Ao
pagar a cerveja, abro a carteira com a mão direita, tiro a nota com a mão
esquerda e assim a entrego, num gesto rotineiro. Enquanto saboreio o primeiro
gole, a empregada do balcão traz o troco na mão direita. À minha frente, faz
questão de passar o dinheiro para a mão esquerda e dizer-me, com alguma ira:
“desculpa a mão esquerda”.
Fiquei
sem perceber o que aconteceu ali. Porque razão ela passou o troco para a mão esquerda,
para depois me pedir desculpa precisamente pela mão esquerda? Imagine-se uma
pessoa na rua que nos dá propositadamente um encontrão e depois de forma
mecânica pede desculpa a seguir. Alguma coisa se passa. Ou a pessoa não bate
bem da cabeça, ou há uma tentativa de passar alguma mensagem. Escolhi a 2ª
opção.
É do
senso comum não atirar o dinheiro a ninguém, não é sério dar dinheiro a menos a
contar com alguma distração, mas qual a questão com a mão esquerda? Haverá “mão
certa” e “mão errada”?
Naturalmente,
inquieto curioso, fui investigar.
Nas
escolas em Moçambique os canhotos sofrem, porque “não fica bem” escrever com a
mão esquerda ou entregar objectos com a mão esquerda. Em actos mais formais
entrega-se com a mão direita, colocando a esquerda a meio do braço direito,
numa espécie de manguito, mas com o braço direito devidamente esticado. Este é
um gesto de elevada educação.
Nas
repartições públicas, o facto de entregar papéis com a mão esquerda é meio
caminho andado para se encalhar o processo por algum tempo, mas imbuído num
silêncio que nada nos revela sobre a inocente falta de respeito.
Perguntando
a dezenas de Moçambicanos, o mais curioso é revelado, pois o desconhecimento é
total: sabem do facto, respeitam-no, educam os seus filhos dessa forma, mas não
sabem o porquê. Assim, há uma disciplina implícita, sem que o motivo esteja
claro, que se for quebrada leva-nos para terrenos da má educação.
Posso
apenas suspeitar que a origem deste fenómeno se pode encontrar na influência
árabe e indiana que Moçambique tem. Nessas culturas a mão esquerda é de facto
relegada para funções menores, não podendo sequer ser usada para comer ou
cumprimentar alguém.
Talvez
se trate de tradições que passam nos hábitos rotineiros, mas cujo conteúdo se
perdeu no caminho…
Da mesma
maneira que não encontro explicação lógica para “as senhoras primeiro”, como mandam as boas maneiras (inventadas por quem?). Pode
ser visto como cavalheirismo, mas o cavalheirismo às vezes é parente do
machismo e o machismo é um erro básico do comportamento humano.
1 comentário:
És fantástico! Gosto muito dos teus textos.
Enviar um comentário