Gosto de queijo. De todos os
queijos que existem, mas um dos meus preferidos é o de leite de cabra. Não me
perguntem porquê. Não sei. Ainda me lembro do cheiro do queijo de cabra que
comia em criança, feito perto da Vila de Rei, Castelo Branco, Portugal, e
sempre o tive como um queijo especial.
Aterrado na árida ilha da Boa
Vista, em Cabo Verde, onde a fauna é basicamente composta por cabras e burros,
estava longe da surpresa: o queijo de cabra é o mais comum por estas bandas. De
fácil produção, o queijo é feito por muitas famílias na ilha.
Por coincidência, ao longo de
alguns passeios pela ilha, acompanhei várias fases do processo, que tenho o
prazer de partilhar aqui.
As cabras costumam andar à solta
pela ilha. Aos olhos de um leigo, parecem quase animais selvagens, a andar à
deriva e por todo o lado. Engano. Todas têm dono e na verdade nunca se afastam
muito do respectivo curral. Na verdade nem mesmo a própria selva é aleatória.
Após o inicial deslumbre de ver a bicharada à solta, começa-se a entender a sua
natural organização.
A recolha das cabras é, mesmo
assim, um mistério da ciência tradicional, que gosto mais de saborear do que
tentar desvendar. Com diferentes frequências ao longo do ano (dependendo da
água e do pasto) recolhem as cabras para tirar o leite. Algumas cabras
dirigem-se sozinhas ao curral, assim que veem o pastor a chegar. Outras
precisam da insistência do ladrar dos cães para se recordarem que têm que ir
para o curral. Outras, nem sinal delas. Afastaram-se um pouco mais e falham à
chamada naquele dia.
Quando um bom número de cabras está no curral, é chegada a
hora da recolha do leite, selecionando pela análise do tamanho das tetas. Quase
todas as cabras têm uma boa produção e a mim parece-me que até agradecem, pois
algumas tetas parecem prestes a explodir…
É tanto, que algum se coloca numa
garrafa e bebemos ali mesmo. Acabado de sair, quentinho e espesso, obriga-nos a
mastigar um pouco antes de engolir.
Noutro canto da ilha, num dia
diferente, parei no bar do senhor Txá. Transborda simpatia, com brilho nos
olhos e cabelo tão grisalho que já é quase todo branco. Faz questão de me
cumprimentar sempre que nos cruzamos pela ilha e sempre tem uma palavra a
dizer. Pena que só entendo 10% do seu cerrado sotaque crioulo, mas que
importância tem, se a simpatia fala pelos restantes 90%? Serviu-me um copo do
seu maravilhoso ponche de mel, caseiro e feito com mestria, mas senti-o
atarefado…
O Txá não sabia o que fazer.
Tentava receber-me amavelmente, mas a preocupação dele estava noutro lado. O
português dele não saía e o sussurro em crioulo era impercetível! Algo estaria
a precisar da sua atenção com urgência.
Acabou por se decidir, fechando o
bar comigo lá dentro e convidou-me a ir ver os queijos. Do seu intenso crioulo
e português sacado a ferros entendi que o queijo tinha um tempo certo para
fazer…e tinha que ser agora, caso contrário perdia-se o ponto de coagulação. Estava
explicada a ansiedade.
Começou a explicar-me o processo,
enquanto eu bebericava o ponche, feito pelas mãos que agora apertavam o queijo!
Senti-me privilegiado.
Fazia um enorme esforço no
português, como quem escolhe meticulosamente as palavras em estrangeiro, para
não escorregar no diálogo. Com campo linguístico aberto, comecei a fazer as
minhas perguntas, como sempre, com muita tendência para os números. Detalhou-se
na explicação dos cálculos: uma cabra pode dar entre 0,8 e 2 litros em cada
recolha. Para cada queijo, e dependendo da altura do ano, é preciso 1 litro a
1,5 litros. Assim, simplificando, em média é necessária uma cabra por cada
queijo. A frequência de recolha e quantidades variam um pouco, por diversos
factores.
Quando eu já estava entusiasmado
com a conversa, que naquele momento já era fluida, com o cenário dos números a
montar-se, perguntei-lhe quantas cabras tinha. A resposta veio com um largo e
simpático sorriso, o mesmo brilho nos olhos e nenhum sinal de preocupação: “não
sei…muitas…”. Disse-me que depois de formado o queijo, vem o sal ou tempero a
gosto e uma noite de repouso.
No dia seguinte vende os queijos
no seu bar, com a simpatia que dá encanto ao seu produto.
Ao saborear, já na fase final da linha de
produção, o queijo conta-me as várias histórias do seu percurso, a cada mastigadela.
1 comentário:
já marchava!!!! adorei o relato... esse queijinho é qqr coisa!
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