16 de agosto de 2011

Algoritmo do buraco


Dirijo o pé direito ao travão, as duas mãos no volante e os braços endireitam-se, tensos. As costas colam-se com mais firmeza ao assento do carro, a cabeça fixa virada para a frente e as pálpebras abrem-se, aumentando o campo de visão. À minha frente tenho o desafio: um troço da estrada, de várias dezenas de quilómetros, cheio de buracos. A velocidade costuma ser sempre um pouco superior à que deveria perante tal cenário e o desafio adensa-se!

Se escolho o buraco maior, a pancada é seca, martelando a suspensão, transmitindo directamente na perna, como se fosse eu próprio a tropeçar. Contraio as rugas da cara, cerro os dentes e semi-fecho os olhos para tentar desculpar-me a mim próprio (ou ao carro) daquela opção. Os buracos grandes têm a vantagem de que geralmente vivem solitários, a pancada é grande mas passa rápido.

Se escolho os buracos mais pequenos, andam quase sempre em conjunto. O volante começa a tremer. O CD que estou a ouvir salta e fico na expectativa de quando é que a música volta. Enquanto isso a trepidação faz-me deslocar do banco e, tentando manter firme o leme reposiciono-me no banco para não deixar de ver a estrada. A música acaba por voltar, entre cortes.

Se há poucos buracos e consigo desviar, não paro de agitar o volante de um lado para o outro. As guinadas têm que ser estratégicas: a amplitude da estrada é limitada, geralmente o piso tem muita areia e as bermas podem oferecer surpresas. Assim, olhos bem abertos, braços tensos e para a esquerda e direita constantemente, até o estômago acusar que está farto de bater nas costelas e o ameaçar enjoo. Aí sigo a direito, atropelando mais uns buracos, sejam grandes ou pequenos, até recuperar saúde para guinar de novo.

Quando o asfalto se mostra demasiado massacrado, mastigado pelas chuvas e cuspido pelo vento, o melhor mesmo são as bermas de terra batida. Vão sendo criadas pelo constante passar do trânsito, mas em nada devem ao planeamento rodoviário. São quase sempre da mesma tonalidade e quando o sol as ilumina de forma homogénea, os buracos passam despercebidos. Muitas vezes só em cima deles é que me apercebo. Tarde demais. Apenas tempo para agarrar firme o volante, cerrar dentes, contrair as nádegas e preparar-me para o salto. Felizmente conto sempre com o cinto que me evita as cabeçadas no tejadilho.

Certo é que evitar toda a turbulência é impossível. É garantido que, com uma estrada destas, passo sempre por muitos buracos. A questão é tentar seleccioná-los! É um algoritmo com uma equação complexa. Maximizar o conforto e a saúde do carro, minimizar as pancadas e guinadas, reduzir o tempo do percurso, aumentar a qualidade da viagem e manter as costas sãs…


9 comentários:

Anónimo disse...

André, a tua descrição faz-me lembrar a viagem que fiz de autocarro (ou qualquer coisa que se assemelhava a um), em 2005, de Maputo para Inhambane - foi uma verdadeira aventura durante 500 km, e lembro-me que havia uma estrada parecida, ou ainda pior do que a que tu reportas...! Havia alturas em que me sentia numa verdadeira montanha russa, com saltos em que o estômago parecia querer sair da boca e a única salvação era agarrar-me com toda a força aos poucos apoios que o banco apresentava... Meu Deus...!
Bjs
São

Isa disse...

credooooo. deu bem pra sentir a tensão, caramba...
Bjo

Rodrigo disse...

Uns com tantas estradas e outros sem estradas nenhumas...nunca pensas ter saudades das largas autoestradas lusas :)

O texto é fantastico, juro-te que o li aos solavancos!

Aquele abraço!

André Miguel disse...

Das melhores descrições que já li sobre condução em África. Um verdadeiro desafio!

Anónimo disse...

..A gente aqui, constroi lombas com alcatrao extra, para reduzir a velocidade do monsieur tout le monde,evitando assim acidentes de maior. Ai, a natureza encarrega-se de furar o alcatrao, pisado pelo peso dos demais camioes que por ela passam. Uma especie de vingança pela apropriação individa da terra sua. Ponto comum deste dois paraisos, estará na ideia, de obrigar o individuo a deslocar-se com tempo para também apreciar o que à volta dele se passa. Ora, com ou sem buraco, com ou sem lomba, o monsieur tout le monde...quer é só andar pa frente:)

Anónimo disse...

Nós por cá tambem temos muitos buracos...
mas são financeiros.
Como sempre...
fantástico.

Boa sorte

Abraço

JP

Nae kkul~ disse...

Even though it makes your back pain, you are not interested of highway i guess:))) n Don`t worry of your back pain...YOU GOT ME!!:)

Anónimo disse...

Pelos vistos a minha rua assemelha-se bastante a isso. Por aqui cavam buracos acho que para esgoto e depois aí vem o belo do retalho da estrada que fica ligeiramente acima do retalho do ano anterior que deve ter sido para passar outro tubo ou cabo qualquer. Já para não contar que todos os dias vimos por um caminho diferente visto fecharem a estrada de um lado e no dia a seguir do outro e assim sempre temos tempo para apreciar melhor os quarteirões que nos rodeiam.
Se por acaso começarem a ficar muito mal das costas é só dizer que passo por aí para umas sessões de fisioterapia.
Beijinhos
Inês Pinheiro

Anónimo disse...

eh, lá...a minha barriga não aguentaria nem 100m destas estradas....

jo