9 de dezembro de 2012

Pemba a Cape Town

Em linha recta são cerca de 3200 Km. Mas o plano da viagem é não ter plano, por isso faremos os desvios necessários.


Mochila de pano e tenda às costas, walkman no bolso, rolos fotográficos suficientes, algum dinheiro e só ficam as botas de cabedal de fora porque se espera grande calor. Levamos os chinelos e o fato de banho...

FÉRIAS!!


1 de dezembro de 2012

Uma noite com um mosquito





Quem nunca passou uma noite com um mosquito? Quem nunca perdeu a compostura e o sono com a invasão destes insetos? Peritos em ataques noturnos, são capazes de tudo para obter a sua refeição sanguínea, à nossa custa!

Dou pela sua chegada num voo rasante no meu ouvido e um zumbido vindo dos seus motores. Os olhos abrem-se e fico hirto, em alerta. Nova passagem a desafiar a base e desaparece depois. Quero acreditar que é passageiro e tento voltar ao sono, mas desta vez o pequeno atacante faz-se perceber que vem para dar luta.

Decido sempre por não acender a luz. Não por achar que será inútil ou que pode mostrar fraqueza ao adversário. É por saber que as probabilidades de o ver e conseguir matá-lo não aumentam de luz acesa. O gajo esconde-se e fica imóvel. Nem olha para mim, ofuscado que está. Quando se apaga a lâmpada e deixa de se interessar pelo clarão, começa a perseguir o calor. Eu.

Quando descansam na testa pensamos que já está: uma pancada, um pouco de sangue na pele, mas a compensação! Qual quê. Com as ânsias apercebemo-nos que quando a mão chega à cabeça já abanámos demasiado o corpo e o mosquito levantou voo. Ou nos apercebemos a tempo ou levamos uma belinha. De olhos fechados para aguçar a audição preparo duas armadilhas, duas conchas de mãos prontas a serem largadas assim que os sensores ouvirem o zumbido. Arrisco umas quantas estaladas a mim próprio, é certo, mas é o preço da batalha que envergo.

Não é por ser pequeno, cerca de 140 vezes mais pequeno que um ser humano, que o devo desprezar. Sabe dar grandes dentadas e, em silêncio, preparar o próximo ataque. Deixa-me à sua mercê, na escuridão. Vai percorrendo o meu corpo e escolhendo o local da próxima dentada. Quando sinto a picada e localizo a baba já o atacante terá levantado voo, saciado. Resta-me coçar a dor. Sei que não devo, mas no momento parece aliviar-me. O mosquito agradece. O movimento provoca calor e a comichão atiça a circulação. Lá vêm mais dentadas! Às vezes penso porque não se lhes enchem os estômagos? Não têm limite para esticar a bolsa? Serão afinal dois ou três?

Se tenho à disposição recorro às armas químicas sem rodeios. Opto primeiro pelo repelente. Besunto-me ou sprayo-me com o que tiver. Dão-me uma boa proteção e agora só ouço o adversário a uns seguros 2 metros. Mantém-no vivo e o gajo não se aproxima por uns tempos, numa espécie de cessar-fogo. O problema é o que produto tem duração limitada e assim que os efeitos aromáticos esmorecem, o mosquito inicia novas investidas de volta ao combate. Recorro então ao plano B. Uso baygon (marca que criou o vocabulário) fora do tempo mas justificado pela necessidade da luta. Devia ter posto durante a tarde e agora surge como solução de recurso. Serve como gaz asfixiante e a maioria dos mosquitos verga à sua respiração. Uns morrem outros conseguem fugir. Para mim arranha a respiração e o cheiro é fortíssimo, mas compensa pela busca da vitória. É como um soldado que lança uma granada dentro dum túnel onde o adversário está encurralado...

A glória chega quando uma pancada, às escuras, atinge o cabrão e o faz emitir os últimos sons, em voo picado. Às vezes padece, imóvel, no meu braço e faço questão de lhe dar um piparote com a ponta dos dedos na direção da parede mais próxima. Ajeito a almofada, sorrio e volto ao meu precioso sono.


É por isso que com a rede mosquiteira sinto uma proteção imperial. Imagino-me sultão, a comer uvas e beber uma taça de vinho. Por mais chato que o mosquito seja, não entra! Até posso ouvi-lo do lado de fora, mas soa-me a música...

18 de novembro de 2012

Cerejas de Moçambique


Moçambique é assim: do 8 ao 80. Num país onde ainda há grandes necessidades estruturantes, há também dos melhores lodges turísticos do mundo! No seu vasto território existem verdadeiras cerejas turísticas, principalmente focadas no mar ou no mato. Durante o ano de 2012 tivemos oportunidade de conhecer duas dessas cerejas. Sem ter que apanhar avião, nem andar mais de 600 Km a partir de casa! Tudo se passou em fins-de-semana longos, mas com evidente sabor a férias...


