7 de julho de 2013

Experiência rodoviária


Talvez só agora tenha tido coragem de escrever esta história, ou talvez ela precisasse de amadurecer para ser contada. Era um objectivo meu: fazer Pemba – Maputo por estrada, de autocarro. Porque não? É preciso tempo, já sei, espirito de aventura, tudo, mas, como seria?

Na bilheteira, de notas meio dobradas, firmes na mão, parecendo coletores de dinheiro de apostas ilegais, respondem positivamente a todas as nossas questões de segurança. “Trocam de condutor?” – sim; “Dorme-se no caminho?” – sim; “Pára-se para comer?” – sim. Talvez devesse reformular as perguntas para o fintar, mas se calhar fiz as perguntas da forma como queria ouvir as respostas...


O autocarro tem lugares sentados, para todos. Sim, porque coloquei a hipótese de fazer uma longa jornada de pé, ou sentado na coxia em cima de alguns sacos. Nada disso, bancos individuais e cinto de segurança. O espaço para as pernas não era muito, mas se vinha naquela viagem para me queixar do conforto tinha apanhado um avião!

Arrancam num grupo de 4 para fazer face às exigências natalícias e buzinam uns para os outros. Parece que vamos em caravana, mas na realidade é uma disputa entre motoristas que se vão ultrapassando pelo caminho. Em cada manobra o alcatrão fica ainda mais fino e apenas uma reduzida percentagem de passageiros fica entusiasmada com as manobras, gritando e batendo palmas. Os outros 80% ficam em silêncio, engolindo em seco.

Aquilo que por fora parece um robusto autocarro, por dentro parece uma minhoca, serpenteando as estradas e saltitando nos buracos. Como sentamos no piso de cima (o de baixo é para bagagens) dá a ideia que a cada curva vamos tombar. Talvez a fraca suspensão, talvez apenas psicológico...mas bolas, como assusta!

Assim que começámos a rolar a sério em plena estrada nacional, percebi que tinha escolhido um péssimo lugar: a coxia. Inevitavelmente ia com os olhos presos na estrada e assustado com a velocidade com que um monstro daqueles se fazia às curvas. Dava por mim a travar com o pé a bater no chão ou a tentar virar, agarrado às pontas dos meus calções. Tinha que me distrair, pois a viagem é longa, iria durar pelo menos 24 horas! A minha alternativa era olhar para o lado, para a Yumi, que inexplicavelmente dormia...como se sobrevoássemos as nuvens, em vez de cavalgar buracos.


Pessoal com sérios lanches preparados. Frango, chamussas caseiras, cerveja. Nós levávamos bolachas que mal me passavam pela goela, tal era o nó que tinha. O tipo do meu lado era comerciante em Pemba. Ia visitar a família e voltava dentro de 4 dias. Na mesma estrada, com o mesmo autocarro. Gabo-lhe a coragem.

O autocarro vai à mesma velocidade, independentemente das condições do piso, de dia ou de noite. Quando chove a visibilidade reduz para níveis que não entendo. Suspeito que o motorista tem poderes adivinhos ou já conhece tão bem a estrada que nem sempre precisa de olhar para ela. Não é que o limpa para brisas não funcione, ele simplesmente não existe, fazendo acumular uma camada de insectos mortos e uma pasta opaca quando adicionada água!

Com o fim do dia começaram os planos de onde iríamos parar, pernoitar, pensei. A fazer cálculos às barreiras policiais, que proíbem a passagem de transportes públicos a partir de certa hora, a ideia era “pisar”...para conseguir passar mais cedo pelos “gajos” e conduzir mais umas horas. A sério? O condutor tinha os olhos vermelhos, bem cansados, mas era o primeiro a incentivar a estratégia de velocidade.

É bonito viajar por Moçambique relativamente devagar. Pelo menos por terra. À medida que descemos o desenvolvimento sobe. Palhotas tradicionais passam a casa sólidas, pontes precárias para robustas. A paisagem tem um pouco de tudo: os inselbergs em Nampula, coqueiros e arrozais na Zambézia, campos cultivados em Sofala, a imensidão de coqueiros em Inhambane, casas e agitação logo em Gaza.


Com o aproximar da meia-noite o autocarro abranda e estamos agora a entrar numa vila qualquer, com alguns candeeiros na rua. Inchope, o grande cruzamento das estradas em Moçambique. Quando nós saímos do autocarro já várias pessoas descansam os ossos numa vala, à beira da estrada. Sem perceber se é avaria ou paragem, o condutor diz: “saímos daqui a três horas”. Uau...avizinha-se uma noite de descanso...de 3 horas! Dá que pensar se queremos reentrar no autocarro ou não, mas não há muitas condições para pensar: a noite de sono é curta e o cansaço vence-nos facilmente.

A buzina do autocarro (inconfundível e difícil de esquecer) arranca-nos do sono e como múmias voltamos para dentro daquela máquina infernal, sem pensar, apenas com o destino na mente.

No segundo dia continua o mesmo motorista, que no dia anterior conduziu mais de 900Km. Obviamente que, com o sol rasante de frente e extensões das rectas a aumentar, a sonolência aparece. Não há heróis. O motorista começa a coçar com maior frequência os olhos, a cabecear e sente-se que o volante dança mais do que devia para um troço que é sempre a direito! Alguns passageiros, a aperceberem-se disso, ofereceram bebidas e conversa ao motorista, sentando-se ao seu lado e largando gargalhadas suficientes para entrar nos tímpanos e agitar o cérebro...

Quando saí do autocarro em Maxixe renasci. Não acredito em Deus, mas se acreditasse, neste caso diria que Ele estava a olhar por nós naquela viagem.

Era um objetivo  e cumpri. Aventura feita, que escreverei no meu diário. A não repetir...


5 comentários:

Isa disse...

ehehehehehe :D

Anónimo disse...

André,

andas à procura de aventura ou da tua fé?
Grande viagem!

abraço 11

Joana disse...

e as 3 horas de sono onde foram passadas?

Anónimo disse...

Os designios do Senhor são insondáveis bravo amigo meu...
A não repetir mas mais uma experiência para guardar no bau das memórias.
Abraço

macaca grava-por-cima disse...

ca ganda maluquice ó sôr André!!!