17 de dezembro de 2017

Aprender coreano


Enquanto aguardamos pelo nascimento do rapaz, meti-me num curso para aprender Coreano. O plano é exigente: 10 semanas e 4 horas por dia. As 3 professoras, que pouco falam Inglês, distribuíram no primeiro dia 3 grandes livros de estudo e um plano intenso, com trabalhos de casa todos os dias.

A minha ambição? Perceber metade do que a Bia já fala em coreano fluente.

O alfabeto coreano, chamado hangul, começou a ser usado em meados do séc. XV. Antes disso era usado o alfabeto chines.


O alfabeto coreano tem 19 consoantes e 21 vogais. As letras nunca aparecem sozinhas na escrita. Têm que aparecer sempre em grupos de, no mínimo 2 e no máximo 5 letras. Isto dá cerca de 399 combinações de grupos de 2 letras, mais umas quantas combinações de 3, 4 e 5 letras (embora estas ultimas sejam raras, tanto quanto já percebi).

Exemplos:
2 letras (chá): 

3 letras (neve): 

4 letras (mês):

No curso aprendemos o alfabeto em 2 dias! Em alucinante ritmo coreano.

Leio como se estivesse de volta à primária, como indicador colado no papel e a respiração descoordenada com a fala. É o reaprender das letras, reaprender a ler. Leio mas demoro tanto que quando chego ao fim duma palavra de 4 silabas já não me lembro do que disse no início. A palavra desaparece. Leio mais umas vezes e quando tenho o som da palavra a sair de forma fluente, desconheço, na maioria dos casos, o seu significado.


No curso já fazemos ditados, desde o terceiro dia, embora as classificações não sejam brilhantes, já saí do zero que tive nos primeiros ditados. Gramática, vocabulários, regras, excepções…e em casa já consigo fazer uma frase com cabeça, tronco e membros, embora saia de forma desengonçada.


Não estou muito preocupado com as classificações da escola...a minha nota já é positiva, com o sorriso da família em casa ao ouvir-me gaguejar tentativas e diálogo em Coreano.

25 de novembro de 2017

Postais de Kyoto


À chegada…gente, gente e gente!


Organização nipónica. Linhas destintas para organizar quem, numa mesma paragem, vai apanhar autocarros diferentes. 


Os quilómetros que se andam com o lixo nas mãos, sem ter onde o colocar. Apesar disso as ruas quase passam o teste do algodão, de tão limpas que se apresentam.


Templos…


…e mais templos…


Petisquinho de polvo.


Visão de mercado. Pauzinhos de todas as formas e tamanhos, com possibilidade de cravar o nome. Boa ideia para fazer com garfos e facas personalizados.


Bicicletas para todos os gostos. Dos executivos às supermães. Faça chuva ou faça sol.


Jardins absolutamente encantados.


As gueixas já não são o que eram. Estão categorizadas mais como um elemento turístico do que outra coisa. Há as verdadeiras e há as de aluguer. As várias turistas que alugam um fato de gueixa por um dia de passeio espalham a beleza e a cor das vestimentas pela cidade…


A foto à foto. Em certos pontos turísticos a multidão é tanta e tão assanhada, que quase roubam a atenção ao protagonista.


Atenção cirúrgica na preparação da comida que é servida. Tudo conta: o prato, as cores, a disposição, os cheiros, a luz na sala. Meticuloso…


5 de novembro de 2017

Guia da refeição Coreana

Ao olhar para uma mesa de refeição Coreana o espanto é enorme! Pouca semelhança tem com a disposição da refeição ocidental e damos por nós a pensar: “como se come isto tudo?”, ou “por onde se começa?”.


Este texto serve de guia para não se passar fome na Coreia. Na realidade é muito mais difícil, mas os sabores são deliciosos…

1. Comecemos por perceber a estrutura, envolventes e alguns pontos de partida:
Para começar, sentamo-nos todos no chão, descalços, sem apoio para as costas. Para mim é, sem dúvida, o mais difícil na Coreia. Ao fim de 10 minutos tenho a sensação que nunca mais vou descruzar as pernas e que só me levanto com ajuda duma grua;

2. Os instrumentos ao nosso dispor são: 2 pauzinhos, uma colher e as mãos (na Coreia não há pudor em usar as mãos. O mais importante é que a comida chegue à boca). Durante a refeição não há guardanapos;


3. O prato individual de cada pessoa é uma taça de arroz, empapado e sem sal. Assim mesmo. E explico: o empapado ajuda a ser comido com pauzinhos (imaginemos a fome com que ficaríamos se o arroz fosse soltinho) e o arroz insosso serve para balançar o salgado que iremos encontrar no resto da refeição;