NO MAR


Um lodge plantado sobre o mar.


Vista privilegiada sobre...o mar!


Areia....e mar...



Pôr do sol e jantar romântico...à beira mar...


Visitantes às refeições.


Piscina de água salgada. Água doce neste local é um luxo. Assim é a natureza...quando há fartura de algo, há escassez de outra coisa...




Almoço ou pequeno almoço com vista de mar...




Bebida do final do dia...


NO MATO


Rio Lugenda.




Postalinho 1


Dizer o quê? Simples e bom!


Safari para todos os gostos: 
...fauna de vários tamanhos e diferentes interacções...


...e flora curiosa com estas raízes a envolverem as rochas...


Palavras para quê?


A proximidade dos elefantes à nossa tenda. Cheguei a acordar a meio da noite com o barulho destes famintos animais a arrancarem a relva.


Postalinho 2.


Safari nocturno. Uma lanterna poderosa e uns olhos/experiência invejáveis do guia...



...senão, quem conseguiria ver este animal no cimo dum coqueiro em plena noite cerrada?



A Yumi a brindar com um elefante.


Visitantes da piscina. Não para nadar, mas para beber água...


Os animais mais bem penteados da selva.


Espingarda, experiência, cheiros, fezes, pegadas, hábitos e....poucos animais lhes escapam!


Postalinho 3


Postalinho 4.


As gargalhadas dos hipopótamos.


O Nick foi o nosso guia. Em poucas palavras um homem do mato, feliz no mato. Sabe tanto de animais como de árvores e a sua utilidade. Tem uma voz, perdão, um ronco vocal que nos faz acreditar que tem genes de leão. As suas grandes risadas contagiam-nos...mesmo que não tenhamos ouvido a piada...


Na época das chuvas é ele que ficará a cuidar do acampamento, durante uns 4 longos meses em intenso isolamento...


Postalinho 5.


Parece simples. Uma cadeiras, uma fogueira e vista...


Parece normal. Mesa posta e comida quente na mesa. Não fossemos estar em pleno alto da montanha com um tecto impressionante de estrelas e rodeado de sons animais...


Anfiteatro móvel...


Gin tónico à beira rio, deliciados com os hipopótamos...a uns seguros 30 metros de nós...

12 de outubro de 2012

Osgas

O aspeto físico é feio. Penso que todos concordamos. Olhos enormes, desproporcionais em relação ao corpo e muito negros, contrastando com a pele e fazendo acreditar que os olhos são maiores que a cabeça.


Fotos amadoras de minha autoria.



Nas patas têm uma espécie de ventosas, como se fossem dedos achatados cheios de rugas. Isso permite-lhes andar na vertical ou em tetos, fazendo prever o seu poder de sucção. Ao toque têm uma textura gelatinosa.




À vista notam-se, nalgumas espécies, os órgãos através da pele translucida. Ao sinal de ameaça desintegram o próprio corpo, largando a cauda que pretende despistar o seu predador. Ficam depois com um coto na parte de trás do corpo que em nada contribui para as embelezar!



Como não conseguem piscar os olhos, usam a grande língua para limpar a vista. A língua é também a grande arma de caça. Esticam a língua na direção da presa e, com a ponta pegajosa, capturam a vítima levando-a ainda a espernear para dentro da boca, onde são engolidas na direção, primeiro, da morte, depois da digestão. Não li em nenhum lado, mas desconfio que, ou têm um problema no sensor estomacal ou têm mais olhos que barriga. É que às vezes vão a “bifes” que notoriamente não lhes cabem no goto.


Serpenteiam sempre que se movem, fazendo analogia a outros répteis, com outros venenos e muita fome.



São geralmente individualistas e na época de acasalamento tornam-se muito territoriais. A comunicação sonora, emitindo estalidos ao fazer vibrar o corpo, é uma especificidade que as distingue dos lagartos, por exemplo.




As osgas são, de forma geral, injustamente odiadas e muita gente só pensa em matá-las assim que as vê. Temos muitas osgas na varanda da nossa casa cuja rotina é rondar a lâmpada exterior, para onde os insetos são atraídos e ao mesmo tempo ofuscados, tornando-os vulneráveis. Todas elas são bem-vindas...



É que, como é sabido, entre os insetos que comem, levam também alguns mosquitos que, como também é sabido, por estas bandas, transportam malária. Assim, estas horrendas ternuras trabalham para nós, baixando a probabilidade de picada de mosquito.

Mas isto é só um pormenor. As osgas são consideradas como um equilibrador natural de insectos, evitando pragas descontroladas que podem, por exemplo, dizimar culturas. 




Factos que transformam, aos meus olhos, a descrição anterior numa grande injustiça. As osgas são lindas, necessárias e devem ser mantidas!


Por fim, uma homenagem artística à osga, por Antoni Gaudi (daqui).



