15 de setembro de 2015

Lobolo

Fomos convidados para um Lobolo. Aceitamos com todo o prazer e, claro que tamanha tertúlia não podia escapar à Tertúlia Africana.

O Lobolo é uma cerimónia de casamento tradicional, comum na zona sul de Moçambique. Esta é uma cerimónia com enorme peso a nível social. O Estado assume esta forma de casamento, pelo nível de aderência e importância que tem, embora aos olhos da lei, nenhum documento seja assinado. A assinatura na conservatória é um momento de menor importância na vida do casal. Já vi inclusive casais a assinarem na conservatória à hora de almoço e voltarem ao trabalho à tarde!

No Lobolo o noivo tem que apresentar musculatura financeira, mostrando à família da noiva que é capaz de tratar da filha deles e dos descendentes que surgirem da união.
A família da noiva é paga pela “perda” da filha e inclui uma multa por cada filho que tenha nascido antes. Assim, a família da noiva faz uma lista do que pretende, embora a tradição tenha vindo a mudar com o passar dos tempos e muda de família para família. A lista pode incluir refrescos, capolanas, cabeças de gado, fatos para a cerimónia, etc… Nos tempos modernos, e com o crescer da economia, pode-se ouvir falar numa boa garrafa de whiskey, computadores, carros e até casas…!Muitos noivos, naturalmente, levam algum tempo, alguns meses, senão anos até conseguir avançar…

Consomado o Lobolo, o homem fica com direito a tirar a mulher de casa e levá-la para junto da sua família. Tem peso na dignidade da mulher, pois seguindo de forma rígida a tradição, esta fica numa posição frágil, tipo objecto de pertença. É que por vezes o homem trata-a como sua propriedade, o que dá lugar a tratamentos humanos menos próprios.
No fundo, o Lobolo rege-se por 3 principais regras. É claro que com base nestas regras, há variante mais ou menos rígidas, consoante os costumes locais e rigorosidade das famílias. As regras são:


Se marido morre
A noiva pode continuar na casa do marido a cuidar dos filhos, caso este morra. Ao mesmo tempo, a família do marido fica responsável de encontrar um membro masculino da família, que possa velar pela viúva e poder ter filhos com ela.

Se esposa morre
“Se a esposa morrer ainda jovem (sobretudo se deixar filhos menores), a família dela oferece ao seu genro uma menina para cuidar de seus sobrinhos que serão agora seus filhos e ela passará a ocupar o lugar da sua falecida irmã no lar.”, em Carlos Serra 

Se existe divórcio
Em caso de divórcio, a mulher fica sem os filhos e o lobolo tem de ser devolvido. Ou seja, tudo o que foi gasto na lista da família da noiva e na festa, terá que ser devolvido ao noivo!


Se não houver sequer casamento, quando a mulher morre sem ser lobolada, ninguém pode enterrar o corpo. Fica sem cerimónias fúnebres. Nem o marido viúvo pode enterrar a esposa. Antes de o fazer precisa de cumprir a sua obrigação, sob pena de ser reprovado por toda a comunidade. Enfim, crenças diferentes, talvez estranhas, embora ganhemos muito mais em respeitá-las do que em repudia-las.

Mas descansem os que clamam por igualdade de género. Admito que o cenário que escrevi coloca a mulher numa posição frágil, por vezes impotente. No entanto, no norte de Moçambique existem casamentos semelhantes, mas o papel do homem e da mulher invertem-se. Isso mesmo, a mulher é que demonstra a musculatura financeira e todo o restante procedimento segue…também invertido…

E agora the show must go on, vamos à festa do Lobolo…

Quando chegamos, as mesas invadem a rua. Pouca importância tem, pois a vizinhança juntou-se à festa! E que relevância tem uma mesa torta, ou uma cadeira assente em três pernas? O importante é celebrar a união e fazer a festa.



A Bia desde o início cativou a atenção das mamãs. Algumas apressaram-se a pedir emprego de babás…


 A Bia foi a primeira a ser servida, na mesa da cerimónia mas a comer a sua papinha.


 Enquanto isso, na cozinha tudo aquece à lenha. Devagar, ao ritmo da brasa, frita-se, coze-se, refuga-se… O ajuste da lenha requer mestria, pois um fogo mal gerido é o descalabro da cozinha!


 Todos ajudam. Uma equipa de vizinhos, família e amigos, que não deixa por mãos alheias a preparação da ementa. Arroz, massa, xima, frango…tudo sai daquelas panelas!


 Não falta a chamussa e o rissol, fritos no fogo. Roubo umas chamussas enquanto fotografo a logística…

 A noiva entretanto vai sendo preparada. Vestida, maquilhada, com anel no dedo muito brilhante, pousa para as fotos e cumprimenta os visitantes.


 Num exercício teatral, espera o seu noivo, triste. É que segundo soube depois, a tristeza faz parte da postura da noiva nestas situações. Tradicionalmente está a ser comprada, e levada para outra família, a do futuro esposo. 


O noivo chega com o seu clã. Munidos de refrescos, comida e um bouquet, acompanham o noivo que vem em missão de compromisso. Vem pedir aceitação da parte da noiva. A acompanhá-los um coro que dá uma mística fabulosa à cerimónia.


Ao sinal de um beijo está tudo selado. O noivo manda avançar o seu exército e a noiva acolhe-os todos na sua casa.


Começa a festa com toda a gente. Mais uma vez, os coros dão uma força, que faz acreditar que o chão mexe, obrigando-nos todos a dançar. Ora apreciem…



 A Bia nesta altura já andava de colo em colo, com todos a admirarem a “bebé chinês”.


É notória a desproporção entre pessoas e cadeiras, mas ninguém se importa em participar na festa de pé.


 Bolo, champagne, brindes e música bem alto, com uma coluna mesmo nas costas, daquelas a debitar distorção!


Durante o almoço procede-se à entrega de presentes. Com discursos e mensagens, os grupos dos vizinhos, amigos, família, etc, vão entregando em mão aos noivos. Tudo termina cedo, pois no dia seguinte a festa continua, na casa do noivo…

10 comentários:

Joana disse...

Uau...que maravilha de texto.

ana disse...

André e familia,, vocês são os nossos Orlando Ribeiro dos tempos modernos. Um grande obrigada.
AP

Kkul disse...

So much fun!!!:)

macaca grava-por-cima disse...

tá decidido... o vosso 3º casamento vai ser um lobolo!!! ahahahahahahah
que espetáculo!
"a bebé chinês" tá linda e vê-se que gosta de festa

Zinia disse...

Obrigada por nos transmitires estes costumes.
Beijinhos

JP disse...

Simplesmente adorei

Unknown disse...

Olá, gostei muito do blog!
Também tenho um onde coloco algumas poesias minhas.
Poderia visitar?
http://wordsbyalonelyguy.blogspot.com.br

angi disse...

gostei!

Unknown disse...

Vamos valorizar o lobolo é muito importante, e é a nossa cultura.

iapcambula disse...

Arone, espera um pouco! Há que analisar bem o ritual dos lobolos para dizer se devemos continuar a valorizar.
Se é que ñ sabes, vou compartilhar ctig e com todos aqui que o lobolo é uma prática tradicional dos povos do sul que envocam espiritos do passado. Isto é, estes espíritos são avisados que a noiva que antes era tida como mulher de um espírito que lhe foi atribuida logo na nascença.
Estes espíritos, na verdade são demônios que muitas vezes enfernizam o casal, pouco ou algum tempo depois da cerimônia do lobolo.

Mais detalhes, só investigando mais...