O
que partilho aqui pode não ser unânime em Moçambique, mas fiz o meu habitual
trabalho de casa e vivi de perto algumas histórias, por isso, posso dizer que,
mesmo não sendo verdade em todo o país, é-o em parte.
A ideia deste texto começou quando ao ver uma
mulher grávida, e perguntando: “então para quando terá o bebé”, a resposta
muitas vezes era “há-de nascer”, “um dia desses”, acompanhado de um sorriso que
me dizia que a conversa terminaria ali. Fiquei intrigado. Parece a previsão de
chuva incerta, apenas baseada em nuvens carregadas que se aproximam.
Foi aí que percebi o óbvio: mesmo que o
acontecimento seja global, as heranças culturais vivem-no de forma diversa!
Tentei então perceber os meandros locais do acontecimento universal que é o
nascimento duma criança.
Nestas danças de interculturalidade a minha palavra
de ordem é “entender”, acima de qualquer juízo de valor ou opinião (des)contextualizada.
As culturas foram lapidadas pelo tempo e baseiam-se, mais do que em factos
reais, em experiências endémicas, inigualáveis.
O meu trabalho de casa foi feito com um pequeno
questionário de 3 perguntinhas, amavelmente respondidas por várias mulheres, e
editadas por mim:
O sigilo é grande nos primeiros três
meses, e há um motivo para isso. Por volta da 12ª semana o feto fixa-se no
útero. Antes disso a vulnerabilidade é grande, por isso as mulheres não querem
que muita gente saiba, para não criar expectativas ou ter que gerir desilusões
e explicações, caso venha a acontecer a perda do feto. Em Moçambique, muitas
mulheres não dizem nada nos primeiros 3 meses, pois acreditam que dá azar, têm
receio de perder o bebé
ou a sua própria vida, porque dizem que algumas feiticeiras aproveitam as
mulheres grávidas para fazer maldade. Já se vê aqui a invasão da tradição na
ciência, onde algumas pessoas poderão ver a invasão da ciência na tradição.
Quando as mulheres engravidam, na sua maioria devem “amarrar
a barriga”. Quer isto dizer que devem consultar uma curandeira ou uma mais
velha que lê as pedras. A previsão das pedras é muito importante e, ou o
prognóstico é favorável, ou, se não for, incube a gestante com alguma tarefa,
que pode passar por visitar a campa dum antepassado, pedindo uma espécie de
bênção.
Assim, na prática, vemos a barriga
da mulher a aumentar a cada semana, não havendo esclarecimento a nenhuma das
nossas perguntas. Um dia a mulher não aparece no trabalho e dizem-nos “foi ter
o bebé”, como quem tirou o dia para tratar de algum assunto, precioso, diga-se
a verdade: o alívio de quem foi bafejado por tudo ter corrido bem…
2. No geral as mulheres/famílias querem saber o sexo
do bebé?
Ora aí está uma
resposta que depende, também ela, do sexo de quem a dá.
No geral, as
mulheres querem uma criança saudável acima de tudo, mas saber o sexo do bebé
ajuda muito na preparação das cores das roupas e do quarto. Puro sentido
prático a querer satisfazer a curiosidade.
No geral, os homens
apelam ao ego, querendo um macho, que carregue o apelido por mais uma geração,
até fazerem figas que nasça outro macho, e assim sucessivamente. Comentários
como “Seria bom ter menino, mas se for menina também está bem.” Emana
involuntariamente da ansiedade masculina em desejar um macho.
Na zona rural é mais
linear. Macho significa mão-de-obra para a horta. Menina significa ter que
tentar mais um a ver se sai rapaz…
3. No caso de as famílias
darem o nome à criança (e não os pais) a decisão baseia-se em quê?
Nalgumas famílias o nome tem grande
impacto, principalmente se a mãe ou o pai passaram por dificuldades durante a
gestação. Por exemplo, “mepo” significa vento em Makonde e o nome pode ser dado
porque os pais passaram por muitas dificuldades. Assim inscreve-se nos
testemunhos vivos as vivências familiares.
No caso de atribuição de nome a decisão baseia-se na tradição
familiar, isto é, nos nomes dos avós paternos, pais, tias ou tios mais velhos.
Os “defuntos é que decidem” por via da consulta das pedras se a criança deve
ter nome de um antepassado ou se pode ser outro diferente. No passado, as
crianças antes mesmo de nascer, já eram chamadas por esse nome tradicional, para
que o antepassado a protegesse.
Imagino uma cerimónia em redor duma fogueira, evocando vários
espíritos e aguardando pacientemente a decisão superior. Enquanto isso, algumas
crianças, depois de nascerem, não têm nome. Assim, o “bebé” e os respectivos
pais têm que aguardar…
As famílias ainda continuam a dar o nome tradicional para
evitar a perda da criança. Muitas vezes associam doenças ou mal-estar da
criança, com o seu nome. Se, após o nascimento, a criança ficar muito doente ou
com choros prolongados, os pais/avós procuram o curandeiro de modo a evitar
catástrofes. Quando este lhe atribui um nome, deve-se repetir muitas vezes à
criança, com o intuito do antepassado ouvir e ficar satisfeito, em jeito de injeção
de antibiótico. Muitas vezes, por coincidência ou não, a criança fica bem.
Hoje em dia ainda se preserva este ritual, mas no momento do
registo os pais escolhem o nome a seu gosto. Em casa, entre os familiares, por
vezes até os vizinhos chamam pelo nome tradicional. Em alguns casos a criança
vai para a escola sem saber o nome de registo, só o tradicional. Mais vale
jogar pelo seguro…
2 comentários:
Sempre a aprender contigo....beijinho André,
tão giro :))
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