6 de julho de 2017

Queijo de cabra

Gosto de queijo. De todos os queijos que existem, mas um dos meus preferidos é o de leite de cabra. Não me perguntem porquê. Não sei. Ainda me lembro do cheiro do queijo de cabra que comia em criança, feito perto da Vila de Rei, Castelo Branco, Portugal, e sempre o tive como um queijo especial.

Aterrado na árida ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, onde a fauna é basicamente composta por cabras e burros, estava longe da surpresa: o queijo de cabra é o mais comum por estas bandas. De fácil produção, o queijo é feito por muitas famílias na ilha.


Por coincidência, ao longo de alguns passeios pela ilha, acompanhei várias fases do processo, que tenho o prazer de partilhar aqui.

As cabras costumam andar à solta pela ilha. Aos olhos de um leigo, parecem quase animais selvagens, a andar à deriva e por todo o lado. Engano. Todas têm dono e na verdade nunca se afastam muito do respectivo curral. Na verdade nem mesmo a própria selva é aleatória. Após o inicial deslumbre de ver a bicharada à solta, começa-se a entender a sua natural organização.


A recolha das cabras é, mesmo assim, um mistério da ciência tradicional, que gosto mais de saborear do que tentar desvendar. Com diferentes frequências ao longo do ano (dependendo da água e do pasto) recolhem as cabras para tirar o leite. Algumas cabras dirigem-se sozinhas ao curral, assim que veem o pastor a chegar. Outras precisam da insistência do ladrar dos cães para se recordarem que têm que ir para o curral. Outras, nem sinal delas. Afastaram-se um pouco mais e falham à chamada naquele dia.


Quando um bom número de cabras está no curral, é chegada a hora da recolha do leite, selecionando pela análise do tamanho das tetas. Quase todas as cabras têm uma boa produção e a mim parece-me que até agradecem, pois algumas tetas parecem prestes a explodir…




É tanto, que algum se coloca numa garrafa e bebemos ali mesmo. Acabado de sair, quentinho e espesso, obriga-nos a mastigar um pouco antes de engolir. 




Noutro canto da ilha, num dia diferente, parei no bar do senhor Txá. Transborda simpatia, com brilho nos olhos e cabelo tão grisalho que já é quase todo branco. Faz questão de me cumprimentar sempre que nos cruzamos pela ilha e sempre tem uma palavra a dizer. Pena que só entendo 10% do seu cerrado sotaque crioulo, mas que importância tem, se a simpatia fala pelos restantes 90%? Serviu-me um copo do seu maravilhoso ponche de mel, caseiro e feito com mestria, mas senti-o atarefado…


O Txá não sabia o que fazer. Tentava receber-me amavelmente, mas a preocupação dele estava noutro lado. O português dele não saía e o sussurro em crioulo era impercetível! Algo estaria a precisar da sua atenção com urgência.

Acabou por se decidir, fechando o bar comigo lá dentro e convidou-me a ir ver os queijos. Do seu intenso crioulo e português sacado a ferros entendi que o queijo tinha um tempo certo para fazer…e tinha que ser agora, caso contrário perdia-se o ponto de coagulação. Estava explicada a ansiedade.

Começou a explicar-me o processo, enquanto eu bebericava o ponche, feito pelas mãos que agora apertavam o queijo! Senti-me privilegiado.


Fazia um enorme esforço no português, como quem escolhe meticulosamente as palavras em estrangeiro, para não escorregar no diálogo. Com campo linguístico aberto, comecei a fazer as minhas perguntas, como sempre, com muita tendência para os números. Detalhou-se na explicação dos cálculos: uma cabra pode dar entre 0,8 e 2 litros em cada recolha. Para cada queijo, e dependendo da altura do ano, é preciso 1 litro a 1,5 litros. Assim, simplificando, em média é necessária uma cabra por cada queijo. A frequência de recolha e quantidades variam um pouco, por diversos factores.


Quando eu já estava entusiasmado com a conversa, que naquele momento já era fluida, com o cenário dos números a montar-se, perguntei-lhe quantas cabras tinha. A resposta veio com um largo e simpático sorriso, o mesmo brilho nos olhos e nenhum sinal de preocupação: “não sei…muitas…”. Disse-me que depois de formado o queijo, vem o sal ou tempero a gosto e uma noite de repouso.

No dia seguinte vende os queijos no seu bar, com a simpatia que dá encanto ao seu produto.


Ao saborear, já na fase final da linha de produção, o queijo conta-me as várias histórias do seu percurso, a cada mastigadela.




1 comentário:

macaca grava-por-cima disse...

já marchava!!!! adorei o relato... esse queijinho é qqr coisa!