Ela nomeou uma lista (impressionante para a idade) de potenciais perigos. Relaxei-a em relação a isso, pois conheço o local, consultei ventos e marés e o cenário previa-se tranquilo. O Leo aguardava apenas o veredicto, ainda agarrado à logística, querendo perceber onde poderia explorar os livros com a sua lanterna.

Como último argumento disse-lhe, numa espécie de psicologia inversa: “Se tens medo, não vale a pena insistir. Podemos ficar em casa e amanhã desmontamos a tenda”. Ela respondeu: “papá, eu tenho medo, mas vou!”

Dentro de mim explodiram fogos-de-artifício de flores coloridas. Percebi que naquele momento a Bia tinha crescido um pouco mais, entendendo o seu medo e mesmo assim mostrando-se disposta ao desafio. Por fora coloquei o ar mais neutro que consegui e reforcei:

   - Tens a certeza Bia?

   - Sim papá, vou com medo mas vou…

Aí fomos nós, eu a vibrar com a experiência que estava a dar aos meus filhos, a Bia a enfrentar os muitos medos do escuro e o Leo a descobrir o que se via durante a noite com a lanterna.

Já na tenda, numa noite particularmente escura, encontraram a segurança no raio de luz das lanternas, habituando-se ao facto que o que não se vê não é relevante. Mergulharam no desconhecido com a sua zona de conforto iluminada. 



Na tenda lemos livros e rimo-nos de nós próprios com a logística que tínhamos levado. Querendo jogar pelo seguro, tínhamos levado cobertores, meias e pijamas que começámos rapidamente a descartar. Bia e Leo dormiram profundamente. Aqui que ninguém me ouve, confesso que demorei mais tempo a adormecer, descartando internamente todos os potenciais perigos de maneira a adormecer tranquilo e garantir segurança à expedição.

No dia seguinte, acordados pelo sol que já nasce quente no horizonte, quis mostrar-lhes a vista maravilhosa da nossa janela à beira mar.



Os sorrisos deles valem todas as palavras que poderia escrever…




11 de janeiro de 2022

Magia de África

Talvez o título tenha uma dimensão a que o texto não faça justiça, mas é um assunto que devo falar aqui. A magia de África está presente todos os dias, mas nem sempre é fácil verbalizar. São coincidências felizes que trazem uma solução inesperada. Um balanço positivo naqueles cenários mais hostis, onde o final menos feliz é quase certo.

Esta história passa-se numa estrada, para lá do muito longe, a caminho duma terra distante. Uma daquelas estradas onde se pode conduzir durante várias horas sem ver qualquer outro carro. Como essas estradas normalmente não são de alcatrão, habituei-me a conduzir com a tração do carro ligada às 4 rodas, para melhorar a aderência à areia, lama ou gravilha, conforme o caso.

Como o fabricante garantia que podia usar o 4x4 até aos 100Km/h, a condição era mais do que suficiente porque os 70Km/h já eram uma miragem. Nunca me dei mal…até um certo dia.

Já ia com 2 horas de viagem, sem ver qualquer carro, e começou-me a cheirar a queimado…intenso, mas sem fumo. Os meus conhecimentos de mecânica não vão muito além da óptica do condutor, por isso, naquele cenário, comecei a ficar preocupado. Uma avaria séria ali significaria dormir no mato e caminhar durante horas para ter rede de telemóvel e pedir ajuda. Ajuda que chegaria, na melhor das hipóteses em 24 horas.

No painel do carro tudo normal. Comportamento do carro normal. Cheiro não desarmava.

Quando pensei em parar, para fazer não sei muito bem o quê, vejo uma mini bus parada na berma da estrada, a pedir ajuda. Nem pensei em esquema. Aquele lugar era demasiado remoto para alguém estacionar e esperar um golpe a um carro que podia demorar vários dias a passar.

Naquele lugar remoto o instinto é ajudar. E assim fiz. Nem pensei na remota probabilidade de estar perante outro carro. Senti que estava a ser assistido pela Magia de África, não havia dúvida!

O senhor veio à minha janela a pedir boleia para ir buscar combustível e enquanto falávamos ele detectou o cheiro. Disse-me “o teu carro cheira muito mal”. Sem tempo para eu responder, ele desapareceu num ápice para debaixo do carro para inspecionar o motor.

Voltou à minha janela e perguntou se tinha a tração ligada às 4 rodas. Quando lhe disse que sim, avisou-me que o carro estava a perder muito óleo e arriscava gripar o motor nos próximos quilómetros. “Gripar o motor aqui é uma avaria para lá de séria!!”, pensei…

- O que posso fazer? – perguntei em pânico, sem querer mostrar

- Desliga a tração e podemos ir – disse o meu anjo mecânico

- Ai é? OK. Entra no carro, vou-te levar à bomba mais próxima.

Os restantes 700km foram feito em paz, com o carro em condições, são e salvo.

O que correu mal nunca percebi. O que correu bem, ainda hoje me lembro! Esta bela demonstração da Magia de África fez a diferença, numa estrada deserta, entre ficar com o motor gripado ou chegar a casa tranquilo…