Parece que o meu amigo Carlos
Alberto ficou entusiasmado ao partilhar a primeira história com a Tertúlia. Eu
fiquei encantado, agradeço mais esta história e abro a porta a outras que
virão. Hoje a história é sobre uma troca de galinhas, um acto de justiça que sempre marcou a alma boa e generosa
do Magalhães das Forças. Uma história que podia ser fruto da imaginação ou
banhada em ficção científica, mas não. Aconteceu, em África, aconteceu ao Carlos Alberto e mostra-nos como a
riqueza das histórias representam um testemunho cultural tão relevante e
transcrevo-a:
“Conheci este Homem na década de
50, do século passado, claro. Por esta altura eu terminava o liceu e ia à Beira
nas férias de Verão (de Junho a Setembro, era a época mais fresca) e recordo
que o Magalhães das Forças, de seu nome José de Magalhães, nascido na
Metrópole, como antigamente se dizia, da zona de Aveiro, me contou que se
fizera marinheiro embarcando num cargueiro. Tinha partido à aventura, antes da
I Grande Guerra, descendo pelo Atlântico fora e subindo o Indico até arribar a
um local inóspito, cheio de mosquitos e malária, uma língua de areia, rodeada
de mangal e “matope” (lodo), conhecida inicialmente por “Posto do Aruângua”, a
foz do Rio Pungué ou, noutro vocabulário, o futuro grande porto da Beira. Nome
este pelo qual foi batizada, em homenagem ao filho mais velho do nosso Rei, D.
Carlos, ambos barbaramente assassinados em 1 Fev 1908. Ainda hoje não percebo
por que é que o Samora Machel não mudou o nome de “Beira”, assim como fez com Lourenço
Marques, para “Aruângua” ou “Pungué” ou “Chiveve”, tudo nomes indígenas. Alguém
me sabe explicar?
A alcunha de “Magalhães das
Forças” adveio-lhe pela circunstância de, após a Grande Guerra, ter começado a entrar
em torneios de “catch as catch can”, que nós hoje apelidamos de “luta livre”,
da qual, aliás, fui um grande fã. Saludes e José Luis (espanhol e português)
foram dois “grandes” nomes de cartaz, do Parque Mayer, que eu frequentava, com
alguma assiduidade, nos meus tempos de ramboia. Ainda estou a ver os cartazes
que o Magalhães das Forças tinha afixados na garagem da sua casa, com a
fotografia dele em várias posições e mostrando toda a sua capacidade física e
muscular, para impressionar o público admirador.
Lembro-me do Magalhães das Forças
me dizer que a sua primeira casa foi uma jangada, ancorada na foz do Pungué,
onde os seus seis filhos, todos à volta dela, aprenderam a nadar. Ele
atirava-os à água, e depois ia buscá-los, antes que algum crocodilo se
aproximasse.
Um dia, este meu amigo, cuja
memória muito prezo, convidou-me a ir visitá-lo à sua “Quinta do Leopardo”, uma
pequena herdade, situada na Manga (arrabaldes da Beira) onde tinha uma “surpresa”
que me queria mostrar. Nesta pequena quinta, ele vivia com os seus pequenos
animais, “amigos de sempre”: galinhas, patos, perus, pombos, rolas, perdizes,
galinhas do mato e uma grande jiboia, a tal “surpresa”.
Quando lá cheguei deparei-me,
com espanto, com uma gaiola toda em madeira, talvez de 2 por 3 metros, toda
fechada, com uma rede de galinheiro na parte da frente, através da qual se
divisava aquilo que parecia ser uma grande cobra. Estava toda enrolada sobre si
mesma e com a cabeça meio escondida. Ao lado da cobra, que estava imóvel,
saltitava e depenicava, pelo chão de terra, uma galinha, toda alegre e bem-disposta.
- Oh Sr. Magalhães, o que é esta
cobra? – perguntei
- Esta cobra é uma jiboia, muito
bonita e muito mansinha. Eu já ta vou mostrar – responde, atencioso, o
Magalhães das Forças
Entretanto, ele chama um miúdo,
que ali trabalhava, e diz-lhe para correr e apanhar uma galinha qualquer, das
que andavam à solta, e trazê-la ali para a capoeira da jiboia. Comecei a ficar
de boca aberta: “Porquê duas galinhas ao pé da jiboia”, pensei. Momentos depois
o miúdo estava a abrir a portinhola da jiboia e a meter uma galinha e a retirar
a que lá estava.
- Sabes, Carlos Alberto, as jiboias
só comem animais vivos e esta galinha, que saiu, já cumpriu o seu dever. Há
oito dias que ali estava a fazer companhia à sua “amiga” e acho que seria muito
injusto mantê-la por mais tempo. Por isso é que a substituí. É o que faço todas
as semanas. – explicou o justiceiro Magalhães
A seguir, com muita calma e
autocontrolo, vejo o meu amigo Magalhães das Forças ajoelhar-se, abrir a porta
da capoeira, aproximar-se muito devagarinho…e meter a mão suavemente no
“enroscado” da jiboia. Puxou-a para fora “como se nada fosse”. O animal parecia
acordar dum sono profundo e o Magalhães das Forças, já de pé e sempre com muita
cautela, com uma das mãos a cerca de 10/15 cms da cabeça da jiboia, para a
domar em caso de emergência, coloca-a por trás do seu pescoço e estende os
braços, um para cada lado, de forma a poder-se admirar o réptil em toda a sua
beleza. Teria uns 3 metros e uns 25/30 kgs de peso, com a pele fria e parecendo
escameada, dum cinzento e amarelo-esverdeado lindo.
2 comentários:
Brilliant 😂😂😂😂
oh, pobre vida de galinha!!
Carlos Alberto continue a deliciar-nos com as suas belas histórias.
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