Talvez só agora
tenha tido coragem de escrever esta história, ou talvez ela precisasse de amadurecer
para ser contada. Era um
objectivo meu: fazer Pemba – Maputo por estrada, de autocarro. Porque não? É
preciso tempo, já sei, espirito de aventura, tudo, mas, como seria?
Na bilheteira, de
notas meio dobradas, firmes na mão, parecendo coletores de dinheiro de apostas
ilegais, respondem positivamente a todas as nossas questões de segurança.
“Trocam de condutor?” – sim; “Dorme-se no caminho?” – sim; “Pára-se para
comer?” – sim. Talvez devesse reformular as perguntas para o fintar, mas se
calhar fiz as perguntas da forma como queria ouvir as respostas...
O autocarro tem lugares sentados, para todos.
Sim, porque coloquei a hipótese de fazer uma longa jornada de pé, ou sentado na
coxia em cima de alguns sacos. Nada disso, bancos individuais e cinto de
segurança. O espaço para as pernas não era muito, mas se vinha naquela viagem
para me queixar do conforto tinha apanhado um avião!
Arrancam num grupo
de 4 para fazer face às exigências natalícias e buzinam uns para os outros.
Parece que vamos em caravana, mas na realidade é uma disputa entre motoristas
que se vão ultrapassando pelo caminho. Em cada manobra o alcatrão fica ainda
mais fino e apenas uma reduzida percentagem de passageiros fica entusiasmada
com as manobras, gritando e batendo palmas. Os outros 80% ficam em silêncio,
engolindo em seco.
Aquilo que por fora
parece um robusto autocarro, por dentro parece uma minhoca, serpenteando as
estradas e saltitando nos buracos. Como sentamos no piso de cima (o de baixo é
para bagagens) dá a ideia que a cada curva vamos tombar. Talvez a fraca
suspensão, talvez apenas psicológico...mas bolas, como assusta!
Assim que começámos
a rolar a sério em plena estrada nacional, percebi que tinha escolhido um
péssimo lugar: a coxia. Inevitavelmente ia com os olhos presos na estrada e
assustado com a velocidade com que um monstro daqueles se fazia às curvas. Dava
por mim a travar com o pé a bater no chão ou a tentar virar, agarrado às pontas
dos meus calções. Tinha que me distrair, pois a viagem é longa, iria durar pelo
menos 24 horas! A minha alternativa era olhar para o lado, para a Yumi, que
inexplicavelmente dormia...como se sobrevoássemos as nuvens, em vez de cavalgar
buracos.
Pessoal com sérios
lanches preparados. Frango, chamussas caseiras, cerveja. Nós levávamos bolachas
que mal me passavam pela goela, tal era o nó que tinha. O tipo do meu lado era
comerciante em Pemba. Ia visitar a família e voltava dentro de 4 dias. Na mesma
estrada, com o mesmo autocarro. Gabo-lhe a coragem.
O autocarro vai à
mesma velocidade, independentemente das condições do piso, de dia ou de noite.
Quando chove a visibilidade reduz para níveis que não entendo. Suspeito que o
motorista tem poderes adivinhos ou já conhece tão bem a estrada que nem sempre
precisa de olhar para ela. Não é que o limpa para brisas não funcione, ele
simplesmente não existe, fazendo acumular uma camada de insectos mortos e uma
pasta opaca quando adicionada água!
Com o fim do dia
começaram os planos de onde iríamos parar, pernoitar, pensei. A fazer cálculos
às barreiras policiais, que proíbem a passagem de transportes públicos a partir
de certa hora, a ideia era “pisar”...para conseguir passar mais cedo pelos “gajos”
e conduzir mais umas horas. A sério?
O condutor tinha os olhos vermelhos, bem cansados, mas era o primeiro a
incentivar a estratégia de velocidade.
É bonito viajar por Moçambique relativamente devagar.
Pelo menos por terra. À medida que descemos o desenvolvimento sobe. Palhotas
tradicionais passam a casa sólidas, pontes precárias para robustas. A paisagem
tem um pouco de tudo: os inselbergs em
Nampula, coqueiros e arrozais na Zambézia, campos cultivados em Sofala, a
imensidão de coqueiros em Inhambane, casas e agitação logo em Gaza.
Com o aproximar da meia-noite
o autocarro abranda e estamos agora a entrar numa vila qualquer, com alguns
candeeiros na rua. Inchope, o grande cruzamento das estradas em Moçambique. Quando
nós saímos do autocarro já várias pessoas descansam os ossos numa vala, à beira
da estrada. Sem perceber se é avaria ou paragem, o condutor diz: “saímos daqui
a três horas”. Uau...avizinha-se uma noite de descanso...de 3 horas! Dá que
pensar se queremos reentrar no autocarro ou não, mas não há muitas condições
para pensar: a noite de sono é curta e o cansaço vence-nos facilmente.
A buzina do
autocarro (inconfundível e difícil de esquecer) arranca-nos do sono e como
múmias voltamos para dentro daquela máquina infernal, sem pensar, apenas com o
destino na mente.
No segundo dia
continua o mesmo motorista, que no dia anterior conduziu mais de 900Km.
Obviamente que, com o sol rasante de frente e extensões das rectas a aumentar,
a sonolência aparece. Não há heróis. O motorista começa a coçar com maior
frequência os olhos, a cabecear e sente-se que o volante dança mais do que
devia para um troço que é sempre a direito! Alguns passageiros, a
aperceberem-se disso, ofereceram bebidas e conversa ao motorista, sentando-se
ao seu lado e largando gargalhadas suficientes para entrar nos tímpanos e
agitar o cérebro...
Quando saí do
autocarro em Maxixe renasci. Não acredito em Deus, mas se acreditasse, neste
caso diria que Ele estava a olhar por nós naquela viagem.
Era um objetivo e cumpri. Aventura feita, que escreverei no
meu diário. A não repetir...
5 comentários:
ehehehehehe :D
André,
andas à procura de aventura ou da tua fé?
Grande viagem!
abraço 11
e as 3 horas de sono onde foram passadas?
Os designios do Senhor são insondáveis bravo amigo meu...
A não repetir mas mais uma experiência para guardar no bau das memórias.
Abraço
ca ganda maluquice ó sôr André!!!
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