27 de novembro de 2014

Vais apanhar porrada...


A reunião é interrompida por alguém que anuncia que o meu carro foi arrombado. “O meu?”, digo com o espanto dos que acreditam que isso só acontece aos outros. “Sim”, responde ele, com um sim tímido, mas não por ser duvidoso. Por ser cordial, mas de quem tem a certeza!

Desço e espero o pior: vidros partidos, portas forçadas, estofos rasgados, etc... Mas não. Carro praticamente como o deixei, faltando apenas algumas coisas no interior. “Como é que entraram?”, perguntava eu e as 3 pessoas que estavam comigo. Quando entro no carro vejo tudo o que levaram. Foram rápidos e cirúrgicos, como mecanizados na arte! Vejo que todos os pontos-chave no carro foram mexidos. Levaram o que quiseram...

Ainda a fazer um levantamento dos estragos e alguém me diz: “chefe, apanharam um...”. Vou vê-lo e está fechado à chave numa arrecadação: “faça dele o que quiser”, diz-me o captor. “Faço dele o que quiser? Como assim? Isto não tem que ter policia?”. E onde anda a polícia? Logo começam histórias dos observadores, que relatam capturas do passado. E como se arranjaram com as próprias mãos, para castigar o bandido. Sem envolvimento da polícia. Uma descrição demasiado pormenorizada das acções. Naquele caso o observador avisou logo o ladrão: “tu vais apanhar porrada...”

O ladrão diz: “sou doente, tenho tuberculose!”, e logo tira da carteira um cartão meio rasgado, que procura testemunhar o seu estado de saúde. Ninguém acredita no documento e o mesmo observador coloca a mão no ombro do ladrão, num gesto que à partida parecia misericordioso, mas que serviu para insistir: “com tuberculose também podes apanhar porrada!!”, ao que o ladrão acena humildemente que sim, preparado para o pior! Enquanto as ameaças não se materializavam, alguém lançou a ideia de que se teria que chamar a polícia. Concordei, e pus-me a andar na rua.

Encontramos o primeiro polícia, mas disse que estava no seu perímetro e dele não podia sair. Não encontramos mais... Pego em mim e vou à esquadra. Reporto o caso e metem-se 3 agentes armados no carro. Quando eles veem o ladrão não parecem surpresos, aquele deve ser um habitant da zona. Levamos o ladrão para a esquadra e a polícia pergunta-me com delicadeza: “quer que vá sentado no carro, ou pode ir no porta bagagens?”. Sentado atrás repetiu a história da tuberculose, mas o polícia conhecedor, logo encontrou papel de prata na carteira: “com tuberculose não se fuma crack”. Ladrão calou.


Fui embora, duvidando que haverá de facto alguma acção para o bandido, mas fui com a satisfação de dever feito. Ao que soube, na esquadra, o procedimento é standard: dão-lhe porrada (o observador tinha razão, não se vai safar mesmo), lava a casa de banho ou cozinha, dorme com os ratos e de manhã está livre de novo. Para a próxima talvez  leves uma sova e deixo-te ir...

16 de novembro de 2014

Fim de semana dos bons...

Aniversário da Yumi.

Despedida da avó Coreana, que esteve cá 2 meses, e deu uma ajuda preciosa.

50 dias da Bia.

...e um fim de semana longo para comemorar isto tudo...

O destino foi a praia de Chizavane...

 
O copito da Yumi, entre refeições da Bia

A moçambicana Bia africanizada

Passeios com nadadora Melaka

Petiscos à varanda

Do mar, a olhar para o mar. Doses ilimitadas de ostras...

Mais ostras e mexilhão apanhado nas rochas, para desenjoar

9 de outubro de 2014

Noites cinzentas

Lembram-se do meu passeio deDomingo há mais de 7 anos atrás? Pois me parece que a cooperação Angola-Moçambique neste capítulo está a dar força aos agentes do lado do Índico. Talvez porque as coisas más se aprendam mais depressa...


De farda cinzenta, andam pelas ruas à noite, em busca de subsídio salarial. Lanterna improvisada com o telemóvel, mandam parar indiscriminadamente. Se andassem à pesca seriam daqueles pescadores sem escrúpulos, que lançam dinamite nas águas, com certeza de que tudo será apanhado, sem distinção de espécies nem preservação do ambiente.

A apresentação é fraca e a mistura explosiva: muitas vezes cheiram a álcool ou já lutam com a língua, que teima em enrolar, para poder falar; arma a tiracolo e formação cívica baixa. Enquanto discutem connosco a arma vai dançando nos seus ombros, desviando a nossa atenção para o potencial perigo. As armas estão enferrujadas e não é preciso perceber muito de material bélico para perceber que são modelos antigos, mas apesar disso, não quero nem suspeitar nem ter provas de que a arma não funciona. A formação cívica, na maioria das vezes não nos deixa ter uma troca de argumentos capazes. As discussões tendem para a teimosia policial, pois se eles dizem algo, pouco nos resta para contra argumentar.


