A
primeira vez que experimentei Kimchi disse à Yumi “olha que azar, está
estragado”. Ela, com os olhos rasgados semi cerrados, que lhe colocam 3
sorrisos no rosto, abanou suavemente a cabeça e disse “não, isto é kimchi, é
assim mesmo”. Detestei o sabor.
O kimchi é um elemento de presença obrigatória
numa mesa coreana. Como o pão ou azeite na mesa portuguesa. É uma espécie de
pickle de couve, daí o seu sabor um pouco ácido e bastante picante.
Muitas famílias dedicam um fim de semana por
ano para a sua confessão, que dará kimchi suficiente para os 12 meses seguintes.
Tive a sorte de estar presente num desses momentos e ajudar a minha família
coreana na confecção.
A couve usada é a couve china e os
ingredientes são ao sabor da inspiração e sabedoria familiar.
Alguns dos ingredientes do tempero são: algas,
mexilhões, peixe, alho francês, piri-piri, óleo de sesamo, etc… A mãe da Yumi,
perante o meu espanto, não segue nenhuma receita. Corta e atira os ingredientes
para o algidar e nós mexemos, fazendo lembrar o caldeirão do panoramix. Vai
provando o sabor e lá decide o que acrescentar mais. E nós mexemos. Depois
deste ciclo se repetir várias vezes, sorriu, chegou ao sabor que queria e o
têmpero estava pronto.
O preço da couve nesta altura do ano é
controlado. O governo da Coreia do Sul preocupa-se com o mercado da couve, de
maneira a não especular o preço em períodos de alta demanda.
Fizemos 45 couves (cerca de 80 kg), com 5 kg
de piri-piri e 10 kg de têmpero. Quantidade suficiente para um ano, para uma família
de 4 pessoas. Depois de finalizado o têmpero, há que espalhá-lo em todas as
couves, folha a folha, num trabalho de paciência asiática. A casa, nesse dia e,
a bem da verdade, nos restantes 364, fica perfumada com o cheiro característico
do kimchi, que caracteriza uma boa casa coreana.
Existe pré-feito em várias lojas, mas caseiro
é sempre melhor. À medida que se vai fazendo, a mestre das operações vai-me
dando a provar. Fervo com o picante, mas delicio-me com o sabor: “Primeiro
estranha-se, depois entranha-se”. Neste momento, sou eu que dou pela falta do
kimchi se não estiver na mesa. Passei a ser um grande admirador de kimchi...
Há muitas receitas diferentes, dependendo das
pessoas que fazem. Algumas receitas vão passando, dentro da família, como uma herança
da sabedoria. A nossa, inevitavelmente, parece-nos sempre a mais saborosa. O
tempêro foi ajustado ao nosso gosto e as folhas de cada couve mereceram a nossa
inteira atenção.
Para realçar a importância do kimchi na Coreia
do Sul, existe um electrodoméstico específico para guardá-lo durante o ano.
Aparelho de presença quase obrigatória em todas as casas, estando preparado
para manter o kimchi à temperatura adequada até à próxima produção.
5 comentários:
Tenho vontade de provar!
hmmmm, delícia.
Que espectáculo!!!
depois de uma descrição destas eu também quero provar. Onde, em Lisboa, o posso fazer? sugestões?
beijinhos
AP
A preparação desta iguaria deve ser um grande e importante momento anual de reunião familiar. Um ritual cheio de cor e odores bem caracteristicos nesse país. Que maravilha André! Obrigada pela partilha. A aquisição de conhecimentos multiculturais que este blog proporciona aos seus seguidores, é imperdível!
Beijinhos para esta família que tenho o privilégio de conhecer 😘
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