No
fim dum dia de trabalho, no norte de Moçambique, numa casa de estadia para as
equipas, tentava preparar o meu jantar. A cozinha era desconhecida e isso
implica sempre algum gasto de tempo a encontrar o lugar das coisas. Mais
voltas, menos voltas, 3 ou 4 tentativas e os utensílios e ingredientes estavam
encontrados. O maior problema apareceu na hora de ligar o fogão elétrico.
Parecia ser incapaz de o fazer e o azeite que já tinha posto na frigideira
arriscava-se a ficar frio. Precisava de ajuda!
Chamei
o guarda da casa, pois em Moçambique há quase sempre um guarda, ajudante ou
auxiliar, como preferirem. Veio um ancião de pé descalço calejado e cabelo
quase todo branco. Simpatia quanto baste, mas sem passar muita confiança. Nenhum
sorriso. Expliquei-lhe o problema e ele, com sabedoria madura, disse:
-
Aqui, o problema… - e eu fiquei radiante, pois ele em tão pouco tempo já tinha
percebido o que se passa com o fogão – é você não saber usar o fogão!
Murro
no estômago, calafrios na espinha, olhos esbugalhados! Então eu, macho latino, homem independente, pai de filhos, não sei usar
um simples fogão?, pensei eu enquanto abria e fechava as mãos num gesto
nervoso. Mas, digerida a fúria, a verdade é que não estava a saber usar aquele
fogão e, se dependesse de mim, ia para a cama de estômago vazio. Respirei fundo
e respondi:
- É
mesmo? Peço então para me explicar, meu pai… - no melhor sotaque Moçambicano
que encontrei
Ele
esticou os braços e abriu as mãos na direção do fogão com muita cerimónia, como
quem estava prestes a desvendar o mais importante mistério a seguir ao big
bang.
-
Você tem esta luz aqui perto do botão… - começa ele.
-
Sim – murmuro eu com muita atenção.
-
Quando esta luz está acesa, o fogão está apagado, não aquece.
-
Sim – continuo eu, igualmente atento, pois esta instrução era fulcral para o
meu jantar.
-
Roda o botão e a luz apaga –
continua o ancião.
-
Sim – acompanho os passos todos.
-
Quando a luz apaga, o fogão aquece – termina o ancião, com um sorriso inédito e
com a confiança de quem acaba de dar a palestra mais importante do dia.
E
era a palestra mais importante do dia, pelo menos para mim. Uma explicação dum
problema aparentemente simples foi na verdade o remover dum muro intransponível,
que me impedia de fritar um simples ovo! Eu fiquei imóvel, surpreendido pela
explicação. Apenas consegui dirigir os olhos ao ancião e num levantar de sobrancelha
disse “OK”. Acho que consigo lidar com
essa peculiaridade do fogão, pensei.
O
ancião saiu na maior descrição e eu fiquei sem reação sequer para o
cumprimentar. Eis uma boa lição,
pensei, sozinho, com os ovos na mão e o azeite a aquecer. Se tivesse insistido
na arrogância inicial, tinha passado fome. Afinal era verdade que eu não sabia
usar aquele fogão. Comi o jantar e fui dormir de estômago consolado.
3 comentários:
entre ego e estômago consolado, escolho a última :D
ninguém merece ir dormir com fome
macaca
Mais destas aí vêem ;)
Como te entendo...cada casa seu fogão, e cada fogão sua forma de trabalhar. Os primeiros dias são sempre o caos numa casa nova...No entanto, com o problema solucionado aproveita para fazer bons cozinhados
Enviar um comentário