20 de setembro de 2012

70 MIL



Nos últimos 26 meses foram muitas as horas que passei ao volante, saltitando lugares no norte de Moçambique, rumo a locais de trabalho. Tenho conhecido os vários pós das picadas, aprendido como bailar o carro nas diferentes lamas, tentado esquivar aos muitos buracos e deliciado com os quilómetros de bom alcatrão que já se apanham. 

Nunca são estradas fáceis, sempre com muitos obstáculos. Sejam crianças que fazem da estrada a extensão das suas brincadeiras, sejam cabritos galinhas, ovelhas ou porcos que passeiam livremente, sejam troncos deixados na estrada em sinal de aviso para uma avaria mais à frente. A atenção tem que ser a 200% e, claro está, o cansaço no final é o dobro.  Tenho a sensação de que se voltar a conduzir numa autoestrada sofrerei de tédio e corro sérios riscos de adormecer!



Nestes últimos 26 meses percorri cerca de 70 mil quilómetros, o que dá uma média diária de 90 Km por dia, TODOS OS DIAS! No entanto tenho direito a fins-de-semana e mantenho a vida pessoal. Assim, fintando as estatísticas, posso fazer 700 Km num dia e ficar bem relaxado à beira mar com uma cerveja na mão noutros dias...

A distância parece assustadora. Daria quase para dar duas voltas ao mundo pela linha do equador, ou percorrer 28 vezes Portugal, pela linha de fronteira! Mas a verdade é que o circuito é mais reduzido (cerca de 3300 Km), não se estende para além do norte de Moçambique e já pouco muda. O que acontece é que o faço várias vezes, repetindo vários troços.




Considero um número notável, atendendo ao mau estado geral das estradas e ao aparente bom estado das minhas costas. Também me considero privilegiado quando chego a casa, me deito no estúdio de massagens da Yumi e a deixo recolocar no sítio devido as peças, à solta nas minhas costas.

Já vi o nascer do sol em Pemba e o pôr-do-sol no lago Niassa (não no mesmo dia, embora seja tecnicamente possível). Posso orgulhar-me de ser o único elemento da equipa que visitou todos os locais ativos de trabalho e conhece, nem que seja de vista, a maioria das equipas (que já somam algumas centenas de pessoas).



Em Quelimane realço a arquitetura característica e os arruamentos tão geométricos que até a mim me desorientam! Os mosquitos lá não picam, mordem, ferram com dentes afiados através da roupa.








Em Monapo vejo o exemplo. Dos 15 locais de trabalho este é o único que continuaria de forma autónoma se o projeto terminasse hoje. É inacreditável, é triste mas é assim. Parabéns a Monapo onde a equipa local assumiu os trabalhos como parte das suas tarefas. Percebeu bem o potencial e importância da iniciativa e hoje com o mínimo de ajuda são eles que gerem as metas, as equipas, os problemas. Um exemplo!

Em Malema é a produtividade que contagia. Terra fértil, regada por inúmeros canais e gente que dedica uma vida à agricultura, muitas vezes feita com pouco mais que uma enxada. Aqui faz-me mais sentido do que nunca atribuir o documento que lhes dá segurança da terra.




Em Mocimboa vejo uma preguiça endémica a ser agitada de forma brusca, acordada a baldes de água fria motivados pela exploração de gás natural um pouco mais a norte.



Cuamba a mim parece-me um lugarejo encravado entre o longe e o distante. Cidade onde não se encontra estrada de alcatrão. Nem lá, nem num raio de 100km, deixando os acessos penosos na época das chuvas. Tem comboio que traz e leva mercadoria de Nampula, tem produção agrícola sim, mas a mim parece-me um local esquecido. Talvez não esteja a ser justo, mas é assim que vejo Cuamba.


A vila de Metangula, à beira do Lago Niassa, um dos grandes lagos do vale do Rift, é o extremo oeste deste circuito. Pacata, simples, mas com uma riqueza incalculável: uma reserva gigante de água doce! Local onde as pessoas levam o gado a beber, onde se lavam, lavam roupa e loiça, onde se pesca, ou simplesmente se retira água potável para casa.


Em Lichinga é incontornável falar do frio! Localizada num planalto, a 1300 metros de altitude, obriga o uso de luvas e casacos fortes nos meses mais frios (meses sem “r”). Como não tenho nada dessas indumentárias em Pemba, tenho que inventar, sobrepondo camisolas finas, na esperança que façam uma camada grossa e mantendo as mãos nos bolsos quando não preciso delas!



De Pemba haveria tanto para falar, mas uma única coisa realço: se tivesse que escolher um único local, entre estes todos, para ficar a viver, seria certamente Pemba! Felizmente vivo cá...




Em Mecufi compro peixe fresquíssimo diretamente das canoas dos pescadores, que regressam nas marés cheias. Além disso a praia de Mecufi encanta-me, sem motivo...




6 comentários:

Joana disse...

Uau...que sítios maravilhosos por onde andas. Por instantes viajei um pouco.

Obrigada
Beijinho
Joana

Bichocao disse...

Que romântico, grande viajante!!!

Alcochete disse...

Bravo bravo bravo

Bruno Marques disse...

So me ocorre um sentimento: INVEJA

JP disse...

Uma boa descrição e avaliação do trabalho feito e por fazer.
Apreciei especialmente as fotos.
Felicidades
Abraço JP

Metxa disse...

Eu também viajei. VIVA MONAPO.