A caminho das quedas de água do rio Lúrio, no meio de muitas aldeias de palhota, numa quase estrada feita por muita terra batida, alguém do grupo tinha ouvido falar de um senhor que fazia criação de cobras! Fomos à procura. Movidos quer pelo entusiasmo, quer pela curiosidade íamos perguntando, com as poucas referências que tínhamos: o senhor das cobras? Com agrado fomos sendo sempre esclarecidos e encaminhados. Parámos onde o caminho acabava e previa-se, a partir dali, uma caminhada a pé. Avisaram-nos que não iríamos ao encontro dele. Ele viria a nós. Combinado. Mas como será esse senhor? Porque fará ele tal coisa neste local? Como lida ele e a população com as cobras? Algumas das perguntas que circulavam na minha cabeça enquanto aguardávamos, ali, no mato.
Foto: Mariéme
Chegou, com um ajudante e os répteis na mão para que não houvesse mal entendidos. Era ele mesmo. Notoriamente agradado pela nossa presença, apresentou-se: meu nome é Nanjua (qualquer coisa). O qualquer coisa aqui é um apelido bem local que me fugiu do ouvido. Não sei se pela rapidez com que disse, se pelo meu imediato desvio de atenção para as cobras. O ajudante carregava um caixa de madeira com conteúdo desconhecido e envergava uma atitude bastante cerimoniosa.
- Que língua vai falar, Sr. Nanjua?
- Falo o que quiserem, Português ou Macua.
Mas o Português dele saía a conta gotas, com muitas dúvidas nalgumas palavras e o Macua (dialecto local) fluía de forma natural. Está visto que o senhor foi amável, mas o Português dele era mais por simpatia que outra coisa. Falou Macua e tivemos tradução…
Foto: Romina
- Sr. Nanjua, porque faz criação de cobras?
- Porque sou artista. Porque quero preservar as cobras e, quem sabe, usá-las para algo.
- E quantas tem?
- Cerca de 35.
- Todas em casa?
- Não…elas só vêm à noite. De dia passeiam.
- QUÊ?? – o pensamento de muitos fez-se ouvir pela voz do espanto.
- Sim, elas de dia vão à vida delas, e voltam para minha casa à noite. Até tinha uma muito bonita, grande, para vos mostrar, mas não regressou ontem à noite…ainda por cima ainda não lhe tirei o veneno.
Foto: Rebeca
O grupo, em orquestrado riso nervoso, deu um passo atrás e começámos a desconfiar do capim, dos troncos, do Sr. Nanjua. Mas olhando à volta via muitos pés descalços, destemidos, a pisar o solo. E, pensei, se tal cobra aparecer, em vez de morder alguém, rastejará directamente para os braços do nosso domador de cobras.
- A população não se queixa, Sr. Nanjua?
- Agora já não…agora conhecem as minhas cobras e as que não conhecem avisam-me para eu ir buscá-las.
- AAHHH…que bela participação social. Tem sempre o apoio das pessoas, então?
- Nem sempre. Ao início eles chamavam-me de maluco. Mas eu explicava-lhes que não sou maluco. Dizia-lhes que um dia viria alguém para ver as cobras e talvez fazer algo com elas. Vocês são o primeiro grupo que recebo.
Foto: Mariéme
Explicou-nos como lhes tira o veneno e o guarda em frascos. Com essa demonstração foi furiosamente mordido, fazendo sangue. Explicou-nos que a caixa de madeira serve para as transportar e ir mostrar na aldeia aos curiosos. Explicou-nos que muitas vezes transporta-as no bolso do casaco, porque elas gostam mais! Explicou-nos os diferentes tipos de cobra que tem. Explicou-nos que vai continuar a coleccionar cobras e deixou no ar um pedido para que a publicidade fosse feita e se se pensasse nalguma solução para o veneno.
- Mas olhe que as suas cobras estão bem gordinhas, hã?
- Claro. Durante o dia comem ratos e à noite dou-lhe xima.
- DÁ XIMA ÀS COBRAS?
- Sim, só para reforçar a alimentação delas…
Não senhor Nanjua, você não é maluco. Você tem é um gosto muito peculiar…num local pouco apropriado para o ter. Só isso. PARABÉNS!
Foto: Mariéme
5 comentários:
Xima?
Epá, eu não tinha conseguido ver esses bichos tão de perto.
O que é Xima??
Xima é uma espécia de puré...com milho ou mandioca. Barato e tira a fome. Muito popular por estas bandas...
pois...cada um que coleccione o que quiser! Enfim ADOREI este post, primeiro pela originalidade, segundo por nos trazeres sempre algo que a nossa mente europeia e ocidentalizada jamais seria capaz de se lembrar! Quando nos brindas com uma visita?
xiiiiiiiiiiii.....cada macaco no seu galho......ou maluco na sua palhota....ou doido no seu estamine.......!!!!!
Enviar um comentário