Mas nem tudo é mau, tenho que admitir. Têm capacidades teatrais fora de série. Combinando uns com os outros, vão elevando a seriedade do assunto, à medida que chamam o seu “superior”, que vem com ar sério, pouca vontade de ouvir, com a palavra “esquadra” debaixo da língua e às vezes de algemas já na mão.
Exploram também técnicas de intimidação, para ter uma base de estudo do condutor. Se este abanar ou ceder, vão por um caminho. Se não, jogam outras cartadas:

“a andar na rua tão tarde?”. Como ainda não há recolher obrigatório em Maputo, esta pergunta não tem razão de existir pois, que eu saiba, não há limite de hora para andar na rua

“porque é que é a sua esposa a guardar os seus documentos?”. Técnica básica para amedrontar.

“não saber também dá multa...”. O não cumprir dá de facto multa, independentemente de a pessoa ter conhecimento prévio da infracção ou não. Agora reparem, o simples facto de “não saber” também, dizem eles, dá multa. E não hesitam em evocar o artigo da lei e a quantia da multa, tentando dar credibilidade ao disparate!


Multas tudo bem, e eu próprio já tenho uma colecção delas (todas de excesso de velocidade). Mas com razão! Pois o ridículo chega quando concordamos em pagar a multa, seja porque de facto a polícia tem razão, ou porque desistimos de discutir. É que estes polícias de farda cinzenta não têm qualquer instrumento de autuação: nem livro de multas, nem balão de controlo de álcool. Ou seja, não nos podem multar, mas também não tiram os nossos documentos do bolso deles. Ali ficamos a olhar uns para os outros. Fica a estranha sensação de como é que a discussão se vai arrastando, recorrendo muitas vezes à ameaça, se no fim nem uma multa podem passar. Mas é surpreendente com esta estranheza se dissolve num sentimento banal.

Já há quem adopte várias estratégias para evitar este cinema ao ar livre nas noites das ruas de Maputo. Há quem só saia de táxi, mas até aí a polícia é assertiva, mandando parar o táxi e, sem sequer uma boa noite ao condutor, já nos está a pedir a documentação pessoal. Há quem planeie as rotas passando apenas pelas ruas principais, pois a probabilidade da polícia lá estar é menor, claro!
Eu sei que o salário dos polícias deve ser irrisório e que, aqueles agentes de segurança nacional, escondem uma vida social com grandes dificuldades, mas não me parece justo que o cidadão tenha que pagar por isso de forma tão directa!

A distorção provocada por estes episódios é tal que, aquando da minha última viagem à Etiópia, percebi como a polícia, no geral tem má conotação na minha cabeça. Estava dentro de um táxi e quando vi polícia mais à frente na estrada exclamei para o taxista “Bolas, policia, estamos lixados!”. O taxista olha para mim de soslaio, espantado com a minha frase e responde “lixados? Porquê? A policia anda nas ruas para controlar o trânsito.

Obrigado Sr. Taxista, por me lembrar da função base dos policias...quase me tinha esquecido!

25 de setembro de 2014

Bem vinda Bia

Há um novo elemento na Tertúlia Africana: Bia Choi Pinheiro

Acrescida à magia de sermos pais, está a emoção de ver esta Tertúlia a deixar descendência.


A nossa primeira sorte nasceu dia 20 de Setembro em Maputo, completando assim um magnífico triângulo de globalização, unindo 3 continentes.

Do lado ocidental dizem que tem traços asiáticos marcantes. Do Oriente chegam elogios por ela parecer quase ocidental. Aqui dizem que é "bonitinha". Enfim...tudo depende da perspectiva. A nossa é a de que, qualquer que seja a mistura, traga o melhor de ambos os lados!

A língua que falará primeiro ainda é um mistério. Com as diversas influências, talvez diga "jô ên atchim" à moda portuguesa, ou "lichile" com sotaque coreano... 


O resto já saberá quem foi pai/mãe. Este modelo também veio sem livro de instruções, por isso se prevêem Tertúlias de descoberta para os próximos tempos.

2 de setembro de 2014

Missão fio dental


Recentemente um grupo de prestigiados investigadores dirigiu-se à Swazilândia com uma missão. A paródia que deu motivo à pesquisa foi lançada pelo coordenador de investigação: saber se as meninas da cerimónia da Swazilândia usavam fio dental ou não...


As reuniões técnicas foram-se desenvolvendo com bela cozinha e boa bebida. Foi assim, enquanto terminamos o stock de vinho, que as estratégias se iam debatendo. Uma tertúlia que brindou no final com um “jungle juice”, aguardente guardada em frascos cheios de répteis. 

A cerimónia é única no mundo e tem como fundamento a homenagem à corte real. As mulheres virgens ou sem filhos têm como obrigação social participar. Os festejos demoram 8 dias. Num deles apanham caniço, cortado à catanada, que mais tarde oferecem à Rainha-mãe, com o intuito de reconstruir a sua casa (já não deve ser propriamente de caniço, mas mantem-se a tradição e fica a intenção). Tem também como objectivo educar e preparar as mulheres para uma vida sexual cuidadosa. Facto importante num país com uma das maiores taxas mundiais de SIDA. A gravidez fora do casamento, por exemplo, origina uma multa no valor de uma vaca. Não é brincadeira! São alguns cortes financeiros (tanto na moda) sob a forma de ensino comportamental.