4. A sopa, ao lado do arroz, come-se durante toda a refeição. A Bia em Portugal ficou muito chorosa quando, num restaurante, lhe tiraram a sopa porque já estava a comer a carne. Choque cultural;


5. Existe um prato principal da refeição, que pode ser sopa, carne, peixe ou vegetais. No geral há muito pouca carne na refeição coreana. A não ser que o menu seja entremeada, ou intestino. Aí é carne até aos olhos…;

6. E depois há muitos pratos no centro da mesa com uma variedade ilimitada de ingredientes. Quase todos picantes e alguns muito picantes, que pegam fogo desde os olhos até ao estômago (e olhem que eu sou apreciador de picante!). Todas as pessoas se podem servir de todos esses pratos, usando os pauzinhos individuais;


7. Pode haver molhos, onde se irá mergulhar a comida antes de levar à boca. Quase todos os molhos são picantes…

8. O volume da comida costuma ser superior à soma de todos os estômagos, ou seja, sobra sempre comida. Este é um hábito Coreano que ainda faz confusão à minha mente Europeia e à minha educação! O que vale é que em casa a comida guarda-se para próximas refeições. Nos restaurantes há um desperdício chocante de comida;

9. Nos restaurantes ou em casa, para algumas ementas, parte da refeição pode ser cozinhada na própria mesa. É um ritual muito interessante, pois o cozinhar introduz a socialização na ementa, com todos sentados à mesma mesa;  



10. Para acompanhar, as bebidas. Os coreanos no geral bebem bastante. Dá um empurrão importante para romper a bolha da timidez asiática. Emergindo dum silêncio cerimonioso, riem-se, cantam e abraçam…


Principais opções das bebidas alcoólicas:
cerveja (5%)
Soju (20%)
Makolé (6%)


De um modo geral as refeições de cada um são uma espécie de “menu à medida”. Cada um escolhe o que quer comer, dos vários pratos dispostos na mesa.


Recapitulando

Desagregando a mesa principal, a área de acção de cada pessoa é isto: arroz como prato principal, sopa a acompanhar, prato principal da refeição e diversos pratinhos.


Sintam-se servidos. Agora que já conhecem os cantos à mesa, vamos comer…


Podemos ir escolhendo comida dos pratos que quisermos, buscando os nossos sabores preferidos. A sopa segue-nos do princípio ao fim. Quando o arroz termina, termina também a refeição. A não ser que se queira servir mais arroz e continuar.

O ritmo é alucinante e os pauzinhos não param. Geralmente não se fala muito durante a refeição. As conversas ficam para quando se terminar a comida, acompanhadas apenas de bebida. Quando se está no restaurante existe um botão na mesa, para chamar o empregado de mesa e não desperdiçar energia com mimicas variadas para obter a atenção desejada.


Alguns empregados de mesa não andam. Correm!


Das primeiras vezes que comi com a família Coreana, sempre que pousava os pauzinhos, perguntavam-me (através da Yumi, evidentemente) se eu não estava a gostar da refeição. Eu dizia (através da Yumi, evidentemente) que estava a fazer uma pausa para mastigar, para apreciar sabores e respirar. Nunca mais esquecerei o olhar da anciã na mesa: “estranhas manias, este Europeu”, deve ter pensado ela.

Quando dois braços precisam de se cruzar para ir buscar comida na mesa, não há tempo para diplomacias e prioridades. Criam-se níveis de alcance onde, geralmente quem vai ao prato mais longe fica por cima…e a refeição contínua, sem interrupções, sem necessidade de controlo aéreo.


À medida que segue a refeição, vamos picando dos vários pratos, bebericando a cerveja e degustando a sopa. Quando o nariz pinga e o suor escorre já é tarde para perceber qual o prato picante na mesa, ou qual deles é mais picante, pois quase todos o são, sendo que a cor vermelha geralmente é um bom indicador. Os olhos ardem, mas não há tempo a perder. Toda a gente manuseia os pauzinhos num bailado em andamento allegro com o objectivo de exterminar a comida. Devemos acelerar a respiração para compensar a acção do picante no corpo e continuar.


É que tanto quanto já vi, os Coreanos praticamente não mastigam. Duas ou três trincadelas e engolem, enquanto os pauzinhos já foram buscar mais comida. Ininterruptamente até o disjuntor estomacal disser “estou cheio, pára” e abandonam os pauzinhos.


No final a mesa parece um recinto em fim de festival, contando a história do êxtase que se viveu…


Bom apetite

10 de outubro de 2017

Na Coreia




A Tertúlia Africana deslocou-se por uns tempos para a Coreia do Sul.


Porque sim e porque em breve nasce cá o mais novo elemento da Tertúlia: o irmão da Bia.


