*todas as fotos de André Pinheiro
Quando vejo vida selvagem o
tempo estanca. Não há relógio que me traga limites e ao contrário das pessoas
que vão com uma lista (nem que seja mental) de ver este ou aquele animal, eu
não me importo de ficar estático num sítio e observar. A ver nada, a ver o que
pode acontecer, a ver o cenário a mudar...
Noutro dia perguntava a mim
mesmo o porquê de tal admiração numa repetição dum filme com as mesmas
personagens e cenas previsíveis.
Talvez a enorme admiração pela
lentidão com que quase tudo se passa. Cheiros, olhares demorados, regras bem
definidas, sons, marcas deixadas à passagem. É esta a lenta rotina da vida na
selva.
Viajo a pensar que cada tipo de
animal é uma personalidade humana, transversal a qualquer outra característica,
seja a cor do cabelo, comida preferida ou clube de futebol, pois cada animal tem as suas próprias
características e limitações. Não há animal nenhum que reúna em si todas as
capacidades, como por exemplo voar, nadar debaixo de água e andar na terra.
Penso na frase de Eckhart Tolle:
“Olhe para uma árvore, uma flor, uma planta. Deixe sua atenção repousar nelas.
Note como estão calmas, profundamente enraizadas no Ser. Deixe que a natureza
lhe ensine o que é a calma.”
Lembro-me dos muitos provérbios
que existem sobre animais (já pensaram quantos são?)…
1. "O macaco,
mesmo coberto com a pele dum carneiro, é sempre um macaco."
2. "Até que os leões
tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o
caçador”.
3.
“Quando as teias de
aranha se juntam, elas podem amarrar um leão.”
…e a sua sempre presente
analogia com o comportamento humano.
Relembrando Haile Selassie, sonho
com a frase que: “Enquanto imperar a filosofia de que há uma raça inferior e
outra superior o mundo estará permanentemente em guerra.”
A caçada, para mim, não é a vitória do mais
forte sobre o mais fraco, mas sim o cumprir duma cadeia alimentar direta, sem
intermediários…
E quem se deslumbra com o brilho dum leopardo
de barriga cheia a descansar, não vê o trabalho do escaravelho. Enrolando,
incansável, bolinhas de fezes de outros animais, para porem os ovos, e que enterram depois de empurrá-la ao longo duma distância.
“Ao realizar o transporte e enterramento dos excrementos que se utilizam,
acarretam a aceleração do processo de reciclagem dos nutrientes, além de
promoverem a remoção e a reentrada de matéria orgânica no solo,
consequentemente, melhoram a aeração do solo, tornando-o mais fértil.” WIKI
Já viram a grandiosidade dumas “simples”
bolinhas de merda?
Recordo a ideia “Em O Poder do
Agora, citei minha observação de que dois patos, depois de um confronto, que
nunca demora muito, separam-se e afastam-se em direções opostas. Em seguida,
cada um deles bate as asas vigorosamente algumas vezes, liberando assim o
excesso de energia acumulada durante a luta. Depois disso, eles nadam em paz, como
se nada tivesse acontecido.” Eckhart Tolle, reforçando que as regras existem
também na selva, mas nenhum animal fica a moer rancor sobre outro…
Apercebo-me o quão importante é
a tal da relação parasita, que se devia chamar relação complementar, pois os
animais podem-se ajudar uns aos outros, aliás, os animais precisam uns dos
outros...
Também há as relações menos benéficas, pelo menos para o lado
da presa, mas como diz um provérbio budista: “Um amigo falso e maldoso é mais
temível que um animal selvagem; o animal pode ferir seu corpo, mas um falso
amigo irá ferir sua alma.”
Uma história antiga sobre
leões, coloca em conversa, uma lebre e uma leoa:
- Todos os anos tenho grande
número de filhotes e tu só tiveste um! – diz a lebre
- É verdade – responde-lhe a
leoa – Só tenho um filhote. Mas é leão.
O leão é o rei, sabemos, mas
nem na selva o rei pode tudo. E nalgumas situações “Ser feliz é melhor do que
ser rei.", diz um provérbio africano.
Muito astuto e divertido foi
Jean de La Fontaine, em pleno séc. XVII a explorar as fábulas contadas através
dos animais, mas com tanta mensagem de moralidade para humanos. Nas fábulas nem
sempre vence o favorito, nas fábulas o espertismo paga-se caro.
E é nestas coisas que deixo a
minha mente divagar enquanto observo a vida selvagem. A vida selvagem é o
modelo perfeito da vida…sem interferências maliciosas. Sobrevivência pura…
À saída do parque tudo muda. Cá
fora as coisas são muito diferentes. Não admira que se pague para entrar e
ninguém cobra bilhete para sair.
E é basicamente
isto que procuro transmitir aos meus filhos.
Deixo este
texto com um poema de Ricardo Reis, Fernando Pessoa (Segue o teu destino):
Segue o teu
destino,
Segue o teu
destino,
Rega as tuas
plantas,
Ama as tuas
rosas.
O resto é a
sombra
De árvores
alheias.
A realidade
Sempre é mais
ou menos
Do que nós
queremos.
Só nós somos
sempre
Iguais a
nós-próprios.
Suave é viver
só.
Grande e nobre
é sempre
Viver
simplesmente.
Deixa a dor
nas aras
Como ex-voto
aos deuses.
Vê de longe a
vida.
Nunca a
interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A
resposta
Está além dos
deuses.
Mas
serenamente
Imita o Olimpo
No teu
coração.
Os deuses são
deuses
Porque não se
pensam.
4 comentários:
"Não admira que se pague para entrar e ninguém cobra bilhete para sair".
tão bonito, querido amigo <3
está aí tudo...
(e aquele leopardo de barriga cheia... WOW)
ESPECTACULAR! BJINHOS SAUDOSOS. Lena
Brilhante! Isso mesmo querido primokas....e sei bem o fantástico testemunho que vais deixar aos teus filhos.....grande beijinho
Muito bom André. De facto, só vivendo em África é que se consegue sentir e descrever as maravilhas que esse continente encerra.
Que bom ter-te por aí para nos maravilhares de vez em quando...
Grande Abraço,
Edgar
Enviar um comentário