22 de novembro de 2018

Com a força de acreditar



Não nos sentimos bem por qualquer motivo e vamos ao médico, mas a medicina convencional dá imenso trabalho. Qualquer sintoma tem que ser devidamente diagnosticado, fazer análises, esperar a vez, estar em jejum, entrar em máquinas assustadoras, certificar que o seguro cobre o que precisamos, consultar um especialista e outro médico para ter 2ª opinião, recear o tratamento, pedir conselhos, duvidar e aceitar…para no fim, levar para casa um saquinho cheio de medicamentos.

Veja as maravilhas duma ciência com ambições de exacta. A solução imediata, sussurrada ao ouvido do ego, para problemas do dia a dia, que tocam a todos os seres humanos.


A promessa é de resolver rapidamente dificuldades palpáveis que levarão ao caminho da satisfação. Repare que nenhum curandeiro nos promete a felicidade, a generosidade ou a paz interior. Isso são abstracções cujos alicerces pertencem à dimensão do obscuro. Não valerá a pena pagar por isso, pensam alguns.

Haverá melhor que isto? Por uma retribuição mais ou menos volumosa (dependendo dos objectivos), que pode incluir dinheiro, cabritos ou roupa, o curandeiro faz magia a quem precisa de a receber. Há mestria nestas ciências com ambições de exacta, não pense que são um bando de charlatões. Se ninguém cortar as ervas daninhas elas irão proliferar…



Veja a enorme vantagem de ter todos os médicos num único individuo, que atende com marcação prévia, resolvendo qualquer e vários problemas duma assentada. Por um cabrito ou um casaco digno somos atendidos com um punhado de sementes, penas de galinhas, velas e discurso assertivo. E aqui é que me pergunto sempre: “onde está de facto a cura? No curandeiro, ou na força de acreditar?”

Repare na ambiguidade de algumas promessas: i) “Controlar as traições do seu parceiro”: significa o quê mesmo? Seleccionar a qualidade das amantes? ; ii) “Carteira mágica”: na magia já se sabe, aparecem e desaparecem coisas ; iii) E num comentário geral, o homem, parece que os problemas estão centrados no homem e quase todas as curas são-lhe direccionadas.

Se não tivesse vivido de perto com um caso dum curandeiro, diria que tudo é mentira. Hoje em dia digo, para alguns casos, “respeito”, pois há tratamentos tradicionais relativamente pacíficos, mesmo que não os entenda muito nem recorra a eles.

Noutro dia dizia-me um senhor, por quem tenho muita estima e em quem confio, que já não conseguia arranjar mulher. Depois dos primeiros encontros elas fugiam. Explicou-me que a ex-mulher lhe tinha deixado um feitiço e que o corpo rejeitava novas conquistas. Céptico, respeitando quem mo disse, tentava focar-me nos factos. Fiz algumas perguntas mais técnicas sobre o assunto e nada, o efeito parecia estar dentro dele. Sem explicação. Pediu-me ajuda para ir ao curandeiro e ajudei-o, sempre duvidando sobre a escolha. Não entendia o sintoma, fazia-me confusão a consulta dum curandeiro, mas queria ajudar aquela pessoa, muito querida para mim.

Metemo-nos no carro e depois de mais de 200km percorridos, entrados num mato denso, todo igual até depois do horizonte, pediu-me para ficar “naquela árvore ali”. Pediu-me que o viesse buscar daí a 3 dias. Deixei-o, sem nenhuma pergunta, mas como havia milhares de árvores iguais, pelo sim, pelo não, medi um ponto GPS, para me orientar no regresso. Três dias depois lá estava ele, “naquela árvore ali”, com um sorriso nos lábios e um cabrito pela trela, para me oferecer pelo apoio. Apenas perguntei se tinha corrido bem. Ele disse que sim, sorrindo e pousando um olhar esperançoso no horizonte. Eu nunca soube qual era o verdadeiro problema nem qual foi a assertiva cura.

Uns tempos depois disse-me que estava tudo resolvido. Que podia finalmente escolher uma companheira (escolher, veja o luxo!). Mantive o silêncio de qualquer curiosidade. Estava feliz pela sua felicidade. Ali à minha frente estava um problema resolvido, um homem feliz, uma força de acreditar…

Há outros “tratamentos tradicionais” que ultrapassam a irracionalidade, afectando a mente e todos os direitos possíveis,  como as aberrações de colectar órgãos de pessoas albinas, “pacientes” que morrem porque tinham o diabo no seu interior, ou ter relações sexuais com virgens sob a promessa de limpar o VIH. Qual será a força de acreditar nisto?

Pessoalmente, quando tenho alguma maleita, continuo a preferir a medicina convencional, onde qualquer sintoma tem que ser devidamente diagnosticado, fazer análises, esperar a vez, estar em jejum, entrar em máquinas assustadoras, certificar que o seguro cobre o que precisamos, consultar um especialista e outro médico para ter 2ª opinião, recear o tratamento, pedir conselhos, duvidar e aceitar…para no fim, levar para casa um saquinho cheio de medicamentos.

1 comentário:

ana disse...

Mais um exemplo da importância do sistema de posicionamento por satélite ...de nada servia o final feliz da historia se árvore não fosse "aquela ali" :D