Há 11 anos, quando cheguei a Moçambique, achei que estava preparado para as aventuras que se avizinhavam. Enganei-me. Os desafios que apareceram à minha frente ensinaram-me que estava equivocado e fico feliz por isso.
Na
primeira formação que dei, com a duração de uma semana, tinha 15 pessoas à minha
frente. Adoro dar formação e por isso estava como peixe na água…mas numa água
turva, descobri rapidamente.
Na
primeira pausa para café a organizadora da formação chamou-me à parte e disse
que havia um grande problema: “ninguém estava a perceber nada do que eu dizia”.
Gelei. Mas será que não estavam à vontade com o assunto da formação? Não era
isso. Ela tentou explicar, hoje entendo que de uma maneira muito diplomática,
que não percebiam mesmo o que eu dizia. Mas estando eu a falar português, o que
podia estar a correr mal? Ela contorceu-se na sua gentil diplomacia e disse-me:
“é um português estranho, que não estamos habituados”. Algo tinha que mudar,
caso contrário a formação seria cancelada…
Engoli
o bolo que tinha na mão, mas já sem sentir o sabor. Pousei a chávena do café,
desistindo de o beber. Agora tinha que digerir o enigma: falamos todos a mesma
língua, mas os formandos não me entendiam! Este aviso, na primeira pausa para
café, equivale, num jogo de futebol, a levar um cartão amarelo aos 4 minutos.
Havia uma semana de trabalho pela frente e, não me saía da cabeça, os formandos
não entendiam o que eu dizia.
No
regresso à sala de formação, de olhos arregalados, sentindo a pressão,
dirigi-me ao meu computador pelo corredor das mesas dos formandos. “O corredor
da forca”, pensei, “isto vai correr muito mal”. Continuar a formação no mesmo
registo seria a acumulação de amarelos e consequente expulsão antes dos 10
minutos. Tendo que alterar alguma coisa lembrei-me do meu sotaque. “Sim, é isso
André, o teu sotaque!!”, pensava eu rapidamente, enquanto se sentavam os
últimos formandos, compondo uma moldura aterradora de olhinhos à espera duma
solução. Acabado de chegar de Portugal, vinha de facto com um Português
diferente. Quer dizer, a língua é a mesma, mas a diferença estava na forma como
a punha cá fora. Fez-se luz: “falo demasiado rápido, fecho demasiado a boca e
quando ligo as palavras, devem achar que estou a usar expressões estrangeiras”.
Problema
identificado. Mas a solução que magiquei, sob pressão, era muito arriscada.
Mudar a pronuncia depois do café podia levantar a suspeita de que tinha comido
alguma coisa estragada ou estaria prestes a desmaiar por tensão baixa.
Arrisquei, mesmo assim. Assustava-me ter uma semana e quinze formandos pela
frente e não conseguir dar a formação por causa do meu “português esquisito”.
Quando
abri a boca e disse “então vamos recomeçar”, a frase saiu tão lenta e tão cheia
de acentos que, não só parecia um parágrafo inteiro, como temi que a curta
mensagem tivesse sido distorcida. Os formandos terão ouvido algo do género:
“é-n-t-ã-o v-á-m-o-s r-ê-c-ô-m-é-ç-a-r”. Arriscando, estava a
andar às escuras, sem saber se pisaria em solo firme ou me enfiaria num lodo.
Continuei o mesmo registo e a participação dos formandos não demorou a
aparecer. Notava-se que me entendiam, conseguíamos falar e a formação decorreu
maravilhosamente até sexta-feira, comigo sempre a alterar o sotaque, num tom
teatral, mas agarrando-me a esta personagem que me ajudou a desbloquear a
comunicação.
Uma
“pequena” alteração na minha fala, abriu todas as portas! Hoje usa-se muito a
palavra resiliência. Naquela altura chamei-lhe jogo de cintura, com lançamento
de 3 pontos no cesto. Penso que desde aí (1 mês depois de aterrar em Moçambique
e há 11 anos atrás) mudei o meu sotaque, para me ajudar na comunicação e,
apesar de ir lidando com diversas linguagens, mantém-se o bom entendimento.
2 comentários:
Andre, então é isso!!!!! os meus alunos às vezes também não entendem (:D). Vou copiar o teu truque e f-al-ar de-va-gar .
beijinhos
AP
Gostei imenso do relato :) eu tive de abrasileirar o meu sotaque pprtuga, mas porque me fartei dos oi hein e ah o
Meu avo tb é português... tb pq n consigo falar devagar. Achava eu, qdo abrasileiro o sotaque fica mais lenta a fala :) bjos
Enviar um comentário