Naturalmente, antes de vir para cá, preocupava-nos a situação política actual. A iminência duma guerra no destino nunca é boa notícia para uma viagem.

Fomo-nos informando aqui e ali, junto de instituições, para reunir variáveis que nos pudessem fazer um esboço do futuro. Num dos locais chegaram-nos a dizer “se houver uma bomba nuclear, não há nada que possam fazer”. Verdade incontornável, mas bastante indigesta. Verdade incontornável para a Coreia e, na verdade, para metade do mundo!

Por outro lado há quem diga que tudo não passa duma manobra de especulação comercial e que não será disparada nem uma chapada.
No fundo, concluímos, andam dois parvos a medir pilinhas, mas ao que parece não são significantes o suficiente para gerar qualquer debate.


Em Portugal ouvíamos as noticias, com intervenções de especialistas e prognósticos políticos que não traziam ânimo nenhum.

Aqui na Coreia a notícia é levada com muita tranquilidade. É ouvido da mesma forma que o referendo da Catalunha ou a meteorologia do dia seguinte. Os Sul Coreanos estão tão habituados à rebeldia do Norte que eu acho que só vão estranhar quando o líder norte Coreano se calar por uns tempo. Aí sim, será um sinal alarmante.


Assim, vive-se por aqui um clima de absoluta tranquilidade e, enquanto se edita o livro das Tertúlias em África (sim, já está em processo), poderei ir partilhando as tertúlias no Oriente.


Até já.

22 de agosto de 2017

Barraca


O bairro da Barraca, na ilha da Boa Vista, começou a nascer a partir de 2005. O boom do seu crescimento deveu-se ao fluxo de pessoas que vieram trabalhar nos grandes hotéis da ilha. A ilha não estava preparada para tal enchente de pessoas, de maneira que se foram arrumando como podiam de forma informal a princípio e mais organizada ao fim de algum tempo. Pouca coisa neste bairro é linear de se entender…



Se procurarmos saber sobre o bairro, geralmente há duas vertentes: “o maior problema social de Cabo Verde”, defende a maioria da imprensa; “um bairro com poucas oportunidades”, defendem alguns relatórios e blogs, acendendo a luzinha da esperança. O bairro tem vários nomes, um dos factores que contribui para a confusão. Mas ninguém se preocupa com isso. Tem o nome da divisão administrativa oficial: Chã de Salinas. No bairro este nome não diz nada à grande maioria das pessoas. A dada altura, e numa tentativa de revitalizar o bairro alguém o baptizou de bairro da Boa Esperança. Entende-se bem a intenção, algumas pessoas reconhecem esse nome, mas de facto o nome que colou, o nome unanimemente conhecido é Barraca! Não há volta a dar. Podemos tentar baptizar as coisas, mas há coisas que já vêm com os seus próprios nomes…

O bairro tem uma área equivalente a 7 campos de futebol. Estima-se que vivam cerca de 5 a 7 mil pessoas. O número exacto é difícil de obter, pois os habitantes variam muito devido às épocas de altos e baixos do turismo. Não há sistema de esgotos. Quando não há fossas, há um regime de “água vai” que traz à memória tempos medievais. Não há água canalizada. A água é vendida num chafariz numa das entradas do bairro e carregada em bidons até às casas. A electricidade chega através de serviço privado de grandes geradores, com cobrança própria e abastecimento das 17h à meia-noite.
Não estamos, nem de perto nem de longe, ao nível de Kibera (em Nairobi, onde vivem 2,5 milhões de pessoas), Orangi Town (Paquistão, com 1,8 milhões de pessoas) ou da famosa Rocinha(Brasil, com 70 mil habitantes).


Não quero com isto minimizar nem os problemas nem as soluções da Barraca, mas é sempre importante saber a que escala se fala.


Na hora de incluir a Barraca no Cadastro Predial, as discussões foram muitas. Os argumentos chegaram a altos cargos do governo e, felizmente, houve luz verde para avançar.

Orgulhosamente sempre estive no lado dos que achavam que se deve fazer o cadastro, puxando a corda com convicção. Caso contrário, para que serve afinal o cadastro de terras? Como poderá evoluir de alguma forma a Barraca sem sequer um cadastro, um mínimo reconhecimento de que as pessoas ali estão e ali construíram? De que vale a pena ignorar a realidade, completamente estabelecida no meio da cidade? É dos locais onde me faz mais sentido ser abrangido por um levantamento cadastral.

A preparação envolveu um conhecimento mais pormenorizado do bairro e da sua história. Tipicamente num cenário destes nunca há um só líder. Existem várias vozes e várias versões. Chegamos à conclusão que o anúncio da rádio, que sempre fazemos, para qualquer área de trabalho, tinha que ser feito em 5 línguas diferentes, para abranger a diversidade de pessoas. Incluindo uma que, por ignorância, desconhecia, o Wolof. É falada em 6 países e por mais de 4 milhões de pessoas.