As vestimentas, das poucas que há, têm naturalmente significados. Aliás, para usarem tão poucos adereços, é porque são mesmos imprescindíveis na cerimónia.  O primeiro impacto é de facto este: roupa quase nenhuma e uma ostentação despreocupada do peito, que pode chocar outras culturas. Percebi, em conversa com alguém, que uma das regras é mesmo a ausência de qualquer roupa interior. Sendo o continente Africano, de uma forma geral, muito púdico na exibição das pernas femininas, este sim, é motivo de algum pudor, por isso a cobertura centra-se mais na zona da púbis e um pouco no início das pernas. Mas a cerimónia é muito mais que maminhas ao léu...é cor, musica e dança. E para ver as fotos seguintes a sugestão de banda sonora é esta, recolhida in loco:


As investigadoras têm restrições sérias quanto às vestimentas, não fossem elas ficar inspiradas e por a descoberto os ombros (que ousadia!). As instruções são de tapar as calças com uma capulana e cobrir a parte superior do tronco. Pode parecer despropositado, pela diferença de indumentária de um lado e de outro da cerimónia, mas não custa nada respeitar...









Depois do desfile a caminho do estádio o protocolo começa. É anunciada a chegada das mulheres do rei, mas como são 15, gera-se alguma confusão pois não param de descer as escadas, e ficamos sem saber se ainda se trata de esposas ou se já são espectadoras a caminho da bancada. Esperemos que a organização se lembre de cadeiras para todas.




A seguir é a chegada do rei. Nem precisava de ser anunciada, pois à distância distingue-se o grupo que trará o grande chefe. O carro de vidros escuros e sirenes não deixa dúvida da importância do visitante que se segue. Mas numa finta entre culturas eis que o rei vem a pé, no meio dos guerreiros, e também ele com uma lança em punho. Distingue-se porque é o único a usar casaco de pele. O carro seguro nem avançou, pois com estes batedores, quem precisa de escudos?




No relvado desfilam então as 60 mil mulheres (sim, 60 mil, o suficiente para encher as bancadas de um estádio!) numa espécie de carnaval à moda africana. 


A cerimónia leva cerca de 2 horas, ao longo das quais, pouco a pouco, o relvado enche de mulheres. Organizadas em grupos, vão formando meias luas, espalhadas pela extensão do campo.

Quando elas terminam é a vez de o rei descer ao relvado, agora em tronco nu para, junto com os seu guerreiros, agradecer às donzelas. Percorrem todas as filas, com cânticos e algumas danças. A delícia dos jornalistas que correm junto, com os seus flashes em punho.

O rei pode, aliás, escolher uma das mulheres para acrescentar ao seu arquivo. Não para substituir por outra, pois seria uma tremenda falta de respeito para com alguma envelhecida esposa. Mas sim para somar à sua colecção, como quem acumula bibelôs. Resta saber como se gerem 15 mulheres, mas esse tipo de segredos costumam ficar sempre muito bem guardados. 


A visão final é avassaladora, com 60 mil mulheres distribuídas pelo campo, já noite instalada, das quais algumas com capulanas enroladas, para combater o frio das montanhas. 

18 de agosto de 2014

Estreia no Kruger

Foi preciso ter 5 preciosas visitas, para me estrear no Parque Nacional do Kruger....e logo duas vezes no mesmo mês...





















2 de agosto de 2014

Não tem troco

É um fenómeno muito comum aqui por Moçambique. Quando se paga alguma coisa, não há troco. Não interessa o montante envolvido, o que é certo é que não tem. Não há! Mas há...


Há leis que protegem o consumidor. Daquelas que obrigam a que o troco seja dado em dinheiro, se o pagamento foi feito em dinheiro. O código civil obriga as lojas a arredondar para baixo, na falta de troco, etc... Mas enquanto não se estabelecem por aqui essas regras, as soluções são outras. 

Podemos até andar com trocos, meticulosamente guardados. Ter as notas organizadas por cores ou montantes, mas não queremos dar. O jogo é mútuo, só que no momento da compra não nos lembramos disso. É que aquela colecção que levamos na carteira deu muito trabalho a juntar. Nunca se sabe quanto tempo pode demorar a ter a mesma sorte. Vamos tentando gerir, com notas mais elevadas, para fazer a manutenção do espólio, mas mais cedo ou mais tarde, temos que fazer uso dos trocos...

Pode-se sempre aproveitar para vender mais alguma coisa, acrescentar um produto. A chamada “bacela”. Mas esta está institucionalizada... A bacela já é uma forma de negociação só por si. Acho até que os preços estão num patamar de especulação, já a pensar na troca final. Mais um limão, uns rebuçados, 2 jornais em vez de 1, uma bolsa pequena, um brinde, enfim...até acaba por ser uma boa solução.


Ou vamos embora, desistindo do troco, mesmo sabendo que injustamente o vendedor vai lucrar. É que às vezes o tempo abranda na hora de ir buscar troco. Depois são várias as estratégias que se fazem para nos iludir que estão à procura de dinheiro mais pequeno. Nada!