20 de setembro de 2012

70 MIL



Nos últimos 26 meses foram muitas as horas que passei ao volante, saltitando lugares no norte de Moçambique, rumo a locais de trabalho. Tenho conhecido os vários pós das picadas, aprendido como bailar o carro nas diferentes lamas, tentado esquivar aos muitos buracos e deliciado com os quilómetros de bom alcatrão que já se apanham. 

Nunca são estradas fáceis, sempre com muitos obstáculos. Sejam crianças que fazem da estrada a extensão das suas brincadeiras, sejam cabritos galinhas, ovelhas ou porcos que passeiam livremente, sejam troncos deixados na estrada em sinal de aviso para uma avaria mais à frente. A atenção tem que ser a 200% e, claro está, o cansaço no final é o dobro.  Tenho a sensação de que se voltar a conduzir numa autoestrada sofrerei de tédio e corro sérios riscos de adormecer!



Nestes últimos 26 meses percorri cerca de 70 mil quilómetros, o que dá uma média diária de 90 Km por dia, TODOS OS DIAS! No entanto tenho direito a fins-de-semana e mantenho a vida pessoal. Assim, fintando as estatísticas, posso fazer 700 Km num dia e ficar bem relaxado à beira mar com uma cerveja na mão noutros dias...

A distância parece assustadora. Daria quase para dar duas voltas ao mundo pela linha do equador, ou percorrer 28 vezes Portugal, pela linha de fronteira! Mas a verdade é que o circuito é mais reduzido (cerca de 3300 Km), não se estende para além do norte de Moçambique e já pouco muda. O que acontece é que o faço várias vezes, repetindo vários troços.




Considero um número notável, atendendo ao mau estado geral das estradas e ao aparente bom estado das minhas costas. Também me considero privilegiado quando chego a casa, me deito no estúdio de massagens da Yumi e a deixo recolocar no sítio devido as peças, à solta nas minhas costas.

Já vi o nascer do sol em Pemba e o pôr-do-sol no lago Niassa (não no mesmo dia, embora seja tecnicamente possível). Posso orgulhar-me de ser o único elemento da equipa que visitou todos os locais ativos de trabalho e conhece, nem que seja de vista, a maioria das equipas (que já somam algumas centenas de pessoas).



Em Quelimane realço a arquitetura característica e os arruamentos tão geométricos que até a mim me desorientam! Os mosquitos lá não picam, mordem, ferram com dentes afiados através da roupa.








Em Monapo vejo o exemplo. Dos 15 locais de trabalho este é o único que continuaria de forma autónoma se o projeto terminasse hoje. É inacreditável, é triste mas é assim. Parabéns a Monapo onde a equipa local assumiu os trabalhos como parte das suas tarefas. Percebeu bem o potencial e importância da iniciativa e hoje com o mínimo de ajuda são eles que gerem as metas, as equipas, os problemas. Um exemplo!

Em Malema é a produtividade que contagia. Terra fértil, regada por inúmeros canais e gente que dedica uma vida à agricultura, muitas vezes feita com pouco mais que uma enxada. Aqui faz-me mais sentido do que nunca atribuir o documento que lhes dá segurança da terra.




Em Mocimboa vejo uma preguiça endémica a ser agitada de forma brusca, acordada a baldes de água fria motivados pela exploração de gás natural um pouco mais a norte.



Cuamba a mim parece-me um lugarejo encravado entre o longe e o distante. Cidade onde não se encontra estrada de alcatrão. Nem lá, nem num raio de 100km, deixando os acessos penosos na época das chuvas. Tem comboio que traz e leva mercadoria de Nampula, tem produção agrícola sim, mas a mim parece-me um local esquecido. Talvez não esteja a ser justo, mas é assim que vejo Cuamba.


A vila de Metangula, à beira do Lago Niassa, um dos grandes lagos do vale do Rift, é o extremo oeste deste circuito. Pacata, simples, mas com uma riqueza incalculável: uma reserva gigante de água doce! Local onde as pessoas levam o gado a beber, onde se lavam, lavam roupa e loiça, onde se pesca, ou simplesmente se retira água potável para casa.


Em Lichinga é incontornável falar do frio! Localizada num planalto, a 1300 metros de altitude, obriga o uso de luvas e casacos fortes nos meses mais frios (meses sem “r”). Como não tenho nada dessas indumentárias em Pemba, tenho que inventar, sobrepondo camisolas finas, na esperança que façam uma camada grossa e mantendo as mãos nos bolsos quando não preciso delas!



De Pemba haveria tanto para falar, mas uma única coisa realço: se tivesse que escolher um único local, entre estes todos, para ficar a viver, seria certamente Pemba! Felizmente vivo cá...




Em Mecufi compro peixe fresquíssimo diretamente das canoas dos pescadores, que regressam nas marés cheias. Além disso a praia de Mecufi encanta-me, sem motivo...