8 de agosto de 2019

Run Yumi, run...


Esta história vem do baú de aventuras, onde esteve durante 7 anos. Um tempo onde a minha futura mulher era a minha namorada e explorávamos alguns horizontes com o desprendimento de 2 aventureiros sem filhos. Sim, os filhos vieram colocar alguma calma nas nossas odisseias, acreditem…e ainda bem, acreditem! Não é bem o caso desta aventura, se bem que correr à frente dum elefante com uma criança ao colo teria elevado a fasquia do desafio. Esta história passou-se à beira do Rio Lugenda, no norte de Moçambique.



Tivemos a oportunidade de passar uns dias na reserva do Lugenda, a uma dura distância de 9 horas de estrada de Pemba, desfrutando do maravilhoso acampamento, da energia das pessoas que o gerem e da magia da envolvência. O cenário é idílico, uma encantada fusão poética com a natureza: somos nós e as árvores e os animais e a paisagem. A vida selvagem é a lei que reina. 




Os elefantes visitam-nos em redor da tenda e, nalgumas noites acordam-nos com o barulho do arrancar das folhas para comer, de tão perto que estão. Às vezes podemos vê-los enquanto desfrutamos dum descanso com vista privilegiada. Por vezes fotografamos um brinde com eles, a uma distância de segurança.



Os elefantes que andam dentro do acampamento, são aqueles cujo território de acção englobava a área do acampamento antes de este ter aparecido e por isso, no contexto de respeito e preservação da natureza, são bem-vindos ao nosso encontro. 

Os “filhos da terra” eram dois elefantes com livre-trânsito e com direito a nome próprio que, a esta distância já não me lembro, mas vamos, de forma prática, chamá-los de “Zangado” e “Aborrecido”. Nesta altura surgia-me a dúvida: estavam os elefantes a domesticar-se ou nós a ficarmos selvagens?



Estávamos no bar, quando a Yumi diz que tem que ir ao carro. A regra no acampamento é que qualquer pessoa que pise no exterior tenha que ter acompanhamento (ou pelo menos supervisão) de um guia. Neste caso foi o Nick que se prontificou a acompanhar a Yumi durante uns escassos 20 metros para ir ao carro.




O Nick é um homem do mato, habituado às mais adversas situações. Conhecedor da fauna e flora como uma biblioteca viva. É ele quem fica no acampamento durante a época das chuvas. São 3 a 4 longos meses sem ninguém no acampamento, sob o juízo majestoso das tempestades tropicais e tentando minimamente manter as infraestruturas e os acessos principais.

Quando me foi dito que ele falava com os elefantes, a minha expectativa saltou vários patamares. De repente estava dentro dum filme de vida selvagem, com guias quase autóctones, sentindo a confiança de que não havia, para o Nick, qualquer surpresa que se revelasse assustadora. 

Qual Jane Goodall, qual Jacques Cousteau. Nós tínhamos o Nick do nosso lado. O que poderia correr mal?


Os elefantes estavam habituados à vibração da voz dele, ele sabia os nomes dos elefantes, aparentemente estava tudo em família. Pois aí foi ele, sem arma, munido apenas de conhecimento do mundo animal e muito autocontrolo até ao carro. A Yumi atrás dele, de chinelos.

Antes que conseguissem chegar ao carro o “Zangado” deu sinal que a presença do Nick e da Yumi o incomodava com um imponente bramido. Do mesmo sitio onde me encontrava, percebi que a Yumi congelou e o Nick apercebeu-se que a tal viagem de 20 metros pudesse dar mais trabalho do que tinha previsto. O “Zangado”, com cerca de 4 toneladas de peso virou-se para eles, mostrando claramente o que o estava a perturbar. Eles conseguiram aproximar-se da traseira do carro.

Neste momento o Nick agarra o braço da Yumi, e estende a outra mão para falar com o “Zangado”, como quem tenta acalmar um bebé prestes a atirar um prato ao chão. Fiquei encantado com o gesto do Nick, ele de facto estava a interagir com o elefante, que parecia responder, mas a sua reacção em nada abrandou. Rapidamente o Nick percebeu que tendo o carro entre eles e o elefante não era suficiente. A distância era mínima para reagir a qualquer impulso do elefante e o peso do carro, convenhamos, era menos de metade do peso dele. Seria deslocado com facilidade com uma trombada.


Instalou-se a tensão e o próximo a actuar ganharia a vantagem decisiva, para atacar ou para defender. O Nick estava a ser encurralado pelo “Zangado” e tinha à sua responsabilidade uma visitante do acampamento. Sempre que o Nick tentava falar com o “Zangado” este bramia firme e não dava folga para pensar no que fazer. Neste momento o Nick reagiu, ainda agarrado ao braço da Yumi, mas encaminhando-a para a zona do bar e gritando implacável: “RUN YUMI, RUN”, com um vozeirão que não ficava muito atrás do som do elefante. Uma solução de recurso, mas ainda uma solução possível, dadas as poucas alternativas que o “Zangado” estava a dar, enfrentando-os, bramindo em tom ameaçador e abanando as orelhas.


Eu, a assistir a tudo do bar, de forma impotente, vejo nesse momento uma espingarda de 2 canos surgir no meu horizonte ocular. Apontada ao céu, certamente para assustar, mas era uma espingarda, de metal frio, pesada e com balas lá dentro. No momento em que o guia carregou a espingarda eu saí do filme de vida selvagem onde ainda me encontrava. Lembro-me de pensar: “porra, isto é sério”. Sim, podem dizer que talvez fosse um pouco tarde para acordar do “filme”, mas até àquele momento pensei que a situação, embora difícil, estivesse controlada.

Aquilo que vi de seguida foi o momento bíblico mais impressionante depois de Jesus caminhar sobre as águas. A Yumi corria sem tocar com os pés no chão. Só não foi batido o recorde universal dos 20 metros porque as regras não permitem que se percorra as distâncias a voar. Disparada por um jacto invisível, com a vida como principal motivação, nem teve tempo de gritar ou dizer uma simples e reconfortante asneira. Chegou ao bar a salvo…


Depois da Yumi sair, o Nick ainda ficou no mesmo local e a conversa com o “Zangado” teve um desfecho surpreendente. O Nick continuava a apelar à calma. O elefante parecia menos agressivo, embora ainda rabugento e acabou por virar costas e sair. O Nick voltou para o bar e naturalmente houve rodada de Gin tónico…



Nick, está um macaquinho no caminho da cadeira onde deixei o meu livro. Que faço agora…?

5 comentários:

Joana disse...

Yumi, foi mais rápida que a sua própria sombra!!

Sara disse...

África is not for sissies 😂😂😂🙏🙏🙏🙏

Hugo disse...

Existe o national e o geographique. A Yumi leu os bem 2 uffffffffaaa

Hugo disse...

Existe o national e o geographique. A Yumi leu bem os 2 uffffffffaaa

Mãe cota disse...

Gostei, como sempre gosto dos teus textos. Mas hoje acrescento muitos beijos de parabéns e um dia ainda mais feliz do que o habitual. Mãe Mizé.