Contra qualquer previsão de dificuldades, o trabalho de recolha de informação correu muito bem. O envolvimento das pessoas foi total. Ninguém hesitava ao demonstrar os limites das suas áreas. Muitas foram as pessoas que nos apresentaram diversos documentos, mesmo que a maioria seja um papel feito numa qualquer mesa dum bar, sem valor jurídico.

A Consulta Pública (momento em que a informação recolhida é publicada para ser validada) foi a de maior afluência da ilha até hoje. Houve até quem se emocionasse em plena sala por ver o seu nome reconhecido. Há poucas coisas mais gratificantes neste trabalho.








O resultado foi um mapa de todas as casas, com a respectiva informação. De um aglomerado de casas mais ou menos desordenadas, chegamos a uma divisão de cada parcela, com limites definidos e o reconhecendo da ocupação. Enorme satisfação em ter obtido o cadastro no bairro. Não resolve tudo, mas é um passo importante.




Os problemas continuam. O esgoto deixa um cheiro desagradável nalgumas zonas. Quando chove pura e simplesmente não há escoamento de água. O bairro fica inundado e cheio de mosquitos. Assim vivem milhares de pessoas que diariamente trabalham para que as condições dos hotéis se mantenham de 5 estrelas. Irónico!

Mesmo assim, muita gente que vive na cidade se encontra por lá com aquela cumplicidade de ”ai também vens cá?”, como se fosse tabu e devêssemos ficar escondidos atrás das críticas ao bairro. Muitas pessoas dirigem-se à Barraca nos momentos de lazer. A mística do bairro, para mim, é esta mesmo. As ruas precárias estão cheias de vida, sempre com pessoas a circular. Mesmo com restrições no abastecimento de electricidade, há sempre música no ar. Em todas as ruas (sem exagero) há sempre uma grelha a assar petiscos cheirosos e apelativos. Quando há falhas de electricidade na cidade, a Barraca tem a sua autonomia e brilha na escuridão da ilha. Mais uma ironia…



Chamem-me sonhador ou lunático, vivo bem com isso, mas a Barraca tem um enorme potencial. Imaginem um local em Cabo Verde onde houvesse música, dança, comida e artesanato de vários países todos os dias?

7 de agosto de 2017

A noite das tartarugas

O tema é quente em Cabo Verde. Há relatos históricos que ligam as tartarugas à demonstração de bravura ou simplesmente a um requinte gastronómico. A incontornável verdade é que neste momento se trata duma espécie ameaçada…


 …e os hábitos têm que se mudar, se queremos dar alguma qualidade à nossa estadia na Terra. Lembram-se que se fumava nos aviões? Lembram-se que não há muito tempo havia o conceito de português de 2ª classe (nascidos nas colónias)? Pois é, se o ser humano quer evoluir, há que ir continuamente melhorando comportamentos!


Aqui fica a minha humilde homenagem às tartarugas e o esforço para dissipar qualquer ideia estupida de voltar a comer tartaruga ou os seus ovos.

Numa noite de luar tive a oportunidade de visitar uma das praias da Boa Vista que, nesta altura, recebem as visitas nocturnas das tartarugas.

Foto: Marco Stiehl

O mistério deste acontecimento é que um animal que passa toda a sua vida no mar, venha à praia na altura da desova. Sozinha, na calma da noite, a fêmea segue fiel os seus instintos, atracando à beira mar e lentamente dirigindo-se à areia seca. 


Se por algum motivo não encontra o local apropriado, aborta a missão e regressa ao mar. A próxima tentativa de desovar pode ser feita nas próximas horas ou dias. Está visto que o trabalho de parto das tartarugas segue o seu próprio ritmo.


Cabo Verde é dos locais mais importantes de desova no lado oriental do Atlântico. A Boa Vista é uma ilha privilegiada, com dezenas de praias e muitas delas com a paz suficiente para receber as tartarugas. A capacidade de reprodução das tartarugas é baixo, por isso, o momento de ver a tartaruga a vir à praia pôr ovos é mágica. Uma dádiva da mãe natureza.


Quando encontram o local apropriado escavam com as patas traseiras alternadamente. Instintivamente sabem a profundidade do buraco, ou simplesmente param quando a pata já não dá mais.






Colocam dezenas de ovos. Quantas crias irão sobreviver?





Depois da tartaruga colocar os ovos o Carlos coloca-lhe uma marca e toma anotações no seu bloco, para monitoria das próximas visitas. 


Regressam ao mar, sem hesitação. 


Obrigado e até breve…