Neste regresso a Moçambique as saudades têm sido saciadas faseadamente,
como se uma criança embrulhasse os seus próprios brinquedos e abrisse os
presentes 2 anos depois. O meu sorriso surpreende o rosto quando por aqui e por
ali volto a ouvir as expressões de ADN Moçambicano, fiéis registos da sua
cultura. Expressões complexas de traduzir, mas que são pérolas para quem está
por dentro da cultura…
Quando leio Mia Couto deparo-me com palavras que não existem, não vêm em
nenhum dicionário, mas que naquele contexto são perfeitamente percetíveis.
Aliás, se pensar bem, dificilmente haveria melhor palavra para colocar na
frase, mesmo que, até ao momento, a desconhecesse. É que na falta de léxico ou
de tempo para compor uma ideia de forma a nos fazermos entender, é melhor
recorrer às expressões populares, maturadas e quase sempre com níveis elevados
de humor.
Partilho algumas:
1.
“Se não te conhecesse, constituirias parto” . Sempre ouvi esta expressão, ou melhor, metade dela.
Sempre ouvi “Se não te conhecesse…” e assim ficava incompleta a pairar no ar,
deixando espaço à curiosidade sobre a 2ª parte da condição que teimava em não
sair. Finalmente ouvi uma versão, e que versão! Vejam bem a dificuldade de
pronunciar “c-o-n-s-t-i-t-u-i-r-i-a-s” rapidamente (sim, porque expressões
demoradas dispersam a atenção do ouvinte)! O parto aqui transmite algo novo,
por descobrir, que pode surpreender…
2.
“Hoje vamos beber água de pé”. Quando se prevê uma chuvada diluviana. Daquelas
tempestades escuras que roncam já no horizonte, dando o último aviso para cada
um se precaver, antes de atirar as nuvens com força contra o chão.
3.
“Onde há manobra, sempre há espaço”. O que é totalmente diferente de “Onde há espaço, há
sempre manobra”. Deixo-vos com o prazer da análise.
4.
“Fui na tua casa e te encontrei enquanto não estavas”. Aquela que, depois de dita, nos deixa o cérebro a
descodificar o seu significado e a tentar reorganizar a ordem das palavras para
dar um sentido lógico. Mas no abstracto, está dito, alguém foi ao nosso
encontro e…encontrou a ausência. É válido.
5.
“Hei-de vir”, que na maioria das vezes se pronuncia “Hei di vi”. É um compromisso de
alguém que virá ao nosso encontro. No entanto, o cumprir da intenção é de prazo
incerto. Pode acontecer na próxima meia hora, próximos dias…ou não acontecer.
Por isso, quando alguém diz “hei di vi”, é sempre bom perguntar “quando?”. Não
soluciona, mas pode ajudar…
6.
“O que abunda não prejudica”. Uma expressão ambígua, que dança no gume duma faca.
Analisemos. Surge de imediato na cabeça a pergunta: “E se o que abunda for
mau?, A expressão ainda será válida?”. Afinal de contas diz-se que tudo em
excesso faz mal, até beber água! Mas se o que abunda ainda não está em excesso,
o que é mau é demais e o que é bom queremos em abundância, então sim, “o que
abunda, não prejudica”…
7.
“Láaaaaaa”. Expressão
de medida de distância numa localização geográfica. Se for ao virar da esquina
é “lá”, se precisarmos de andar 1 hora é “láaa”, se for preciso viajar de
carro, então será “lááaaaaa”. A dificuldade reside no número de “a” que ouvimos
e na conversão dessa escala para uma escala métrica. Quantas vezes já ouvi
“láaa”, quando afinal era “lááaaaaaaa” e fartei-me de andar…
8.
“Mais ou menos normal“. Expressão que contribui tanto depois de dita, como
contribuía antes de ser dita: nada. Se perguntar a uma pessoa como ela está e
ela lhe responder com ar sério e cerimonioso “mais ou menos normal” a que conclusão
chegaria?
9.
E
a cereja no topo do bolo: “Desconsegui”.
Esta expressão é muito mais do que a simples negação de “conseguir”. Quem já a
ouviu, certamente percebeu isso. O “desconseguir” engloba em si a tentativa de
alcançar e a frustração do insucesso. É uma expressão carregada de desalento e
que dispensa qualquer interrogação, pois quem o diz, tentou bastante. Está
implícito.
1 comentário:
Adoro esas coisas, adoro :)) até hoje uso algumas expressões do português do Brasil por serem cirúrgicas, não lhes encontrar equivalente no nosso português :) Beijinhos e ótimo recomeço <3
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